O uso do cinema para fins propagandísticos foi amplamente reconhecido já durante a Primeira Guerra Mundial. Naquele momento, os governos perceberam que o cinema poderia ir além do entretenimento, servindo como um meio eficaz de unificar o imaginário coletivo em tempos de crise. Marc Ferro destaca que a Primeira Guerra Mundial marcou o início do uso estratégico do cinema por Estados para moldar percepções populares e justificar ações militares¹. Em um contexto em que a mobilização nacional era crucial, o cinema desempenhou o papel de criar uma imagem positiva do esforço de guerra e desumanizar os inimigos, apresentando-os como bárbaros ou perigosos para a civilização.
Nos filmes produzidos durante a Primeira Guerra Mundial, as narrativas reforçavam o heroísmo dos soldados nacionais e a brutalidade dos inimigos. De acordo com a historiadora Emma Hanna, o cinema britânico da época, com filmes como The Battle of the Somme (1916), buscava não apenas registrar os acontecimentos da guerra, mas criar um sentido de pertencimento nacional, sensibilizando a população para o esforço e sacrifício necessários em tempos de conflito². Essa prática estabeleceu um precedente para o uso do cinema como arma de propaganda em guerras futuras.
A Segunda Guerra Mundial e o Cinema de Propaganda
A Segunda Guerra Mundial representou o auge do cinema de propaganda, com ambos os lados do conflito utilizando extensivamente essa ferramenta para mobilizar suas populações e demonizar o inimigo. Nos Estados Unidos, o governo investiu pesadamente em filmes de propaganda através do Office of War Information (OWI), que controlava a produção e distribuição de filmes voltados para fortalecer o moral das tropas e dos cidadãos, bem como para justificar as ações militares americanas. Nessa época, filmes como Why We Fight (1942-1945), dirigido por Frank Capra, desempenharam um papel fundamental na narrativa oficial de que a guerra era uma luta pela liberdade e pela civilização ocidental contra o fascismo³.
Enquanto isso, na Alemanha nazista, o cinema se tornou um dos principais instrumentos de propaganda sob o comando de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda de Adolf Hitler. Filmes como O Judeu Süss (1940) e O Eterno Judeu (1940) foram utilizados para promover o antissemitismo e justificar políticas de extermínio, apresentando os judeus como uma ameaça existencial à pureza da nação alemã. De acordo com o historiador Siegfried Kracauer, essa estratégia de propaganda cinematográfica nazista foi central para o processo de desumanização do inimigo, reforçando estereótipos racistas e preparando a população para aceitar a violência de Estado contra grupos minoritários⁴.
A Guerra Fria e o Cinema de Hollywood
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, o cinema continuou a desempenhar um papel crucial na construção de narrativas de guerra, agora voltadas para a luta ideológica entre o capitalismo ocidental e o comunismo soviético. O cinema de Hollywood, alinhado aos interesses do governo dos Estados Unidos, produziu uma série de filmes que visavam criar um sentimento de paranoia em relação à ameaça comunista. Filmes como Invasion of the Body Snatchers (1956) e Red Dawn (1984) se valeram de metáforas para representar o medo da infiltração comunista na sociedade americana, contribuindo para consolidar uma visão maniqueísta do mundo⁵.
Nesse período, a propaganda de guerra através do cinema não se limitava a filmes abertamente ideológicos, mas permeava produções de entretenimento, em uma estratégia conhecida como “soft power”. Segundo o cientista político Joseph Nye, o uso do cinema como ferramenta de influência indireta foi essencial para o fortalecimento da hegemonia americana, pois consolidava a visão de um mundo dividido entre o “bem” ocidental e o “mal” soviético⁶. Desse modo, o cinema de Hollywood atuou como um braço cultural do governo dos Estados Unidos, utilizando a linguagem cinematográfica para justificar a política externa americana e legitimar a intervenção em conflitos globais.
O Impacto do Cinema na Construção de Inimigos e Heróis
A propaganda de guerra, ao longo da história, se valeu do cinema para criar inimigos estereotipados e heróis idealizados, construindo uma visão polarizada do mundo. Essa polarização facilita a mobilização das massas ao simplificar o complexo contexto dos conflitos e desumanizar o inimigo, tornando-o uma ameaça que deve ser erradicada. Esse processo é evidente tanto na produção de filmes durante a Segunda Guerra Mundial quanto em tempos de guerra contemporânea, como o período pós-11 de setembro.
Segundo Edward Said, em Orientalismo, a criação de narrativas polarizadoras no cinema é central para a construção de identidades nacionais, pois reforça uma dicotomia entre “nós” e “eles”, legitimando ações militares em nome da civilização e da segurança⁷. Filmes de guerra frequentemente desumanizam o outro, transformando o inimigo em um estereótipo cruel ou traiçoeiro, enquanto apresentam os soldados nacionais como heróis sacrificiais que lutam por uma causa justa. Essa construção narrativa não é neutra, pois direciona as emoções e percepções do público em direção à aceitação do esforço de guerra.
Ao longo da história, o cinema se consolidou como uma ferramenta essencial na propaganda de guerra, utilizada para mobilizar populações, justificar ações militares e consolidar narrativas ideológicas. Desde a Primeira Guerra Mundial até a Guerra Fria, o cinema desempenhou um papel fundamental na construção de imaginários coletivos que legitimam conflitos, reforçam identidades nacionais e desumanizam o inimigo. Como observou Marc Ferro, o cinema “não apenas reflete, mas constrói e condiciona a realidade que percebemos”¹, sendo, portanto, um instrumento estratégico para aqueles que buscam controlar a narrativa e manipular a opinião pública em tempos de guerra.