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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Marvel e a Complexidade dos Movimentos Sociais: Uma Exploração das Narrativas de Justiça e Igualdade

      
Stan Lee, o lendário co-criador do vasto universo Marvel, deixou um legado que vai além das páginas dos quadrinhos. Sua visão inovadora e perspicaz trouxe à vida personagens icônicos, como os X-Men, que não apenas cativaram os leitores, mas também refletiram questões sociais profundas.

Os X-Men, com suas habilidades mutantes, personificam a diversidade e a aceitação em uma sociedade que muitas vezes teme o diferente. Stan Lee e seus colegas artistas introduziram metáforas poderosas para temas sociais, explorando o preconceito e a discriminação através das lentes das narrativas de super-heróis. Os mutantes, muitas vezes marginalizados, representam grupos minoritários que enfrentam resistência e incompreensão.

Além disso, a Marvel deu um passo ousado com o lançamento do Pantera Negra, um super-herói africano que se tornou um ícone cultural. O filme homônimo, lançado em 2018, dirigido por Ryan Coogler e estrelado por Chadwick Boseman, não apenas arrebatou a bilheteria, mas também trouxe à tona questões de representatividade e identidade.

A conexão entre os movimentos sociais e as narrativas da Marvel é evidente, e personagens como o Pantera Negra são emblemáticos nesse sentido. Assim como o líder dos X-Men, Professor Xavier, que busca a coexistência pacífica entre mutantes e humanos, Pantera Negra defende a justiça e a igualdade em um mundo muitas vezes dividido.

Ao explorar essas questões, a Marvel não apenas entreteve, mas também estimulou a reflexão sobre temas sociais e políticos. O legado de Stan Lee vai além da criação de super-heróis; ele deixou uma marca duradoura ao abordar questões relevantes e promover a inclusão.

Em um contexto mais amplo, a relação entre a Marvel, os movimentos sociais e o socialismo pode ser examinada sob a ótica da luta contra as desigualdades. Enquanto o socialismo busca a equidade social, muitas histórias da Marvel destacam a luta contra sistemas de opressão e a busca por um mundo mais justo.

Assim, o universo criado por Stan Lee e a Marvel não apenas moldou a cultura pop, mas também serviu como um veículo para discussões significativas sobre inclusão, diversidade e justiça social, tornando-se um reflexo do mundo ao nosso redor.

Dentro do universo Marvel, as figuras de Magneto e Professor Xavier são particularmente fascinantes quando comparadas aos ativistas Malcolm X e Martin Luther King Jr., respectivamente. Cada par compartilha semelhanças temáticas, ilustrando as complexidades dos movimentos sociais e suas abordagens para a busca de igualdade e justiça.

Malcolm X, conhecido por suas posições mais radicais na luta pelos direitos civis, encontra eco nas ideias do mutante Magneto. Magneto, também conhecido como Erik Lehnsher, acredita que os mutantes, assim como as minorias sociais representadas por Malcolm X, devem proteger a si mesmos e garantir seus direitos por qualquer meio necessário, até mesmo usando a força. Assim como Malcolm X, Magneto enxerga a possibilidade de coexistência com os não-mutantes como uma utopia distante.

Por outro lado, o Professor Charles Xavier, inspirado em Martin Luther King Jr., segue uma abordagem mais pacífica e integradora. King defendia a não violência e a integração racial, buscando a harmonia entre diferentes grupos étnicos. Da mesma forma, o Professor Xavier procura a coexistência pacífica entre mutantes e humanos, visando um entendimento mútuo e a superação das barreiras que os separam.

Essas analogias não são coincidências. Stan Lee e os criadores da Marvel intencionalmente incorporaram questões sociais complexas em suas histórias para estimular reflexões sobre a sociedade. A dicotomia entre Magneto e Professor Xavier reflete os dilemas morais enfrentados pelos líderes dos movimentos sociais na luta por igualdade.

Tanto Malcolm X quanto Magneto acreditavam que a autodefesa era crucial para a sobrevivência de suas comunidades, enquanto Martin Luther King Jr. e o Professor Xavier buscavam a transformação através do entendimento e da cooperação. Essas divergências filosóficas destacam as tensões inerentes aos movimentos sociais, revelando que diferentes abordagens podem coexistir em um mesmo contexto de luta por justiça.

No final das contas, as histórias da Marvel proporcionam um espaço para a exploração de ideias complexas e nuance moral, refletindo e, por vezes, antecipando os desafios enfrentados pelos ativistas do mundo real. Essas comparações entre personagens fictícios e figuras históricas servem como um lembrete poderoso de como a ficção pode espelhar e enriquecer nosso entendimento do mundo que nos rodeia.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Preludio de uma Guerra

Por Jessé A. Chahad

O filme é um documentário que mostra a visão do Governo americano sobre a invasão japonesa na Manchúria, a conquista da Etiópia pelos italianos, e o início da movimentação das tropas nazistas em direção ao Leste Europeu. Em outras palavras, insinuam um movimento de conquista mundial praticado pelos governos fascista.
Os créditos da introdução confirmam o caráter de oficialidade do documento, e reforça a idéia de construção do fato histórico a partir da visão governamental, que procurava justificar a participação dos Estados Unidos no conflito. O filme foi exibido primeiramente apenas para o público militar, e a partir da percepção da eficácia de sua mensagem, foi liberado pelo Governo para o público em geral, desconfiado e temeroso com a globalização do conflito que iniciara na Europa.
A indústria de Hollywood, às vésperas da Segunda Guerra Mundial produzia tantos filmes quanto todas as outras indústrias combinadas, quase dez filmes por semana, e acompanhava o ritmo da corrente Revolução Industrial, que se encontrava em seu auge, e curiosamente após o termino da Guerra havia desmoronado[1]. A propaganda de guerra eficiente escondia as mazelas que acabariam atingindo diversos setores da economia americana, questionando a validade de sua intervenção.
O principal elemento de convencimento trazido pelo filme, é a busca pela Liberdade, conceito que será apropriado pelos Aliados a fim de glorificar a carnificina realizada durante a Guerra. Libertar os povos dominados pelo Nazismo e Fascismo consistia em menor parte conceder a eles autonomia, e sim impor sua política. Sob a bandeira americana se escondiam novos planos de reorganização e dominação mundial.
Na cena em que aparecem dois globos terrestres em rota de colisão, um mais claro, representa os “Aliados da liberdade”, e um outro mais escuro, “o eixo do mal”. A simplificação entre mundo do bem versus mundo do mal, em outras palavras o maniqueísmo propagado pela cena era suficiente e eficiente para a inteligência de uma população com alto índice de analfabetismo[2].
A aprovação popular da participação na Guerra era fundamental, pois propiciava menor crítica à quantidade de dinheiro a ser gasta com tal projeto, e ainda provocava no público o sentimento de responsabilidade perante o conflito, pois se eram tão nobres e justos os ideais libertários e de igualdade, que a população não tinha motivos para não a endossar.
Sabendo que o documentário é o gênero cinematográfico que carrega o estigma compartilhado pela fotografia – de retrato fiel da realidade - devemos entender que o documentário não pode ser considerado um reflexo direto da realidade, mas sim como trabalhos nos quais as imagens dão forma a um discurso narrativo com um significado determinado[3]. Porém, para o público considerado comum, essa especificidade não é levada em consideração, e muitas vezes o Cinema é entendido como capaz de reproduzir fielmente os acontecimentos de um determinado fato histórico, problema que pode ser tratado por aqueles que se dedicam ao ensino da História.

Cinema no ensino de História: O Filme e suas possibilidades
No campo do ensino da História, os filmes de cunho histórico são fontes inesgotáveis de possibilidades de propor discussões e provocar a reflexão no estudante.
Se considerarmos que o caráter visual da sociedade atual se sobrepõe aos demais sentidos na percepção e no entendimento da realidade, é razoável a afirmação de que o Cinema é atraente e atinge quase em sua totalidade o dia a dia do estudante, seja do ensino regular ou mesmo superior. A partir da exibição de filmes que trazem em seu conteúdo fatos históricos a serem estudados nos programas tradicionais, o profissional dedicado ao ensino de História consegue ao menos atrair mais atenção para o assunto, o que já é desejável em tempos de tão grande desinteresse pelo estudo por parte dos alunos.
A partir deste primeiro momento, a intenção seria realiza debates acerca do assunto trazido pelo filme, e como os fatos foram tratados, a fim de identificar possíveis interpretações e pontos de vista expressos por detrás das imagens, suscitando a curiosidade que levará naturalmente à pesquisa sobre o tema.
A tão criticada indústria cinematográfica hollywoodiana serve de exemplo não apenas por dedicar tantos recursos à produção de filmes “históricos”, que abrangem a sua própria História recente, além de atingir temas Clássicos, como a Guerra de Tróia, ou ainda Rei Arthur, que de longe procuram se inserir no caráter do cinema real, de fidelidade, mas buscam a verossimilhança em suas narrativas, que são sucessos de bilheteria e despertam de alguma forma, por menos louvável que seja, o interesse sobre temas históricos.
No Brasil, são pouquíssimos investimentos na produção de filmes, históricos ou não; a indústria e o mercado cinematográfico tentam ressurgir após um longo período lacônico em sua produção, e apenas no início da década de 1990, recomeçaram a surgir com mais força. Evidentemente, uma maior produção de filmes sobre a História do Brasil, produziria também um aumento do público interessado em História, além de possibilitar novas visões e possíveis revisões de alguns momentos cruciais do nosso país, como as discussões proporcionadas pelos diversos filmes feitos sobre a época da Ditadura Militar.

Conclusões
Ao se propor a utilização de filmes, documentários ou mesmo comerciais, no debate e no ensino de História, se propõe acima de tudo a busca de adequação do ensino à demanda da sociedade, a fim de despertar o interesse para a História, e consequentemente propor a reflexão sobre o assunto.
A partir desta proposta, demonstrar ao estudante a potencialidade do Cinema como formador de opinião, e mais, como construtor de memória e idealizador de projetos que contam com uma intencionalidade, e que são produtos de um tempo histórico único, de uma sociedade com características próprias. Despertar essa consciência no estudante por si só já pode ser considerado um resultado positivo.
Para os historiadores, mais importante do que condenar a presença de duendes e dragões, personagens comuns em filmes que remetem à Idade Média, é explorar a potencialidade deste tipo de documento, e como ele pode ser útil para a produção de conhecimento. Cada filme tem suas características próprias de estilo, ação, suspense, comédia, terror, etc.. E o documentário é mais uma forma de expressão cinematográfica, com a especificidade de carregar em si o caráter de oficialidade, de versão “original” da História, que cabe ao historiador problematizar e debater em sala de aula.
Uma questão a ser levantada, por exemplo, pode ser o fato de como algumas lideranças mundiais se apropriam de valores, como a liberdade, igualdade e democracia, e, além disso, constrói uma nova significação destes valores, a fim de justificar um propósito, como no caso da Segunda Guerra, a necessidade da emergência dos Estados Unidos como potência militar e econômica, que deveria liderar o mundo com seus ideais de justiça e libertação.
Ainda hoje podemos identificar essa prática na sociedade americana, altamente militarizada e sempre disposta a endossar um conflito, uma invasão de um país qualquer que não dê liberdade ao seu povo, que não exerça a democracia. Por outro lado, os verdadeiros motivos que deflagram a maioria dos conflitos desde a Primeira Guerra, são quase sempre relacionados às questões de territorialidade, em outras palavras, à conquista e dominação de territórios que dispões de recursos estratégicos, ligados a algum setor da economia.
A produção de filmes de guerra é quase concomitante com a produtividade da indústria bélica estado-unidense, e ambas aumentam seus lucros, e renovam suas tecnologias de maneira impressionante, que nos levam a crer que a relação entre Cinema e História está muito mais presente no dia a dia do que podemos imaginar, e que a construção da memória de um povo, mais ainda, a construção de um senso moral comum de justiça e caráter, passa pelo crivo da indústria cultural e com ela se entrelaça, pois fazem a cultura visual e a sociedade personagens de um mesmo longa metragem.








Bibliografia

CHARNEY, Leo & SCHWARTZ (orgs), Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna, Cosac & Naify, São Paulo, 2001.

FERRO, Marc, Cinema e História, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992.

GEARY, Patrick J. O mito das nações – A invenção do nacionalismo, Conrad, São Paulo, 2005.

HOBSBAWM, Eric J., A era dos Impérios, 1875-1914, Paz e Terra, São Paulo, 1988.

HOBSBAWM, Eric J., A era dos Extremos, O breve século XX-1914-1991, Cia. das Letras, São Paulo, 1995.

LE GOFF, J. e NORA, P. (Orgs) História: novos objetos, Rio de Janeiro, 1976.

MENESES, Ulpiano Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório”. Revista Brasileira de História, ANPUH, São Paulo, 23, 2003.

ORR, John, Cinema and modernity. Polity Press, Cambridge, 1993.

RAMOS, José Mario Ortiz, Cinema, estado e lutas culturais-anos 50-60-70, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1983.

ROSENSTONE, Robert, “História e imagens, História em palavras: reflexões sobre as possibilidades de plasmar a História em imagens”. O Olho da História-Revista de História Contemporânea. Salvador, 1 (5): 105/116, set. 1998.

WILLIAMS, Christopher (Org), Realism and Cinema, Routledge and Kegan
Paul, New York, 1980.
[1] Eric HOBSBAWM, As Artes, 1914-1945, in: A Era dos Extremos, p.195.
[2] Idem, p.193.
[3] Robert ROSENSTONE, História em imagens, história em palavras: reflexões sobre as possibilidades de plasmar a história em imagens, p. 08.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

História da Revolução Mexicana - Construção da Imagem pelas Fotografias

Por Jessé A. Chahad

Não iremos aqui tomar partido na questão inevitável sobre o caráter artístico das fotografias, pois aqui tentaremos resolver de maneira astuciosa esse debate, reservando-se o direito de acreditar que, não necessariamente deveremos tratar a fotografia através da dicotomia foto versus obra de arte, preferimos aceitar que além do caráter obviamente informacional histórico e construtivo das fotos, está intrínseco um valor artístico e estético a ser valorizado em um outro momento. Portanto, faz se desnecessária essa “competição”, visto que os dois aspectos podem caminhar juntos, ora se sobrepondo ou se complementando, existindo como duas faces de uma mesma moeda. Os conceitos que aqui serão adotados para a fotografia, fazem parte do pensamento dos autores a serem citados na bibliografia, fundamentais para a produção do texto.
A fotografia enquanto representação do real, muitas vezes assume caráter de documentação oficial, como no caso da Revolução Mexicana. Esse fato apenas reforça a tese de que a fotografia pode ser utilizada para a construção de um papel interpretativo da realidade e ainda mais: o seu caráter realista, proveniente da relação entre o momento real e o momento retratado, aliado ao caráter de oficialização acaba quase por determinar que contra as fotografias não existam argumentos possíveis de dubiedade.
É neste momento que devemos ser cautelosos e recorrermos aos documentos fotográficos como fontes passíveis de algumas diferentes interpretações, além de ressaltar que toda fotografia enquanto produto cultural é trabalho de um fotógrafo, o qual também está inserido em um contexto particular e serve a um propósito ora pessoal, ora pré-determinado por alguma ideologia, ou motivação profissional.Weinstein & Booth são citados por Boris Kossoy em seu livro Fotografia e História, e aqui retomamos sua premissa para este trabaho: “perceber na imagem o que esta nas entrelinhas, assim como o fazemos em relação aos textos”, “precisamos aprender a esmiuçar as fotografias criticamente, interrogativamente e especulativamente(...).[1]
A partir deste viés, tentaremos demonstrar que a produção das imagens que iremos analisar viria a satisfazer uma pré-disposição a que se legitimava toda a luta revolucionária, e que mesmo com seus períodos de ascensão e queda de poder, a fotografia esteve presente, tentando se manter isenta, através dos Casasola, porém auxiliando a ambos os lados a criar os mitos que iriam transpor os muros cronológicos dos acontecimentos e ecoariam hoje no imaginário da população mexicana.

Sobre a Revolução
A Revolução Mexicana pode ser considerada a primeira a se desenvolver diretamente no contexto das contradições internas do Imperialismo que contou com a decisiva participação das massas trabalhadoras[2], tanto camponesas quanto operárias, unindo o sul rural e o norte semi-industrializado sob a mesma luta. A revolução tem sua cronologia marcada pode se dizer em três fases, a primeira, iniciando-se em 1910 com a derrubada do ditador que iria para o seu sétimo mandato, Porfírio Diaz, e a tentativa de fracassada do levante do líder do partido anti-reeleccionista Francisco Maderos, marca o que se convenciona chamar do inicio da fase política da revolução, a revolução maderista. Após cinco meses de batalhas, Diaz renuncia e nomeia um substituto que viria a convocar novas eleições. Em outubro de 1911, Maderos é eleito com 53% dos votos, agora pelo Partido Progressista Constitucional.
Após duas tentativas de golpes fracassados, os remanescentes do porfiriato chegaram ao poder através do Comandante das tropas federais, Victoriano Huerta, que traindo o país e a pátria, assassinou o presidente Maderos e seu vice, e assumiu o poder, no episodio que ficou conhecido como la decena trágica.( 9 a 18 de fevereiro de 1913)
O governo de Huerta inauguraria uma nova fase revolucionaria que contaria de certa forma com o apoio internacional, dos países que não reconheceriam a oficialidade da tomada de poder. As tropas Zapatistas continuaram a luta, ao lado de Villa e Obregón, e mais uma nova força representada pelo Governador Venustiano Carranza, aliado as forças políticas do estado de Sonora. A partir de 1914, inicia-se a fase mais problemática do processo revolucionário, com a fragmentação das forças antes conjuntas e a radicalidade das facções camponesas que se opunham aos constitucionalistas.
Liderados pela Divisão do Norte, um exército de mais de trinta mil pessoas entre camponeses, mineradores, boiadeiros, ferroviários, bandidos e desocupados era liderado pelo líder popular Pancho Villa. Ao sul, dez mil guerrilheiros todos camponeses exigindo a devolução das terras usurpadas pelos grandes fazendeiros do açúcar. Os conflitos se arrastariam com vitórias e derrotas para todos, levando o Estado Mexicano a exaurir suas economias, e paralisar o crescimento e desenvolvimento do país.
A convocação para a eleição de uma Assembléia Constituinte em 1917 decide dar um rumo à política nacional, e logo em seguida Carranza é eleito Presidente e retoma certo ar de retorno do México do crescimento de sua economia, até nova investida da oposição, dessa vez liderada por Álvares Obregón. A briga pelo poder causou uma onda de violência que durou de 1918 a 1920, e terminou com a posse de Obregón. A partir daí, a revolução seria institucionalizada e o Norte viria a dominar a cena durante um longo período, o que faz com a periodização sobre a revolução mexicana seja motivo de discórdia na historiografia. [3]

Geração Casasola
Augustin Victor Casasola, nasceu em julho de 1874, aos vinte anos de idade já trabalhava como repórter e fotógrafo. Em 1912 ele funda uma agência de fotógrafos, a qual contava com o slogan: “Tengo o hago la foto que usted necesite”. A agência atendia a revistas, jornais, e ao público em geral. Afora Victor, trabalhava na agência também os seus irmãos, Miguel e Ismael. Este era o início de uma família que viria a atravessar as gerações servindo ao oficio da fotografia e da História do México.
Alem de fotógrafo, Augustin Victor era acima de tudo um colecionador apaixonado, sendo este um dos fatores mais problemáticos no tocante à identificação das fotografias e ao ano de produção das mesmas. Existem duvidas em relação à autoria de algumas obras, pois a agência também contava com nomes como o de Francisco Ramirez e Rafael López Ortega. O que sabemos ao certo é que havia uma obsessão de Augustin de formar um arquivo fotográfico a serviço da História do México. Após sua morte prematura em 1936, a família reuniu durante décadas um volume impressionante de imagens. Este belo arquivo que foi inaugurado em 1976, e conta com cerca de 600 mil peças, o chamado Arquivo Casasola está sob a guarda da Fototeca de Pachuca, vinculada ao Instituto Nacional de Antropologia e História do Estado Mexicano, e é considerado por alguns, o acervo fotográfico mais rico para se entender a história e a sociedade da primeira metade do século XX.
Pode parecer pretensioso, mas não seria der todo exagerado dizer que Augustin Victor participou dos primórdios do que conhecemos hoje como foto-jornalismo, devido à presença dos fotógrafos do “clã” diretamente nos eventos decisivos da Revolução, tanto nos momentos gloriosos, quanto no cotidiano de guerrilha, se é que se podemos falar nesses termos, os Casasola arriscaram a vida e se viram obrigados ora a registrar os triunfos dos federalistas no poder e, mais tarde, o relativo sucesso das camadas rebeldes.
A relação prévia de Casasola com a imprensa que se desenvolvia e se modernizava no inicio do século XX, pode ter ajudado na produção de tamanho numero de imagens. A imprensa começava a adotar um caráter capitalista, ao redor de todo o mundo e no México essa tendência não se deu de maneira isolada. As classes mais baixas poderiam ter acesso agora aos periódicos, que tinham sua reprodução em serie cada vez mais com um custo reduzido.
Em 1914, a forte perseguição federal à imprensa fecha os jornais “El Tiempo” e “El Imparcial” e leva Miguel Casasola a abandonar suas atividades profissionais para se juntar à luta. Ele se une às tropas do General Ordoñes, um seguidor de Álvaro Obregón, líder do Exército Constitucionalista.
Podemos acreditar que de fato os Casasola participaram em diversos momentos da revolução, e algumas imagens do cotidiano da guerrilha podem ter surgido neste contexto, (fig.1), porém, para uma maior precisão, seria necessário um estudo mais dedicado sobre o assunto, além de uma visita ao Arquivo Casasola, visto que também a bibliografia disponível em nosso país sobre esse assunto é muito escassa. Nesta imagem, podemos deduzir tratar-se das fileiras do Sul mais rural, menos militarizadas que as do Norte, diferença territorial marcante no México em todos os sentidos de desenvolvimento. As vestimentas podem denunciar a origem, como por exemplo, os chapéus de camponeses, de abas muito largas para proteger do forte sol.
Porém, o Professor Carlos Alberto Sampaio Barbosa, ao estudar mais profundamente o livro fotográfico lança a possibilidade de que as cenas de guerra passariam por uma mudança na sua forma de representação. As batalhas teriam um acréscimo de carga dramática ao serem retratadas mais de perto, e às vezes as cenas precisariam ser “montadas” para que pudessem permitir tal aproximação e dramaticidade. Apesar da dúvida, fica a certeza de que a partir deste momento, as guerras e batalhas passariam a ser retratadas de uma maneira nova, e com o advento próximo da imprensa, as noticias ganhariam uma dinâmica mais concentrada no apelo emocional e menos na função informativa.
Após a vitória da revolução, os Casasola passaram a ocupar cargos públicos; durante os governos de Obregón (1920-1924) e Calles, (1924 a 1928), Augustin é nomeado “Chefe fotográfico” e também cuida da direção de espetáculos. [4] Esse período foi muito importante para a família, pois foi em 1920 que Augustin Victor foi convidado pelo estado a fotografar o “progresso” no México, um vinculo que duraria até 1935 e que faria com que o fotógrafo ostentasse a alcunha de “o fotógrafo da revolução”. Em 1921, já havia material suficiente para que os Casasola publicassem o Álbum Histórico Gráfico, uma narrativa dos principais acontecimentos da Revolução.
Outro fato importante que devemos ressaltar foi a ruptura dos padrões “objetivos” da fotografia. [5] Tipos humanos que antes eram retratados apenas como “curiosidades nacionais”, agora ocupavam a cena principal, tamanha era a sua importância e evidencia no quadro nacional. A realidade da guerra se sobrepôs aos velhos hábitos do registro visual. Cenas de pobreza e miséria criavam uma atmosfera social, que antes só era sentida pelos próprios protagonistas e agora chegavam por meio de publicações em periódicos.

Construção da Imagem da Revolução
Para entender como as fotografias podem ajudar na construção de um imaginário acerca de um assunto, procuraremos através de analise de algumas peças identificar elementos em comum com a bibliografia conhecida sobre a revolução, chamando a atenção para os detalhes enquadrados em cada momento registrado. Para Augustin, no foto-jornalismo, o valor da fotografia consiste na capacidade.
Em foto do arquivo Casasola (fig. 2), tomada no norte agrário do México por volta de 1910, podemos ver uma cena de cotidiano camponês onde é impossível não percebermos a imagem da pobreza, da tristeza da foto, alem do contraste e da fisionomia, tanto da criança, quanto da idosa nos transmitem um ar de pena. O chão de terra traz um ar de precariedade, de falta de recursos, de simplicidade. Fica quase óbvio o significado maior da foto que alem dessa pobreza, mostra a presença da criança e a idosa, tipos que habitavam as cidades em sua maioria, visto que os homens e jovens que já podiam pegar em armas já tinham se juntado para engrossar as fileiras da revolução.
Podemos fazer um paralelo desta imagem com uma passagem da obra do escritor mexicano Juan Rulfo, Chão em chamas, onde os contos narrados têm a Revolução como seu pano de fundo. A imagem ilustra a paisagem de Luvina, cidade fictícia descrita por Rulfo, onde a tristeza impera, a falta de esperança é presente. Diz a narrativa: “Porque em Luvina só moram os velhos muito velhos e os que ainda não nasceram, como se diz (...) E mulheres sem forças, quase travadas de tão magras”. (p.310). A pobreza de Luvina é refletida no imaginário da Revolução, e acaba for fixar a imagem da miséria e da carência, urgente de mudanças.
Nas figuras 3 e 4 ,datadas do mesmo período, fica evidente o que foi citado anteriormente, de que todos aqueles que já tivessem idade ou força suficiente para empenhar uma arma se viam inclinados a defender seu território e exigir a devolução das terras usurpadas junto aos camponeses, tanto do lado dos Zapatistas ao Sul, quando do exercito forte de Villa ao Norte.
Fica também clara a violência da imagem, por se tratar claramente de crianças carregando armas, uma delas leva uma pistola no coldre, a munição cruzando peito e a espingarda empunhada, o que nos mostra além da demonstração de bravura e coragem do povo mexicano, a necessidade de que todos participassem da luta, da forma que pudessem. A figura ficou tradicionalmente conhecida como Adelita, e foi freqüente sua presença nas batalhas. Nos dias de hoje, quase cem anos após esses acontecimentos é normal vermos crianças empunhando armas, tanto nas favelas cariocas quanto nas divisas da faixa de Gaza, porém esse absurdo, com o qual não deveríamos ter nos acostumado, certamente chocou a sociedade da época, e foi uma maneira inclusive de dizer que as mulheres também tiveram sua participação de forma efetiva no processo revolucionário de maneira radical.
Nesta obra a ser analisada (fig. 5), está uma das uma das mais belas fotos de toda a coleção, também de Augustin Victor, e datada indefinidamente dentro do período de 1910-1912, podemos ver a figura heróica de Francisco Villa, o Pancho liderando a temida Divisão do Norte, invicta no campo de batalha até então, era o exército mais bem preparado, em termos de militarização e disponibilidade de equipamentos. A presença dos cavalos e carroças por si só já potencializa o ataque das tropas, devido a sua velocidade e poder de avanço maciço, massacrante. A imagem de Villa, imponente, a frente da cavalaria cria definitivamente o mito heróico que trespassou as gerações ate hoje ecoa não só na construção do imaginário da revolução, mas mesmo na construção da identidade da sociedade mexicana.
Na próxima foto (fig. 6), vemos o exercito Zapatista e logo de cara já percebemos a diferença em relação à cavalaria de Villa. A formação dispersa e os trajes civis, de camponeses, fazem com que o exercito passasse despercebido quando preciso. Era uso comum em situações de vigília, eles enterrarem as armas e voltarem a sua atividade original, de camponeses, para depois fazerem a tocaia às tropas federais. O conhecimento do território e a presença de indígenas garantiam às tropas Zapatistas um caráter sorrateiro no deslocamento e letal com suas táticas de guerrilha.
Para os que olham a foto rapidamente, ou às vezes se a imagem está em más condições, alguns podem chegar a pensar que se trata de um exército muito numeroso, porém se prestarmos atenção de maneira simples, iremos perceber que o exército está presente apenas na frente da imagem, estando ao fundo um imenso milharal. Pode parecer até uma anedota, mas essa mimese não era ocasional. A camuflagem do homem do campo, encoberto pelo seu habitat natural, aliada ao conhecimento do território citado acima conferiam mais uma habilidade que viria complementar as tropas rústicas de Villa, quando da união dos dois exércitos para a tomada da Cidade do México em seis de Dezembro de 1914.
O próprio Zapata, não foi muito retratado no período inicial, sendo a maioria de suas imagens sempre posteriores a 1914. Avesso à exibição, sempre sério, jamais sorrindo, com o olhar apaixonado e perdido que se relata, conquistava o coração das moças da época, Zapata aparece também como símbolo do poder, da vitória camponesa, marcando a transferência de poder que se deu durante a revolução, levando consigo a mudança na liderança nacional, tratando de solidificar uma imagem a ser martirizada logo após sua morte. (fig.7 e 8 )
A figura 9, um momento – chave da revolução: 6 de dezembro de 1914, dois dias depois do pacto estabelecido entre as tropas federais e as revolucionárias, os exércitos Zapatistas e Villista juntos adentram a Cidade do México. No centro da foto, identificamos os dois líderes juntos, e os grupos aparecem totalmente misturados, prova de sua cooperação. Camponeses caracterizados e militares fardados simbolizam a união dos grupos mais significativos da Revolução Mexicana. Impressiona também a quantidade de pessoas que engrossavam as fileiras da luta e que agora chegavam a vitória.
A próxima, uma das fotos mais famosas da Revolução, (fig.10) que tem um simbolismo extremamente evidente, sintetiza o auge da revolução camponesa onde assistimos Villa sentado à cadeira presidencial, em pose de despojo, ritual que seria seguido por Zapata logo em seguida. O riso no rosto de Villa e sisudez de Zapata mostram o quanto abrangente foi a revolução, alem de denotar uma característica do caráter de cada personagem que ficaria marcada de forma nítida em cada fotografia. A presença de populares em um dos momentos de maior importância na História do México também nos traz a imagem da forte participação popular no processo. Podemos ver camponeses, junto a soldados ainda feridos, em igualdade a seus lideres, desfrutando com ironia para não dizer deboche o sucesso de sua vitória militar.
Com tudo isso que foi dito até agora, já não fica mais em segredo o que se conseguiu passar com exibição dessas imagens. Percebermos quanto foi fundamental esse registro fotográfico para a construção da imagem que se tem de Revolução Mexicana, com seus lideres idealizados e suas urgências de melhorias para a população pobre. As fotos retratam alem do heroísmo e astúcia de alguns de seus personagens, também a radicalidade do processo que contou com a participação de mulheres e crianças, além das fracas condições de desenvolvimento dos desertos do planalto mexicano.
Devemos lembrar que tudo isso vem somar ao que Octavio Paz nos lembra sobre a Revolução, quando ele nos diz que todo esse heroísmo, essa urgência pelos oprimidos vêm retomar toda uma temática que já havia se dado na luta pela independência do México frente à Espanha. A retomada desses valores antes empregados reforçava cada vez mais o imaginário da população e com certeza foi fator fundamental para o sucesso relativo do processo revolucionário.
Apesar de a fotografia não ser incontestável, mesmo com toda a sua proximidade da realidade, são evidentes as escolhas que foram feitas pelos Casasola para conseguir transmitir os sentimentos necessários de revolta, de indignação, a fim de justificar a necessidade de uma mudança radical. O resultado é bem sucedido e conhecido pelo mundo todo, e as fotos da revolução existem até hoje gravadas no imaginário da população e na riquíssima cultura mexicana.
A importância então da fotografia é maior muitas vezes do que outros meios artísticos, como a literatura ou a pintura, devido a sua camuflagem de verossimilhança que não esta escondida em metáforas ou estilos, e sim exposta como ferida aberta, a fim de mostrar de maneira mais real possível, fazendo quase que imperceptível a construção por detrás da obra, que é tomada como retrato fiel da realidade. Um instrumento de tamanho poder, concluímos, é essencial para aqueles que desejam justificar os meios de se chegar a um objetivo e conseguir a legalidade perante as massas populares, e a opinião estrangeira.


Bibliografia

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BARBOSA, Carlos A. Sampaio; A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da historia visual da Revolução Mexicana (1900-1940), São Paulo, Unesp, 2006.

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[1] Boris KOSSOY, Fotografia e Historia p.79.
[2] Eric HOBSBAWM, Rumo à revolução, In: A era dos impérios, p.396.
[3] Ana Maria Martinez CORREA, A Revolução Mexicana, 1910-1917
[4] Carlos A. S. BARBOSA, A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da historia visual da Revolução Mexicana, pp.35.

[5] Ibid, pp.36