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quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Marvel e a Complexidade dos Movimentos Sociais: Uma Exploração das Narrativas de Justiça e Igualdade

      
Stan Lee, o lendário co-criador do vasto universo Marvel, deixou um legado que vai além das páginas dos quadrinhos. Sua visão inovadora e perspicaz trouxe à vida personagens icônicos, como os X-Men, que não apenas cativaram os leitores, mas também refletiram questões sociais profundas.

Os X-Men, com suas habilidades mutantes, personificam a diversidade e a aceitação em uma sociedade que muitas vezes teme o diferente. Stan Lee e seus colegas artistas introduziram metáforas poderosas para temas sociais, explorando o preconceito e a discriminação através das lentes das narrativas de super-heróis. Os mutantes, muitas vezes marginalizados, representam grupos minoritários que enfrentam resistência e incompreensão.

Além disso, a Marvel deu um passo ousado com o lançamento do Pantera Negra, um super-herói africano que se tornou um ícone cultural. O filme homônimo, lançado em 2018, dirigido por Ryan Coogler e estrelado por Chadwick Boseman, não apenas arrebatou a bilheteria, mas também trouxe à tona questões de representatividade e identidade.

A conexão entre os movimentos sociais e as narrativas da Marvel é evidente, e personagens como o Pantera Negra são emblemáticos nesse sentido. Assim como o líder dos X-Men, Professor Xavier, que busca a coexistência pacífica entre mutantes e humanos, Pantera Negra defende a justiça e a igualdade em um mundo muitas vezes dividido.

Ao explorar essas questões, a Marvel não apenas entreteve, mas também estimulou a reflexão sobre temas sociais e políticos. O legado de Stan Lee vai além da criação de super-heróis; ele deixou uma marca duradoura ao abordar questões relevantes e promover a inclusão.

Em um contexto mais amplo, a relação entre a Marvel, os movimentos sociais e o socialismo pode ser examinada sob a ótica da luta contra as desigualdades. Enquanto o socialismo busca a equidade social, muitas histórias da Marvel destacam a luta contra sistemas de opressão e a busca por um mundo mais justo.

Assim, o universo criado por Stan Lee e a Marvel não apenas moldou a cultura pop, mas também serviu como um veículo para discussões significativas sobre inclusão, diversidade e justiça social, tornando-se um reflexo do mundo ao nosso redor.

Dentro do universo Marvel, as figuras de Magneto e Professor Xavier são particularmente fascinantes quando comparadas aos ativistas Malcolm X e Martin Luther King Jr., respectivamente. Cada par compartilha semelhanças temáticas, ilustrando as complexidades dos movimentos sociais e suas abordagens para a busca de igualdade e justiça.

Malcolm X, conhecido por suas posições mais radicais na luta pelos direitos civis, encontra eco nas ideias do mutante Magneto. Magneto, também conhecido como Erik Lehnsher, acredita que os mutantes, assim como as minorias sociais representadas por Malcolm X, devem proteger a si mesmos e garantir seus direitos por qualquer meio necessário, até mesmo usando a força. Assim como Malcolm X, Magneto enxerga a possibilidade de coexistência com os não-mutantes como uma utopia distante.

Por outro lado, o Professor Charles Xavier, inspirado em Martin Luther King Jr., segue uma abordagem mais pacífica e integradora. King defendia a não violência e a integração racial, buscando a harmonia entre diferentes grupos étnicos. Da mesma forma, o Professor Xavier procura a coexistência pacífica entre mutantes e humanos, visando um entendimento mútuo e a superação das barreiras que os separam.

Essas analogias não são coincidências. Stan Lee e os criadores da Marvel intencionalmente incorporaram questões sociais complexas em suas histórias para estimular reflexões sobre a sociedade. A dicotomia entre Magneto e Professor Xavier reflete os dilemas morais enfrentados pelos líderes dos movimentos sociais na luta por igualdade.

Tanto Malcolm X quanto Magneto acreditavam que a autodefesa era crucial para a sobrevivência de suas comunidades, enquanto Martin Luther King Jr. e o Professor Xavier buscavam a transformação através do entendimento e da cooperação. Essas divergências filosóficas destacam as tensões inerentes aos movimentos sociais, revelando que diferentes abordagens podem coexistir em um mesmo contexto de luta por justiça.

No final das contas, as histórias da Marvel proporcionam um espaço para a exploração de ideias complexas e nuance moral, refletindo e, por vezes, antecipando os desafios enfrentados pelos ativistas do mundo real. Essas comparações entre personagens fictícios e figuras históricas servem como um lembrete poderoso de como a ficção pode espelhar e enriquecer nosso entendimento do mundo que nos rodeia.

sábado, 6 de janeiro de 2024

Futurismo e Fascismo: Uma Dança Perigosa

    Na virada do século XX, o movimento futurista emergiu como uma expressão artística e cultural que celebrava a velocidade, a tecnologia e a modernidade. No entanto, conforme as décadas avançavam, esses ideais vibrantes se entrelaçaram com narrativas políticas questionáveis, especialmente durante os anos sombrios do fascismo. Ao mesmo tempo, a novolatria, ou culto ao novo, convergiu com o ascenso do consumismo, criando uma dinâmica cultural complexa e por vezes controversa.

    O futurismo, liderado por figuras como Filippo Tommaso Marinetti, inicialmente buscava romper com tradições e abraçar o dinamismo da era industrial. Contudo, sua energia radical encontrou terreno fértil no ambiente político tumultuado do início do século XX. Na Itália, Benito Mussolini, o fundador do regime fascista, viu no futurismo uma linguagem visual ideal para propagar a visão de uma nação forte e moderna.

A estética futurista, com suas representações de velocidade, máquinas e militarismo, ressoou com a ideologia fascista, criando uma simbiose entre arte e política. A exaltação da violência e a glorificação da guerra no futurismo encontraram eco nos princípios fundamentais do fascismo, contribuindo para a instrumentalização da cultura em prol do Estado.

    Enquanto isso, a novolatria, que busca incessantemente o novo e desdenha do passado, desempenhou um papel fundamental na ascensão do consumismo. A sociedade de massas, impulsionada pela produção industrial e publicidade, começou a valorizar não apenas produtos, mas a própria ideia de novidade. Autores como Walter Benjamin exploraram as ramificações dessa mentalidade na era da reprodutibilidade técnica, destacando como a busca incessante pelo novo moldava a experiência humana.

    A publicidade tornou-se um instrumento poderoso na promoção do consumismo, capitalizando a novolatria ao associar o valor intrínseco de um produto à sua novidade. A busca constante por novidades criou uma cultura de descarte, alimentando um ciclo vicioso de produção e consumo que caracteriza a contemporaneidade.

    Na atualidade, historiadores, sociólogos e profissionais da museologia enfrentam o desafio de analisar e contextualizar essas interconexões complexas. A preservação e interpretação de artefatos futuristas e produtos consumistas demandam uma abordagem crítica, reconhecendo as nuances culturais e políticas que moldaram essas expressões.

    O entendimento dessas inter-relações oferece insights valiosos sobre a interseção entre cultura, política e consumo, desafiando-nos a questionar como as ideias do passado continuam a influenciar o presente. Neste diálogo entre futurismo, fascismo, novolatria e consumismo, a história e a sociologia encontram terreno fértil para explorar as complexidades da experiência humana.

    



 


terça-feira, 26 de dezembro de 2023

De Janeiro a Janeiro : o calendário romano e sua origem

por Jessé Chahad


"A passagem do tempo é inexorável, e em sua busca por ordem e organização, as civilizações antigas deram origem a sistemas calendáricos que moldaram a maneira como percebemos e medimos nossas vidas. No epicentro desse esforço está o Calendário Romano, uma criação que ecoa através dos séculos, marcando uma era de conquistas e transformações.

A mente brilhante de Cícero, orador e filósofo romano, reflete sobre a importância da temporalidade, afirmando que 'o tempo descobre todas as coisas'. Essa constatação ressoa especialmente ao considerarmos a inventiva dos romanos ao criar um calendário que buscava capturar e estruturar a complexidade dos ciclos astronômicos.

    O filósofo estoico Sêneca, por sua vez, observa que 'não temos vida curta, mas a fazemos ser assim'. Essa noção de dar forma ao tempo é encapsulada na arquitetura do Calendário Romano, um sistema que simboliza a capacidade humana de moldar e domesticar o tempo em sua busca pela compreensão do cosmos.

    O historiador romano Tácito nos adverte sobre os perigos da ignorância histórica ao proclamar que 'a história é a testemunha do passado, a luz da verdade, o mestre da vida'. Ao examinarmos a invenção do Calendário Romano, somos guiados por essa luz da verdade, compreendendo como a sociedade romana percebia a importância de controlar o tempo para forjar uma identidade coesa e duradoura.

    O poeta romano Ovídio, em sua obra 'As Metamorfoses', ressalta a fluidez do tempo ao afirmar que 'nada é constante, exceto a mudança'. Entretanto, paradoxalmente, a criação do Calendário Romano buscou introduzir estabilidade e previsibilidade na contagem dos dias, estabelecendo uma âncora no oceano inconstante do tempo.

    Assim, ao contemplarmos a invenção do Calendário Romano, somos instigados a refletir sobre nossa própria relação com o tempo e a percepção que temos da passagem dos dias. Nas palavras de Sêneca, 'não é que tenhamos uma curta vida, mas a tornamos curta'. O Calendário Romano, produto da engenhosidade de uma civilização que transcendeu sua própria época, permanece como um legado duradouro, testemunhando a habilidade humana de dar forma ao efêmero e fazer com que o tempo, de alguma maneira, seja eterno."

A celebração do Ano Novo é uma manifestação universal que transcende fronteiras, culturas e tradições. Em diferentes partes do mundo, as festividades são marcadas por rituais distintos, costumes variados e significados singulares, refletindo a diversidade da experiência humana.

Na China, a chegada do Ano Novo Lunar é recebida com o espetacular Festival da Primavera. As ruas ganham vida com desfiles coloridos, danças de leões e dragões, fogos de artifício e refeições em família. O evento é uma oportunidade para renovar laços familiares e afastar os maus espíritos.

No Japão, a passagem de ano é marcada pelo Hatsumode, uma visita aos templos xintoístas para fazer orações e obter amuletos de boa sorte. O som dos taikos (tambores) ecoa à meia-noite, enquanto as pessoas participam de cerimônias tradicionais e desfrutam de pratos culinários especiais, como o ozoni, uma sopa de ano novo.

Na Índia, o Diwali, ou Festival das Luzes, é também uma ocasião para celebrar o início do ano novo em algumas regiões. As casas são decoradas com lamparinas, fogos de artifício iluminam o céu e as famílias se reúnem para compartilhar refeições festivas e trocar presentes.

Na Escócia, a festa de Hogmanay é uma das maiores celebrações do ano. Os escoceses recebem o novo ano com entusiasmo, participando de eventos públicos, danças e queimas de fogos. Uma tradição conhecida como "First-Footing" envolve visitar amigos e familiares logo após a meia-noite, levando presentes como símbolos de boa sorte.

Nos Estados Unidos, a Times Square, em Nova York, é palco de uma das celebrações de Ano Novo mais icônicas. Milhares de pessoas se reúnem para assistir à descida da famosa bola de cristal à meia-noite. Em outras partes do país, festas privadas, fogos de artifício e brindes são comuns.

O Brasil é conhecido por suas festas animadas, especialmente nas praias, onde as pessoas vestem branco para simbolizar a paz e jogam flores no mar como oferenda a Iemanjá. A queima de fogos nas praias de Copacabana, no Rio de Janeiro, é um espetáculo famoso em todo o mundo.

    Independentemente das tradições específicas, a comemoração do Ano Novo une as pessoas em um espírito de renovação, esperança e otimismo. É um momento para refletir sobre o passado, celebrar as conquistas e antecipar o futuro com entusiasmo, independentemente de onde no mundo a contagem regressiva seja realizada.

    A     nomenclatura dos meses do ano é uma fascinante jornada através da história, permeada por influências culturais, mitológicas e até mesmo observações celestiais. Cada nome carrega consigo um legado que remonta a civilizações antigas e reflete a forma como nossos ancestrais percebiam e organizavam o tempo.

    Janeiro, o mês inicial, presta homenagem a Jano, o deus romano das portas e passagens. Este deus é representado com duas faces, olhando para o passado e para o futuro, simbolizando a transição de um ano para o outro.

    Fevereiro tem origens no festival romano chamado Februa, que envolvia rituais de purificação e limpeza. O próprio nome sugere uma conexão com a purificação, uma prática comum nesse período do ano.

    Março, o terceiro mês, deriva do deus romano Marte, associado à guerra e à primavera. A escolha do nome ressoa com a renovação da natureza e o despertar das atividades militares na primavera.

    Abril tem origens na palavra latina "aperire", que significa abrir. Este é o mês em que as flores desabrocham e a primavera se revela em toda a sua exuberância, representando um momento de renascimento.

    Maio é dedicado à deusa romana Maia, associada ao crescimento das plantas. Este é um período de fertilidade e abundância, simbolizando a natureza florescente.

    Junho recebe seu nome de Juno, a deusa romana da fertilidade e do casamento. O mês era considerado propício para as cerimônias matrimoniais, marcando o início da temporada de casamentos.

    Julho e agosto foram renomeados em honra aos imperadores romanos, Júlio César e Augusto César, respectivamente. Júlio César influenciou a inclusão de um novo mês no calendário, julho, enquanto Augusto adicionou um dia ao mês que levava seu nome para igualar a duração de julho. Ambos os imperadores eram figuras proeminentes na história romana.

    Setembro a dezembro, por sua vez, têm raízes em palavras latinas que denotam ordem numérica. Setembro, por exemplo, deriva de "septem", que significa sete, indicando sua posição original no calendário romano.

    A evolução dos nomes dos meses é um testemunho da interação entre a cultura, a mitologia e as observações astronômicas ao longo dos séculos. Essa tapeçaria de influências oferece um vislumbre não apenas da passagem do tempo, mas também da riqueza da imaginação humana ao dar significado aos períodos que moldam nossas vidas.

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

A História do Samba: Batuque, Resistência e Celebração

por Jessé Chahad

O samba, gênero musical e dança, é uma expressão cultural única que nasceu nas raízes da sociedade afro-brasileira. Sua história é um testemunho da resistência, celebração e evolução ao longo dos anos.

O samba tem suas raízes nos ritmos africanos trazidos pelos escravizados para o Brasil durante o período colonial. Os batuques e ritmos tradicionais foram mantidos vivos nas senzalas, representando uma forma de resistência cultural e identidade para aqueles que eram privados de sua liberdade.

O samba, tal como o conhecemos hoje, começou a se consolidar nas comunidades urbanas do Rio de Janeiro no início do século XX. As rodas de samba, encontros informais onde músicos, dançarinos e amantes da cultura se reuniam, foram fundamentais para o desenvolvimento do gênero.

O samba ganhou notoriedade durante o Carnaval, tornando-se a trilha sonora das escolas de samba. Nas décadas de 1920 e 1930, surgiram os primeiros desfiles de escolas de samba, marcando o início de uma tradição que se tornaria uma das maiores festas do mundo.

Artistas notáveis como Pixinguinha, Donga e Sinhô foram pioneiros na difusão do samba, contribuindo para sua aceitação e popularidade. A música evoluiu com o tempo, incorporando elementos do jazz e outros estilos musicais, resultando em diferentes subgêneros de samba, como o samba de roda, o samba de partido-alto e o samba-enredo.

Ao longo do século XX, o samba se tornou um elemento crucial na construção da identidade nacional brasileira. Sua capacidade de unir pessoas de diferentes origens e classes sociais reflete a riqueza da diversidade cultural do país.

O samba continuou a evoluir nas décadas seguintes, incorporando influências globais e mantendo sua autenticidade. Artistas contemporâneos, como Beth Carvalho, Zeca Pagodinho e Martinho da Vila, contribuíram para a expansão do gênero, garantindo que o samba permanecesse vibrante e relevante.

A história do samba é uma jornada fascinante que abrange séculos de influências culturais e experiências compartilhadas. Do batuque africano à explosão de ritmos no Carnaval, o samba é mais do que música e dança; é um testemunho da resiliência do povo brasileiro e um símbolo de celebração da vida. Seja nas ruas durante o Carnaval ou nas rodas de samba ao redor do país, o samba continua a ecoar como uma expressão poderosa da cultura brasileira.

sábado, 10 de maio de 2008

O LSD e a crise da ética protestante: o espírito da (contra) cultura juvenil. EUA. 1960


Da mesma forma que o rock foi a trilha sonora por excelência da revolução (contra) cultural da década de 1960 nos EUA, podemos dizer que uma droga em especial foi o seu tônico: o LSD. Mesmo que a maconha fosse a droga que mais tivesse adeptos, o impacto causado pela novidade e pela potência dos efeitos do LSD confere a esta substância uma muito maior importância simbólica.



Desde que começou a se tornar um fenômeno cultural em 1962, quando a imprensa norte-americana o descobriu e passou a alardear os “perigos” da droga, esta substância, que é administrada em doses microscópicas, passaria a ser um fenômeno social de proporções macroscópicas. Talvez nem tanto pelo número de pessoas que fizessem uso da droga, mas pelo frenesi que ela gerou e mesmo pelo impacto que geraria nos anos subseqüentes na cultura de massas.Pensemos no uso da palavra “psicodelia”.



A série de imagens que nos podem vir a mente quando ouvimos o termo por certo remetem a uma determinada estética visual e sonora que ilustram muito bem a ética de “sexo, drogas e rock and roll”, surgida nessa década. Psicodélico, no entanto, é um termo cunhado em 1957 pelo Dr. Humphry Osmond, psiquiatra de Nova York, e se refere às substâncias expansoras de consciência, tal qual a mescalina, a psilocibina, entre outras.



Do jargão científico o termo passou ao campo da cultura, reproduzindo a trajetória do próprio LSD, que dos laboratórios e consultórios médicos chegou às mãos (e às cabeças) de jovens estudantes universitários, intelectuais, artistas e uma quantidade considerável de hippies e outros elementos da contracultura.



Mesmo que não seja possível investigarmos aqui – talvez nem a neurologia seja plenamente capaz disso – como exatamente o LSD interfere na criatividade dos indivíduos, não há como deixarmos de relacionar como o LSD interferiu na cultura, ou melhor, contra-cultura norte-americana (e por conseqüência do ocidente) a partir da década de 1960.Para começar, mudemos rapidamente de tempo de lugar.



O CRIADOR



Os poderosíssimos efeitos do LSD seriam pela primeira vez experimentados em 1943, pelo químico suíço Albert Hofmann, pesquisador da empresa farmacêutica Sandoz, na Basiléia. Há anos investigando as propriedades do ácido lisérgico, extraído do fungo ergot, conhecido na Europa desde a Idade Média por desenvolver-se no centeio, Hofmann empenhava-se em desenvolver um medicamento para conter hemorragias advindas de complicações no parto. Das várias substâncias isoladas do ácido lisérgico, a vigésima quinta delas, isolada em 1938, a dietilamida do ácido lisérgico (LSD-25) não despertou interesse de nosso cientista no princípio.




Depois de cinco anos sem trabalhar com o LSD-25, Albert Hofmann decidiu preparar um pouco mais da substância para realizar testes com ela. Mas naquela tarde de 16 de abril teve de interromper o trabalho devido a “inquietudes” e “vertigens”, de qualquer forma “não desagradáveis”: “um fluxo ininterrupto de quadros fantásticos, formas extraordinárias com um intenso caleidoscópico jogo de cores”.




Algum traço do LSD-25 foi absorvido provavelmente pelos dedos do Dr. Hofmann, intrigando-o pela potência dos efeitos verificados, já que apenas uma quantidade muitíssimo pequena poderia ter sido ingerida nas condições em que ele trabalhava. Sendo assim, ele resolveu fazer uma auto-experiência controlada.Os relatos são impressionantes. Com uma dose de 250 microgramas, que Hofmann julgou que fosse uma dose bastante pequena, mas suficiente para experimentar os efeitos do LSD-25. Juntamente com seu assistente, voltou para casa de bicicleta, devido às restrições ao uso de automóveis durante a guerra, já tendo consciência de que as sensações experimentadas anteriormente eram de fato devidas ao LSD-25.




O que sentiu em sua casa vai desde a visão semelhante a um espelho torto até a “dissolução” do próprio ego, juntamente com uma sensação de pânico: “Era o demônio que desdenhosamente triunfava sobre minha vontade. Fui tomado pelo terrível medo de ter ficado louco. Eu fui levado para um outro mundo, um outro lugar, um outro tempo.”




Apesar da condição de fraqueza profunda durante a experiência, no dia seguinte Albert Hofmann não carregava qualquer efeito colateral, ressaca ou mesmo indisposição.Uma nova droga, com poderosos e impressionantes efeitos, acabara de ser revelada à ciência. Durante os anos seguintes, permaneceria restrita nos restritos círculos de cientistas e intelectuais, até que durante os anos 1960 um psicólogo de Harvard se empenharia em divulgá-la, fazendo questão de enfatizar suas propriedades “milagrosas”.


O PROFETA


Aldous Huxley, em seu ensaio de 1954, As portas da percepção, relatava sua experiência psicodélica após haver experimentado mescalina. Com essa obra, Huxley se tornaria como que no profeta da contracultura.

O nome da famosa banda de Jim Morrison, famoso por seu gosto por LSD, The Doors (As Portas), foi inspirado na leitura do ensaio de Huxley. Diz um verso de William Blake, em The Marriage of Heaven and Hell: “If the doors of perception were cleansed everything would appear to man as it is, infinite”. É nesse sentido que Huxley desenvolve suas reflexões acerca do uso da mescalina: com as “portas da percepção” abertas, consegue obter uma “visão sacramental da realidade”, onde percebia o mundo “infinito em sua importância”, e põe em paralelo observações puramente estéticas acerca da beleza das flores ou da mobília de seu escritório e pensamentos acerca da Mente e da Divindade: a transfiguração da mente permitiria ao observador perceber o “Tudo em cada isto”.


Em outro ensaio sobre o mesmo tema, Céu e Inferno, Huxley pondera, entretanto, que a abertura dessas portas da percepção não necessariamente levariam o viajante ao paraíso, podendo, ao contrário, arremessá-lo, dependendo de suas condições psicológicas, diretamente ao abismo infernal, semelhante ao experimentado pelo esquizofrênico.


Duas décadas antes, Huxley publicara o livro Admirável mundo novo, no qual previa uma sociedade no futuro onde a racionalidade técnico-científica desenvolvera-se a tal ponto que a estabilidade social era absoluta. A visão era, no entanto, assustadora: os seres humanos eram fabricadas como bens industriais, rigidamente divididos de acordo com sua função social e controlados pela mente pelo soma: uma droga capaz de anestesiar totalmente a dor e as aflições dos indivíduos, onde o sentir-se bem o tempo todo era um princípio “moral”, atingido mantendo-se a população constantemente “chapada”.


Não se pode crer, entretanto, que tenha sido intenção de Huxley se tornar profeta dos hippies ou qualquer coisa do gênero. Definindo-se apenas como um livre-pensador agnóstico, Huxley tinha clareza para notar que, por mais que os meios artificiais de alteração da percepção pudessem ser positivos para a experiência transcendente, poderiam ser ao mesmo tempo um meio de controle social e alienação dos indivíduos.


O APÓSTOLO

Convertido do catolicismo ao hinduísmo em 1965, Timothy Leary, que cinco anos antes havia tido sua primeira experiência psicodélica com cogumelos no México, ficaria conhecido pela sua ativa militância a favor da generalização do uso de drogas expansoras da mente, com fins espirituais, com especial destaque para o LSD.


Seu cargo de professor de psicologia em Harvard foi por água abaixo devido ao seu envolvimento com o LSD e psilocibin, mas Leary não pareceu se preocupar com isso. Desde que começou suas experiências em 1961, envolvendo estudantes não graduados – muitos dos quais eles próprios voluntários nessas experiências – o nome do Dr. Timothy Leary esteve envolvido em vários escândalos.Já no ano de 1961 Timothy Leary e seu parceiro Richard Alpert foram convocados a darem explicações a seus superiores, e como a polêmica não diminuísse e Leary não desistisse de suas experiências, acabou demitido em 1963.


A inabalável fé de Leary no potencial do LSD fica manifesta na sua declaração conjunta com Alpert à Harvard Review, depois de ambos serem demitidos:
“Devemos continuar a prender, executar, exilar nossos visionários em êxtase e depois encerrá-los em santuários, como os heróis de amanhã?... A sociedade precisa de sábios-sacerdotes para fornecer a estrutura – a musculatura intelectual, carne e osso para manter as coisas unidas... O sistema nervoso pode ser mudado, integrado, ter seu circuito refeito, suas funções expandidas. Essas possibilidades naturalmente ameaçam todos os ramos da Ordem Estabelecida... Nossos conceitos favoritos estão parados no caminho da maré enchente que há dois milhões de anos se vem avolumando. O açude verbal está em colapso. Corram às colinas ou então preparem sua habilidade intelectual para fluir com a corrente.”


Mesmo fora da universidade Leary e seus seguidores – que eram cada vez em maior número – continuaram com suas experiências em busca de transcendência espiritual por meios artificiais. Liderou algumas iniciativas, como a International Federation for Internal Freedom e a Castalia Foundation, organizando experiências com LSD e outras drogas psicodélicas nos Estados Unidos e no México. Leary e suas iniciativas foram sistematicamente atacadas pela imprensa e pela polícia. Em abril de 1963, um xerife acompanhado de 22 policiais invadiu a Castalia Foundation, prendendo Leary e vários outros, por ter encontrado maconha e “outros itens de interesse”. Lawrence M. Quinlan, o xerife, afirmou que seus homens haviam visto, momentos antes da invasão, “várias pessoas dançando freneticamente em torno de uma fogueira.


Isso não é normal”. Várias vezes ao longo das décadas de 1960 e 1970 Timothy Leary foi levado à cadeia. Ao mesmo tempo, as autoridades norte-americanas tentaram – e, de um modo geral, fracassaram – apagar a existência do LSD. O apóstolo do LSD acabaria por cair no ostracismo e se dedicar a outras pesquisas. O LSD e seu impacto causado na sociedade já seriam irreversíveis.


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