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terça-feira, 6 de agosto de 2013

Raízes do Brasil

Por Jessé A. Chahad

Raízes do Brasil é uma obra importante, pois demarca uma transição na forma do autor estudar a formação do Brasil. Segundo Evaldo Cabral de Mello, Sérgio Buarque “abandonou o projeto de interpretação sociológica do passado brasileiro em favor de uma analise de cunho eminentemente histórico, em que soube ademais, evitar os escolhos do monografismo universitário ou meramente erudito, que é muitas vezes seu incontornável preço”.(p.189)
Sendo assim, é uma obra importante não só para o estudo sociológico, mas é definitivamente uma opinião das mais aceitas, discutidas, analisadas e combatidas na história da formação da sociedade brasileira que abriu caminhos para o autor se aprofundar em obras como Caminhos e Fronteiras, Visão do Paraíso e Do Império a Republica, consideradas frutos da fase de maturidade do autor.
Raízes representa um rompimento com a chamada “sociologia da formação brasileira” criada por autores como Oliveira Viana e Manuel Bonfim e ultrapassada do ponto de vista do pensamento sociológico da época. O discurso de tom sociológico cede lugar à solidificação do discurso historiográfico, agora não mais unicamente preocupado em reconhecer a gênese dos problemas da formação social brasileira, mas sim de um estudo a partir de tópicos claramente definidos em seus conceitos.
Porém, lembremos que o Brasil contemporâneo de Sérgio Buarque é o da geração de 30, e, portanto nos dias de hoje devemos ler e analisar a obra com cuidado para que não cometamos anacronismos que dificultariam o entendimento da importância que tal obra traz para o estudo da historia do nosso país, e elaborar idéias a partir de possíveis lacunas, fazendo evoluir o processo historiográfico.
O autor inicia sua obra em busca da identidade nacional, a partir da forçosa tentativa de implantação da cultura européia em um território naturalmente adverso e inteiramente diferente.
No primeiro capitulo Sérgio Buarque trata do pioneirismo ibérico em relação às conquistas no ultramar e das conseqüências desse feito exercido por uma sociedade hierarquicamente dividida em privilégios. O autor também critica o personalismo exagerado (que não tolera compromissos) e suas conseqüências e procura no que ele chama de falta de coesão em nossa vida social responsabilizar o tipo de colonização realizada pelos portugueses em especial comparados à América inglesa e espanhola, dizendo ser esta uma colonização de mera exploração realizada por uma nação de mentalidade nobre e ociosa.
Sérgio Buarque critica a mentalidade tradicional da sociedade de privilégios, e atribui a aversão ao trabalho manual e mecânico a responsabilidade pela exploração indiscriminada da colônia ao invés da preferência pelo seu desenvolvimento.Através da obediência aos dogmas católicos se ofuscou a liberdade de pensamento que viria a desenvolver um pensamento crítico moderno.A ausência de uma moral do trabalho era fator prejudicial à sociedade ibérica, de acordo com a teoria de Sérgio Buarque que utiliza os princípios de weber para comparar as nações católicas com as novas nações protestantes.
Para o autor, apesar do pioneirismo ibérico nos descobrimentos e sua participação na formação do pensamento moderno, o atraso representado pelas tradições tanto nobiliárquicas quanto católicas prejudicaram o desenvolvimento da colônia como conseqüência de um atraso da própria metrópole.
Na segunda parte, o autor faz uma distinção entre dois tipos de personalidades, os trabalhadores e os aventureiros, aonde nesse último aspecto se encaixa o perfil do colonizador português.Segundo Sérgio Buarque, o fato de ser o português um povo voltado às aventuras que aqui representavam os descobrimentos, estavam mais interessados nas conquistas propriamente ditas do que nos frutos em forma de trabalho que a colônia viria a oferecer.O espírito de aventura pode ter beneficiado o português que se adaptou melhor aos trópicos, em oposição ao holandês, por exemplo, cujo autor aponta o malogro, porém a adversidade ao trabalho somada às necessidades de uma sociedade rural estabelecida foi fator primordial para a introdução do trabalho escravo nas lavouras, o que confirmava a ausência de um pensamento progressista em relação ao verdadeiro desenvolvimento tanto da metrópole quanto da colônia.Essa comparação é feita pelo autor com as colônias da América inglesa, e parece querer justificar a implantação do sistema escravista, como sendo “única opção”.
O orgulho de raça é inexistente no povo português, que segundo Sérgio Buarque é um povo mestiço, e já na altura do descobrimento se encontrava miscigenado não só aos árabes, mas também com escravos negros, que na metrópole desenvolviam trabalhos domésticos.Assim, o autor procura minimizar o racismo, lembrando ainda que o governo português chegou a estimular o casamento com o gentio, a fim de melhor se misturar à raça indígena.
É ainda nesse capitulo que o autor vai dar mais ênfase aos prejuízos causados pela adoção do trabalho escravo e suas conseqüências.A ausência de cooperativas foi uma conseqüência, e a pratica conhecida como mutirão teria sido herdada dos índios, pois os portugueses não tinham a noção coletiva de grupo, ou de solidariedade.Outra conseqüência foi o baixo desenvolvimento de trabalhadores de oficio, ou especialistas.Por isso, o autor afirma (p49) que “o português vinha buscar era, sem duvida, a riqueza, mas riqueza que custa ousadia, não riqueza que custa trabalho”.
Sérgio Buarque de Holanda também vai citar as invasões holandesas e divagar sobre o que teria acontecido não fosse o malogro de suas expedições, este segundo o autor estava intimamente ligado à incapacidade holandesa de se misturar ao gentio, alem da dificuldade da língua.Essa característica de o português “tornar –se negro” vai servir de justificativa para o autor construir o mito do brasileiro como “homem cordial”, que será tratado em adiante capítulo.Em nota ao segundo capitulo, Sérgio Buarque vai relatar a ineficiência do arado em solo brasileiro relatada por um observador norte-americano nas duas ultimas décadas da monarquia brasileira, o que significa uma persistência da lavoura de tipo predatório.
Neste terceiro capítulo Sérgio Buarque trata da intensa ruralização que marcou definitivamente o desenvolvimento do Brasil. Para isto, critica a presença da escravidão e afirma que sua decadência deflagra a crise do sistema rural, tamanha era a sua dependência.
O ruralismo extremo criava uma espécie de autarquia econômica e conseqüentemente social, que o autor polariza com o desenvolvimento paralelo das cidades. A predominância daquela sobre esta indica um domínio da sociedade rural sobre a urbana, marcando ainda mais o subdesenvolvimento da sociedade em geral.De acordo com Antonio Candido, a fazenda se vinculava a uma idéia de nobreza e era o centro das atividades, secundarizando as cidades.
A essa herança rural também se somava um atraso em relação às técnicas utilizadas para o desenvolvimento da agricultura.A utilização da enxada no lugar do arado e a não utilização do bagaço da cana como combustível eram marca da administração apenas preocupada em usufruir a terra e não em desenvolve-la, aumentando a produção.
O trabalho escravo também representava um entrave ao desenvolvimento do capitalismo moderno, que só começou a se amenizar com as leis impostas pela Inglaterra criminalizando o trafico negreiro.Essa mudança apesar de lenta propiciou uma injeção de capital no mercado comercial, não porque os escravos passariam ser consumidores, e sim devido ao grande fluxo de recursos que outrora era empregado no trafico agora procurava tardiamente as bases de desenvolvimento de uma modernização em diversos setores.
À aparente prosperidade corria paralelamente a instabilidade que consistia na tentativa forçada de modernização, que importava valores e comportamentos pouco adequados à índole do colonizador e que transpassava a colônia.Os ideais liberais e burgueses encontravam resistência em uma sociedade paternalista tradicional, a qual estava acostumada às relações servis e impessoais, apenas de cunho aparente e superficial.
O autor encerra o capítulo decretando que a herança ruralista não foi uma imposição do meio e sim um esforço do colonizador, este preocupado em fortalecer apenas a metrópole, e abandonando a cidade em preferência ao campo.
A importância da cidade é retomada no quarto capítulo para agora evidenciar uma importante comparação que Sérgio Buarque irá fazer entre o português e o espanhol.Ao espanhol chamado de ladrilhador interessou mais o interior, talvez pelo precoce descobrimento de metais precioso, o que levou à fixação de cidades em detrimento das fazendas portuguesas que se atrelavam ao litoral e se espalhavam verticalmente pela colônia, sendo assim semeadores.A fundação das cidades teria sido um esforço da administração colonial, como um instrumento de centralização do poder, uma tentativa de tornar mais presente as autoridades, por via de aumento da quantidade de impostos, por exemplo.(p.103)
Segue agora um dos pontos mais importantes do livro, onde o autor associa a imagem do aventureiro (colonizador português) o desejo de enriquecimento rápido e sem esforço, novamente remetendo a Max Weber, para culpar burguesia portuguesa ociosa devido à facilidade de ascensão social por meio de aquisição de títulos. Isso teria impedido a burguesia de desenvolver ideais próprios e conseqüentemente chegar realmente ao poder.
A oposição também se dá no que diz respeito à característica marinha que marcou a colonização, estabelecida no litoral e tardia na exploração do interior, diferentemente do que ocorreu com os domínios da Espanha.O autor chega a dizer, que Portugal exerceu um trabalho antes de feitorização do que de colonização, novamente criticando agudamente a Portugal e seus meios em detrimento da Espanha.
Esse interesse provinha talvez de um medo que a população tinha de Portugal se inferiorizar em relação à colônia, portanto eram pífios os esforços de modernização e o que se via era antes uma exploração ao modo que nos explicou Caio Prado Jr em sua Formação doBrasil Contemporâneo, onde afirma ser a colonização portuguesa apenas de exploração em beneficio externo.
No quinto ponto, o autor continua falando sobre as relações sociais e sua superficialidade, exceto nas relações familiares, o que caracterizou o paternalismo que era típico em sociedades rurais. Sérgio Buarque afirma que as relações do tipo patriarcais exercem uma educação rígida que ensina a criança a não desrespeitar as leis e ordens dois pais, o que levaria a uma inércia na capacidade de transgredir e por conseqüência evoluir (p144).Os comportamentos de aparência afetiva predominavam na sociedade segundo Antonio Candido nos lembra em resenha feita no ano de 1967.
Mais uma oposição vai ser tratada pelo autor, a das relações estado – família, que deveriam atuar em singularidade na verdade representava atraso que o autor alude aos mitos gregos de Creonte e Antígona para explicar. Por ser a sociedade patriarcal, pouco se dava atenção as leis do estado, sendo o circulo familiar criador das próprias leis a serem respeitadas por seus membros, e a particularização dos interesses estava impregnada inclusive em membros de funções do estado, que também eram afetados por esse predomínio das relações intimistas em oposição às coletivas.
Quando Sérgio Buarque cria o mito do homem cordial, afirma que a hospitalidade, generosidade, e a lhaneza no trato representam um traço do caráter brasileiro (p146), mas que essas características não estariam ligadas à civilidade, mas sim seriam atribuídas a um fundo emotivo transbordante. A superficialidade das relações social se estendia às obrigações religiosas. Essa explicação também é muito combatida por segmentos que procuram ver a questão da formação do suposto caráter cordial, porem devemos prestar atenção a obra de Sérgio Buarque, que é muito cuidadoso com as palavras.
Nesse capítulo sexto, o autor vai tratar da influência das características relatadas nos outros capítulos sobre a sociedade brasileira a partir da chegada da família real. Sérgio Buarque vai continuar tratando das relações de aparência nesse capitulo, agora no âmbito da intelectualidade, o que ele chama de saber aparente, que seria o saber apenas sem uso prático e objetivo.Também a valorização das profissões liberais teria sido causada pela decadência das classes agrárias dominantes.
O autor afirma que uma sociedade com tais aspectos comentados foi propícia à proliferação das idéias positivistas como as de Augusto Comte, a tradição seria incrementada com o ideal inflexível porem paradoxal, pois se tratava apenas de uma crença obstinada na verdade de seus princípios.Ele acusa os positivistas de um espírito negador, que em nada viria a positivar o pensamento brasileiro, nada teria a acrescentar.
O saber aparente, ligado ao exibicionismo, a importante aparência, teria segundo Sérgio sido a causa da proliferação dos ideais positivistas, estes atrelados à obediência, a disciplina paternal. A falta da intelectualidade desenvolvida pela opressão dos dogmas católicos e familiares teria levado também a sociedade a adaptar falsamente alguns ideais liberais presentes no séc. XIX. O ideal de solidariedade antes inexistente teria sido então importado e adaptado para a criação de uma falsa democracia, que continuaria servindo as classes dominantes em sua minoria e criando o mito do espírito democrático.A democracia no Brasil foi sempre um lamentável mal entendido.(p.160). Sérgio Buarque termina esta parte refletindo sobre as idéias liberais que teriam fomentado o movimento da independência, movimento este de uma minoria, uma elite que tomava todas as decisões, e com a independência deixava as massas de fora de qualquer decisão ou até informação.
Uma mudança, ou rompimento com a ordem tradicional viria a acontecer segundo o autor, com o evento da transferência da família real ao Brasil em 1808, trazendo certa modernização e ameaçando o patriarcalismo rural.Porem, a crença apenas nas idéias, e voltada ao desenvolvimento de um raciocínio de aparência, uma falsa inteligência que conduziria a sociedade a uma espécie de alfabetização que não viria acompanhada de um maior desenvolvimento.(p.166)
No sétimo e ultimo capitulo do livro, o autor marca a data da abolição como fim do predomínio agrário, o inicio de uma lenta revolução que estaria ligada ao afastamento do que ele nomeia de iberismo que estaria ligado ao agrarismo. Na conclusão do autor, a criação da identidade nacional está vinculada ao “aniquilamento das raízes ibéricas de nossa cultura para a inauguração de um estilo novo” (p172), e a passagem da sociedade açucareira para cafeeira também representou a mudança do pensamento conservador, antigo, para o liberal, moderno, e também a passagem da cidade para centro econômico em detrimento do campo.
Sérgio Buarque acreditava que a nossa revolução estaria ligada ao distanciamento de um passado arcaizante e dominador representado pela colonização e ao desaparecimento das oligarquias, concentradoras de renda. O distanciamento do passado seria conseguido através da “revogação da velha ordem colonial e patriarcal, com todas as conseqüências morais, sociais e políticas que ela acarretou e continua a acarretar” (p180).
O desenvolvimento cafeeiro, no oeste paulista, o desenvolvimento da comunicação e dos transportes através da construção de vias férreas criaria uma relação de interdependência entre a cidade e o campo, substituindo o total isolamento antes marcado pela ausência de um mercado interno e do crescimento polarizado e desordenado.
Tratando dos ideais da sociedade, o autor afirma que o modelo ideário arcaico implantado anteriormente, após a independência tentou ser substituído pelo modelo importado em parte das idéias da revolução francesa, o que teria sido problemático mais uma vez, causando apenas uma mudança de aparato, e não de substancia.(p179)
Chegando à sua época, Sergio Buarque vai relacionar a evolução das idéias políticas com a antítese entre o caudilhismo e o liberalismo, e o fortalecimento do personalismo, o que seria fator destrutivo à coesão da sociedade.Ele diz: “na tão malsinada primazia das conveniências particulares sobre os interesses de ordem coletiva revela-se nitidamente o predomínio do elemento emotivo sobre o racional” (p.182) e particularizaria inclusive a própria noção de solidariedade. É aqui que retorna o mito do homem cordial, que é emotivo, porem não é solidário, um dos paradoxos mais intrigantes da analise de Sérgio Buarque.
O autor conclui sua obra insinuando que existe ainda em sua época uma certa permanência do pensamento tradicional, que por ter sido a raiz da colonização influenciava tudo desde sua origem, sendo assim cooptadas e adaptadas idéias para sustentar um padrão de sociedade de origem patriarcal, rural e personalista. O caudilhismo esclarecido. Ele critica um possível quadro de um Brasil fascista, assistindo a propagação dos ideais integralistas que seriam reflexo do pensamento personalista, característica de toda uma evolução que é tratada ao longo do livro.Ele termina com uma reflexão sensivelmente pessimista sobre a situação do provável futuro do país, e se estivesse ainda vivo poderia confirmar suas previsões em tempos de uma falsa democracia corrupta e serviçal do capital estrangeiro.