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domingo, 1 de julho de 2018

Marc Ferrez

                                                                                    Por Jessé A. Chahad

Personagem de extrema importância na História da Fotografia, Marc Ferrez, nascido no Rio de Janeiro em 1843 assistiu ao período de afirmação do Brasil como nação no plano internacional e foi testemunha ativa do impulso inicial tecnológico da fabricação de imagens fotográficas[1]. Dedicou-se à obtenção de paisagens, retratos, arquiteturas, entre outras tantas se tornando talvez o mais importante fotógrafo do período. Filho do escultor francês Zépherin Ferrez, que veio ao País para integrar a Missão Artística Francesa - grupo de artistas convidados pela corte portuguesa então instalada no Brasil para criar aqui uma escola de belas artes - Ferrez nasceu no Rio de Janeiro em 1843. Perdeu os pais muito cedo e sua biografia nestes primeiros anos é um tanto nebulosa. Sabe-se, entretanto, que ele passou uma longa temporada em Paris, onde provavelmente aprendeu um pouco sobre uma invenção recente: a máquina fotográfica.
Entre 1863 e1864 decidiu voltar à terra natal e se estabeleceu como fotógrafo por volta desta época. Mas não era um profissional como a maioria. Desde o início, destacava-se pela pesquisa por novas técnicas e equipamentos. Não o agradava também a rotina de um estúdio, que o obrigaria a passar o dia repetindo retratos posados. Funda então um estabelecimento "especialmente destinado a fazer vistas do Brasil". Comercializa também equipamentos fotográficos, o que lhe garante a independência financeira que o livra dos temíveis retratos.
Sua relação com o Império se iniciou quando realizou uma serie de fotos dos festejos públicos promovidos no Rio de Janeiro por ocasião das comemorações pelo fim da guerra do Paraguai em 1870, quando no verso das fotografias assinava como “fotógrafo da Marinha Imperial e das construções navaes do Rio de Janeiro.” A história mostra que houve outros grandes profissionais em sua época, como Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) e Guilherme Gaensly (1843-1928). Nenhum deles, porém teve uma produção tão ampla e variada quanto Ferrez. Nenhum registrou como ele, imagens das mais diversas regiões do País ou tampouco enxergou tão de perto as transformações de uma nação que procurava deixar para trás um estilo de vida arcaico, marcado pela escravatura, e tentava "civilizar-se".
O “feliz regresso” ao Brasil, no mês de Março de 1872 da primeira viagem de D. Pedro II ao exterior em companhia da Imperatriz Teresa Cristina foram retratadas em série por Marc Ferrez, quem em 1875 começa a trabalhar como fotógrafo da Comissão Geológica do Império, chefiada pelo cientista norte-americano Charles Frederick Hartt e participa da Exposição de Obras Públicas no edifício sede do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Representando o país em exposições nos Estados Unidos e na França, Ferrez levava aos estrangeiros as imagens que mesclavam a natureza abundante com o progresso tecnológico, representados, por exemplo, pela documentação feita sobre obras de canalização, ou construção de ferrovias. O fotógrafo seria ainda inovador ao utilizar pela primeira vez o flash de magnésio para obter imagens do interior de uma mina em Minas Gerais[2].
O fato de as imagens serem seleções particulares dos fotógrafos pode revelar suas intenções, que nem sempre são meramente documentais ou informativas. A professora Annateresa Fabris pensa que de um primeiro registro prototípico, voltado preferencialmente para os monumentos e paisagem, passa-se a documentação de usos e costumes diferentes dos ocidentais, de territórios, de caminhos, com um intuito francamente propagandista. A fotografia torna-se aliada da expansão imperialista[3] .
O interesse pelo registro fotográfico, por exemplo, dos projetos de engenharia dessa época não tinham como intenção o resgate da memória deste momento particular, representado nas fotografias, mas sim a possibilidade de identificar com este passado através dessa reprodução fotográfica um projeto de memorização daquelas obras e projetos[4]. A professora Maria Inez Turazzi ao investigar o papel da atividade fotográfica registrando os projetos de engenharia do Império procurou analisar até que ponto isso poderia ser parte de um esforço consciente na construção de uma herança as gerações futuras como um patrimônio coletivo e memória do sentido do progresso que queriam demonstrar.
Annateresa ainda demonstra que a fotografia tende a construir imagens dos burgueses idealizadas, com as fotos teatrais (cenário e roupas do estúdio) para disfarçar sua condição social, sendo os retratos distantes do indivíduo e perto das máscaras sociais. No entanto as fotos não perdem o caráter de verdadeiro, infalível e de veracidade, sendo estas utilizadas em fotografias criminalísticas como evidência, fotos de guerra, e também fotos de lugares exóticos afirmando ou confirmando a visão já existente (exemplo antigas civilizações). Este tipo de fotografia (de lugares exóticos e antigos) é importante, pois a massificação ocorre com os cartões postais, que realiza uma viagem imaginária e “democratizada”. Este “conhecimento positivo” é a ultima conseqüência da “missão civilizadora” da fotografia. Desta maneira “A fotografia cria uma visão do mundo a partir do mundo, molda um imaginário novo”.
A partir destes trabalhos, podemos concluir que a fotografia foi importante instrumento de afirmação do projeto civilizatório no Brasil iniciado no Império de D.Pedro II, o qual próprio era um adepto fervoroso da moderna invenção de Daguerre. A propaganda gerada de um país progressista e que tinha rompido seus vínculos coloniais era, porém fonte de um modelo também importado e que por isso foi de difícil difusão em um país tão peculiar quanto o Brasil.
Se nos perguntarmos mesmo nos dias de hoje acerca de um sentimento nacional, esbarraremos em regionalismos e dificuldades que duraram como herança de uma rica miscigenação. Talvez justamente essa mistura possa ser entendida como um fator de unificação em torno das diferenças. Mas na prática não é isso que costuma acontecer.
[1] Françoise REYNAUD, O Brasil de Marc Ferrez. In: O Brasil de Marc Ferrez, p.12.

[2] Maria Inez TURAZZI, Cronologia, in: O Brasil de Marc Ferrez, p.305.

[3] Annateresa FABRIS, A invenção da fotografia: repercussões sociais. In: Fotografia.Usos e funções no século XIX,p.32.

[4] Maria Inez TURAZZI. The photographic documentation of nineteenth century engineering projects,p.100

domingo, 25 de fevereiro de 2007

História da Revolução Mexicana - Construção da Imagem pelas Fotografias

Por Jessé A. Chahad

Não iremos aqui tomar partido na questão inevitável sobre o caráter artístico das fotografias, pois aqui tentaremos resolver de maneira astuciosa esse debate, reservando-se o direito de acreditar que, não necessariamente deveremos tratar a fotografia através da dicotomia foto versus obra de arte, preferimos aceitar que além do caráter obviamente informacional histórico e construtivo das fotos, está intrínseco um valor artístico e estético a ser valorizado em um outro momento. Portanto, faz se desnecessária essa “competição”, visto que os dois aspectos podem caminhar juntos, ora se sobrepondo ou se complementando, existindo como duas faces de uma mesma moeda. Os conceitos que aqui serão adotados para a fotografia, fazem parte do pensamento dos autores a serem citados na bibliografia, fundamentais para a produção do texto.
A fotografia enquanto representação do real, muitas vezes assume caráter de documentação oficial, como no caso da Revolução Mexicana. Esse fato apenas reforça a tese de que a fotografia pode ser utilizada para a construção de um papel interpretativo da realidade e ainda mais: o seu caráter realista, proveniente da relação entre o momento real e o momento retratado, aliado ao caráter de oficialização acaba quase por determinar que contra as fotografias não existam argumentos possíveis de dubiedade.
É neste momento que devemos ser cautelosos e recorrermos aos documentos fotográficos como fontes passíveis de algumas diferentes interpretações, além de ressaltar que toda fotografia enquanto produto cultural é trabalho de um fotógrafo, o qual também está inserido em um contexto particular e serve a um propósito ora pessoal, ora pré-determinado por alguma ideologia, ou motivação profissional.Weinstein & Booth são citados por Boris Kossoy em seu livro Fotografia e História, e aqui retomamos sua premissa para este trabaho: “perceber na imagem o que esta nas entrelinhas, assim como o fazemos em relação aos textos”, “precisamos aprender a esmiuçar as fotografias criticamente, interrogativamente e especulativamente(...).[1]
A partir deste viés, tentaremos demonstrar que a produção das imagens que iremos analisar viria a satisfazer uma pré-disposição a que se legitimava toda a luta revolucionária, e que mesmo com seus períodos de ascensão e queda de poder, a fotografia esteve presente, tentando se manter isenta, através dos Casasola, porém auxiliando a ambos os lados a criar os mitos que iriam transpor os muros cronológicos dos acontecimentos e ecoariam hoje no imaginário da população mexicana.

Sobre a Revolução
A Revolução Mexicana pode ser considerada a primeira a se desenvolver diretamente no contexto das contradições internas do Imperialismo que contou com a decisiva participação das massas trabalhadoras[2], tanto camponesas quanto operárias, unindo o sul rural e o norte semi-industrializado sob a mesma luta. A revolução tem sua cronologia marcada pode se dizer em três fases, a primeira, iniciando-se em 1910 com a derrubada do ditador que iria para o seu sétimo mandato, Porfírio Diaz, e a tentativa de fracassada do levante do líder do partido anti-reeleccionista Francisco Maderos, marca o que se convenciona chamar do inicio da fase política da revolução, a revolução maderista. Após cinco meses de batalhas, Diaz renuncia e nomeia um substituto que viria a convocar novas eleições. Em outubro de 1911, Maderos é eleito com 53% dos votos, agora pelo Partido Progressista Constitucional.
Após duas tentativas de golpes fracassados, os remanescentes do porfiriato chegaram ao poder através do Comandante das tropas federais, Victoriano Huerta, que traindo o país e a pátria, assassinou o presidente Maderos e seu vice, e assumiu o poder, no episodio que ficou conhecido como la decena trágica.( 9 a 18 de fevereiro de 1913)
O governo de Huerta inauguraria uma nova fase revolucionaria que contaria de certa forma com o apoio internacional, dos países que não reconheceriam a oficialidade da tomada de poder. As tropas Zapatistas continuaram a luta, ao lado de Villa e Obregón, e mais uma nova força representada pelo Governador Venustiano Carranza, aliado as forças políticas do estado de Sonora. A partir de 1914, inicia-se a fase mais problemática do processo revolucionário, com a fragmentação das forças antes conjuntas e a radicalidade das facções camponesas que se opunham aos constitucionalistas.
Liderados pela Divisão do Norte, um exército de mais de trinta mil pessoas entre camponeses, mineradores, boiadeiros, ferroviários, bandidos e desocupados era liderado pelo líder popular Pancho Villa. Ao sul, dez mil guerrilheiros todos camponeses exigindo a devolução das terras usurpadas pelos grandes fazendeiros do açúcar. Os conflitos se arrastariam com vitórias e derrotas para todos, levando o Estado Mexicano a exaurir suas economias, e paralisar o crescimento e desenvolvimento do país.
A convocação para a eleição de uma Assembléia Constituinte em 1917 decide dar um rumo à política nacional, e logo em seguida Carranza é eleito Presidente e retoma certo ar de retorno do México do crescimento de sua economia, até nova investida da oposição, dessa vez liderada por Álvares Obregón. A briga pelo poder causou uma onda de violência que durou de 1918 a 1920, e terminou com a posse de Obregón. A partir daí, a revolução seria institucionalizada e o Norte viria a dominar a cena durante um longo período, o que faz com a periodização sobre a revolução mexicana seja motivo de discórdia na historiografia. [3]

Geração Casasola
Augustin Victor Casasola, nasceu em julho de 1874, aos vinte anos de idade já trabalhava como repórter e fotógrafo. Em 1912 ele funda uma agência de fotógrafos, a qual contava com o slogan: “Tengo o hago la foto que usted necesite”. A agência atendia a revistas, jornais, e ao público em geral. Afora Victor, trabalhava na agência também os seus irmãos, Miguel e Ismael. Este era o início de uma família que viria a atravessar as gerações servindo ao oficio da fotografia e da História do México.
Alem de fotógrafo, Augustin Victor era acima de tudo um colecionador apaixonado, sendo este um dos fatores mais problemáticos no tocante à identificação das fotografias e ao ano de produção das mesmas. Existem duvidas em relação à autoria de algumas obras, pois a agência também contava com nomes como o de Francisco Ramirez e Rafael López Ortega. O que sabemos ao certo é que havia uma obsessão de Augustin de formar um arquivo fotográfico a serviço da História do México. Após sua morte prematura em 1936, a família reuniu durante décadas um volume impressionante de imagens. Este belo arquivo que foi inaugurado em 1976, e conta com cerca de 600 mil peças, o chamado Arquivo Casasola está sob a guarda da Fototeca de Pachuca, vinculada ao Instituto Nacional de Antropologia e História do Estado Mexicano, e é considerado por alguns, o acervo fotográfico mais rico para se entender a história e a sociedade da primeira metade do século XX.
Pode parecer pretensioso, mas não seria der todo exagerado dizer que Augustin Victor participou dos primórdios do que conhecemos hoje como foto-jornalismo, devido à presença dos fotógrafos do “clã” diretamente nos eventos decisivos da Revolução, tanto nos momentos gloriosos, quanto no cotidiano de guerrilha, se é que se podemos falar nesses termos, os Casasola arriscaram a vida e se viram obrigados ora a registrar os triunfos dos federalistas no poder e, mais tarde, o relativo sucesso das camadas rebeldes.
A relação prévia de Casasola com a imprensa que se desenvolvia e se modernizava no inicio do século XX, pode ter ajudado na produção de tamanho numero de imagens. A imprensa começava a adotar um caráter capitalista, ao redor de todo o mundo e no México essa tendência não se deu de maneira isolada. As classes mais baixas poderiam ter acesso agora aos periódicos, que tinham sua reprodução em serie cada vez mais com um custo reduzido.
Em 1914, a forte perseguição federal à imprensa fecha os jornais “El Tiempo” e “El Imparcial” e leva Miguel Casasola a abandonar suas atividades profissionais para se juntar à luta. Ele se une às tropas do General Ordoñes, um seguidor de Álvaro Obregón, líder do Exército Constitucionalista.
Podemos acreditar que de fato os Casasola participaram em diversos momentos da revolução, e algumas imagens do cotidiano da guerrilha podem ter surgido neste contexto, (fig.1), porém, para uma maior precisão, seria necessário um estudo mais dedicado sobre o assunto, além de uma visita ao Arquivo Casasola, visto que também a bibliografia disponível em nosso país sobre esse assunto é muito escassa. Nesta imagem, podemos deduzir tratar-se das fileiras do Sul mais rural, menos militarizadas que as do Norte, diferença territorial marcante no México em todos os sentidos de desenvolvimento. As vestimentas podem denunciar a origem, como por exemplo, os chapéus de camponeses, de abas muito largas para proteger do forte sol.
Porém, o Professor Carlos Alberto Sampaio Barbosa, ao estudar mais profundamente o livro fotográfico lança a possibilidade de que as cenas de guerra passariam por uma mudança na sua forma de representação. As batalhas teriam um acréscimo de carga dramática ao serem retratadas mais de perto, e às vezes as cenas precisariam ser “montadas” para que pudessem permitir tal aproximação e dramaticidade. Apesar da dúvida, fica a certeza de que a partir deste momento, as guerras e batalhas passariam a ser retratadas de uma maneira nova, e com o advento próximo da imprensa, as noticias ganhariam uma dinâmica mais concentrada no apelo emocional e menos na função informativa.
Após a vitória da revolução, os Casasola passaram a ocupar cargos públicos; durante os governos de Obregón (1920-1924) e Calles, (1924 a 1928), Augustin é nomeado “Chefe fotográfico” e também cuida da direção de espetáculos. [4] Esse período foi muito importante para a família, pois foi em 1920 que Augustin Victor foi convidado pelo estado a fotografar o “progresso” no México, um vinculo que duraria até 1935 e que faria com que o fotógrafo ostentasse a alcunha de “o fotógrafo da revolução”. Em 1921, já havia material suficiente para que os Casasola publicassem o Álbum Histórico Gráfico, uma narrativa dos principais acontecimentos da Revolução.
Outro fato importante que devemos ressaltar foi a ruptura dos padrões “objetivos” da fotografia. [5] Tipos humanos que antes eram retratados apenas como “curiosidades nacionais”, agora ocupavam a cena principal, tamanha era a sua importância e evidencia no quadro nacional. A realidade da guerra se sobrepôs aos velhos hábitos do registro visual. Cenas de pobreza e miséria criavam uma atmosfera social, que antes só era sentida pelos próprios protagonistas e agora chegavam por meio de publicações em periódicos.

Construção da Imagem da Revolução
Para entender como as fotografias podem ajudar na construção de um imaginário acerca de um assunto, procuraremos através de analise de algumas peças identificar elementos em comum com a bibliografia conhecida sobre a revolução, chamando a atenção para os detalhes enquadrados em cada momento registrado. Para Augustin, no foto-jornalismo, o valor da fotografia consiste na capacidade.
Em foto do arquivo Casasola (fig. 2), tomada no norte agrário do México por volta de 1910, podemos ver uma cena de cotidiano camponês onde é impossível não percebermos a imagem da pobreza, da tristeza da foto, alem do contraste e da fisionomia, tanto da criança, quanto da idosa nos transmitem um ar de pena. O chão de terra traz um ar de precariedade, de falta de recursos, de simplicidade. Fica quase óbvio o significado maior da foto que alem dessa pobreza, mostra a presença da criança e a idosa, tipos que habitavam as cidades em sua maioria, visto que os homens e jovens que já podiam pegar em armas já tinham se juntado para engrossar as fileiras da revolução.
Podemos fazer um paralelo desta imagem com uma passagem da obra do escritor mexicano Juan Rulfo, Chão em chamas, onde os contos narrados têm a Revolução como seu pano de fundo. A imagem ilustra a paisagem de Luvina, cidade fictícia descrita por Rulfo, onde a tristeza impera, a falta de esperança é presente. Diz a narrativa: “Porque em Luvina só moram os velhos muito velhos e os que ainda não nasceram, como se diz (...) E mulheres sem forças, quase travadas de tão magras”. (p.310). A pobreza de Luvina é refletida no imaginário da Revolução, e acaba for fixar a imagem da miséria e da carência, urgente de mudanças.
Nas figuras 3 e 4 ,datadas do mesmo período, fica evidente o que foi citado anteriormente, de que todos aqueles que já tivessem idade ou força suficiente para empenhar uma arma se viam inclinados a defender seu território e exigir a devolução das terras usurpadas junto aos camponeses, tanto do lado dos Zapatistas ao Sul, quando do exercito forte de Villa ao Norte.
Fica também clara a violência da imagem, por se tratar claramente de crianças carregando armas, uma delas leva uma pistola no coldre, a munição cruzando peito e a espingarda empunhada, o que nos mostra além da demonstração de bravura e coragem do povo mexicano, a necessidade de que todos participassem da luta, da forma que pudessem. A figura ficou tradicionalmente conhecida como Adelita, e foi freqüente sua presença nas batalhas. Nos dias de hoje, quase cem anos após esses acontecimentos é normal vermos crianças empunhando armas, tanto nas favelas cariocas quanto nas divisas da faixa de Gaza, porém esse absurdo, com o qual não deveríamos ter nos acostumado, certamente chocou a sociedade da época, e foi uma maneira inclusive de dizer que as mulheres também tiveram sua participação de forma efetiva no processo revolucionário de maneira radical.
Nesta obra a ser analisada (fig. 5), está uma das uma das mais belas fotos de toda a coleção, também de Augustin Victor, e datada indefinidamente dentro do período de 1910-1912, podemos ver a figura heróica de Francisco Villa, o Pancho liderando a temida Divisão do Norte, invicta no campo de batalha até então, era o exército mais bem preparado, em termos de militarização e disponibilidade de equipamentos. A presença dos cavalos e carroças por si só já potencializa o ataque das tropas, devido a sua velocidade e poder de avanço maciço, massacrante. A imagem de Villa, imponente, a frente da cavalaria cria definitivamente o mito heróico que trespassou as gerações ate hoje ecoa não só na construção do imaginário da revolução, mas mesmo na construção da identidade da sociedade mexicana.
Na próxima foto (fig. 6), vemos o exercito Zapatista e logo de cara já percebemos a diferença em relação à cavalaria de Villa. A formação dispersa e os trajes civis, de camponeses, fazem com que o exercito passasse despercebido quando preciso. Era uso comum em situações de vigília, eles enterrarem as armas e voltarem a sua atividade original, de camponeses, para depois fazerem a tocaia às tropas federais. O conhecimento do território e a presença de indígenas garantiam às tropas Zapatistas um caráter sorrateiro no deslocamento e letal com suas táticas de guerrilha.
Para os que olham a foto rapidamente, ou às vezes se a imagem está em más condições, alguns podem chegar a pensar que se trata de um exército muito numeroso, porém se prestarmos atenção de maneira simples, iremos perceber que o exército está presente apenas na frente da imagem, estando ao fundo um imenso milharal. Pode parecer até uma anedota, mas essa mimese não era ocasional. A camuflagem do homem do campo, encoberto pelo seu habitat natural, aliada ao conhecimento do território citado acima conferiam mais uma habilidade que viria complementar as tropas rústicas de Villa, quando da união dos dois exércitos para a tomada da Cidade do México em seis de Dezembro de 1914.
O próprio Zapata, não foi muito retratado no período inicial, sendo a maioria de suas imagens sempre posteriores a 1914. Avesso à exibição, sempre sério, jamais sorrindo, com o olhar apaixonado e perdido que se relata, conquistava o coração das moças da época, Zapata aparece também como símbolo do poder, da vitória camponesa, marcando a transferência de poder que se deu durante a revolução, levando consigo a mudança na liderança nacional, tratando de solidificar uma imagem a ser martirizada logo após sua morte. (fig.7 e 8 )
A figura 9, um momento – chave da revolução: 6 de dezembro de 1914, dois dias depois do pacto estabelecido entre as tropas federais e as revolucionárias, os exércitos Zapatistas e Villista juntos adentram a Cidade do México. No centro da foto, identificamos os dois líderes juntos, e os grupos aparecem totalmente misturados, prova de sua cooperação. Camponeses caracterizados e militares fardados simbolizam a união dos grupos mais significativos da Revolução Mexicana. Impressiona também a quantidade de pessoas que engrossavam as fileiras da luta e que agora chegavam a vitória.
A próxima, uma das fotos mais famosas da Revolução, (fig.10) que tem um simbolismo extremamente evidente, sintetiza o auge da revolução camponesa onde assistimos Villa sentado à cadeira presidencial, em pose de despojo, ritual que seria seguido por Zapata logo em seguida. O riso no rosto de Villa e sisudez de Zapata mostram o quanto abrangente foi a revolução, alem de denotar uma característica do caráter de cada personagem que ficaria marcada de forma nítida em cada fotografia. A presença de populares em um dos momentos de maior importância na História do México também nos traz a imagem da forte participação popular no processo. Podemos ver camponeses, junto a soldados ainda feridos, em igualdade a seus lideres, desfrutando com ironia para não dizer deboche o sucesso de sua vitória militar.
Com tudo isso que foi dito até agora, já não fica mais em segredo o que se conseguiu passar com exibição dessas imagens. Percebermos quanto foi fundamental esse registro fotográfico para a construção da imagem que se tem de Revolução Mexicana, com seus lideres idealizados e suas urgências de melhorias para a população pobre. As fotos retratam alem do heroísmo e astúcia de alguns de seus personagens, também a radicalidade do processo que contou com a participação de mulheres e crianças, além das fracas condições de desenvolvimento dos desertos do planalto mexicano.
Devemos lembrar que tudo isso vem somar ao que Octavio Paz nos lembra sobre a Revolução, quando ele nos diz que todo esse heroísmo, essa urgência pelos oprimidos vêm retomar toda uma temática que já havia se dado na luta pela independência do México frente à Espanha. A retomada desses valores antes empregados reforçava cada vez mais o imaginário da população e com certeza foi fator fundamental para o sucesso relativo do processo revolucionário.
Apesar de a fotografia não ser incontestável, mesmo com toda a sua proximidade da realidade, são evidentes as escolhas que foram feitas pelos Casasola para conseguir transmitir os sentimentos necessários de revolta, de indignação, a fim de justificar a necessidade de uma mudança radical. O resultado é bem sucedido e conhecido pelo mundo todo, e as fotos da revolução existem até hoje gravadas no imaginário da população e na riquíssima cultura mexicana.
A importância então da fotografia é maior muitas vezes do que outros meios artísticos, como a literatura ou a pintura, devido a sua camuflagem de verossimilhança que não esta escondida em metáforas ou estilos, e sim exposta como ferida aberta, a fim de mostrar de maneira mais real possível, fazendo quase que imperceptível a construção por detrás da obra, que é tomada como retrato fiel da realidade. Um instrumento de tamanho poder, concluímos, é essencial para aqueles que desejam justificar os meios de se chegar a um objetivo e conseguir a legalidade perante as massas populares, e a opinião estrangeira.


Bibliografia

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[1] Boris KOSSOY, Fotografia e Historia p.79.
[2] Eric HOBSBAWM, Rumo à revolução, In: A era dos impérios, p.396.
[3] Ana Maria Martinez CORREA, A Revolução Mexicana, 1910-1917
[4] Carlos A. S. BARBOSA, A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da historia visual da Revolução Mexicana, pp.35.

[5] Ibid, pp.36