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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Inquisição em Portugal

                                                                                                                                                                       Por Jessé A. Chahad

Para combater as heresias que se erguiam frente aos dogmas católicos, o papa Gregório IX criou em 1231 os Tribunais do Sato Oficio da Inquisição, cuja função era identificar e excluir da sociedade possíveis elementos desagregadores e contestadores da ordem cristã, assim como garantir o seu funcionamento. Os julgados e condenados pela Inquisição eram entregues às autoridades administrativas do Estado, que se encarregavam da das sentenças. As penas variavam desde confisco de bens até a morte em fogueiras, onde vigorava o braço secular, na execução dos condenados pelo próprio povo.

O interrogatório era marcado pela tortura, instrumento de terror muito comum na época, mas não livre de contradições.O Manual dos Inquisidores, espécie de guia pratico do oficio inquisitorial, escrito em 1376 pelo dominicano espanhol Nicolau Eymerich, depois revisto e atualizado em 1578 por Francisco de La Peña, reza que: “A finalidade da tortura é obrigar o suspeito a confessar a culpa que cala. Pode se qualificar de sanguinários todos esses juizes de hoje, que recorrem tão facilmente à tortura, sem tentar, através de outros meios, completar a investigação. Esses juizes sanguinários impõem torturas a tal ponto que matam os réus, ou os deixam com membros fraturados, doentes para sempre. O inquisidor deve ter em mente que o acusado deve ser torturado de tal forma que saia saudável para ser libertado ou executado”.

A Inquisição em Portugal foi instaurada a pedido do próprio rei D.João III em 1536, e compreende um mistério historiográfico dos mais obscuros e paradoxais até hoje, pois D.João III sabemos financiava estudos em outros países e incentivava as pesquisas de campo,( o que demonstraria o interesse por novas idéias) mas para uma maior centralização de seu poder teria optado pela adoção da inquisição, que insistia em afirmar os preceitos da escolástica,que pregava o saber Aristotélico, baseado em comentar obras tidas como referenciais e incontestáveis.A Inquisição agiu durante 285 anos em Portugal, sendo eliminada apenas em 1821.

Assim sendo, fica claramente declarado o poder de controle moral e de comportamento que representavam a Igreja e a Inquisição,que através do medo e do terror muitas vezes conseguia inventar culpados, pois além de sustentar sua própria estrutura com os tributos e confiscos, precisava conquistar territórios e reafirmar os dogmas católicos abalados pelas idéias surgidas com as novas interpretações da bíblia feitas na Europa na chamada Reforma Religiosa.

Porém devemos aqui apontar a diferença existente entre a Inquisição que de uma forma geral agiu sobre Itália, França e Alemanha e as Inquisições portuguesa e espanhola. Estas últimas especializaram–se em perseguir os chamados cristãos-novos, que eram judeus convertidos muitas vezes apenas para escapar das condenações, e eram perseguidos por continuarem praticando costumes judeus e ainda judaizantes, (os chamados marranos) o que era considerado não só uma heresia, mas uma possível ameaça representada pelo crescimento da burguesia que queria sempre ascender à nobreza.O poder estatal e o poder papal configuravam uma aliança de forte poder sobre a sociedade da época, o que fortalecia mutuamente a Igreja e a Coroa. Se em um primeiro momento a Inquisição se preocupava exclusivamente com os cristãos que desobedeciam as regras da Igreja, de maneira tardia em Portugal essa preocupação se estendeu a esses convertidos à força, e seus descendentes de maneira mais branda.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O general em seu labirinto

                                                         Por Jessé A. Chahad

Muito já se discutiu sobre a mitificação da história da independência latino-americana e por conseqüência sobre a mitificação em cima da pessoa de Simón Bolívar. Igualmente, já tentou se combater também esse viés com a temática da humanização. Esta resenha tende a não caracterizar detalhadamente essa dicotomia, porem se colocará o objetivo de encontrar nas paginas do livro elementos que possam ajudar a entender qual foi a escolha do autor em uma versão romantizada dos últimos dias do general Bolívar.
Garcia Márquez vai optar não só pela humanização de Bolívar, mas pela humanização levada ao extremo, fazendo parecer às vezes uma figura extremamente mundana e imperfeita, no sentido máximo que expressa seus defeitos, arrependimentos acerca do processo de independência e de formação da identidade latino-americana com um tom nostálgico, e às vezes trágico, características dita intrínseca dos povos latinos.
Os dias finais de sua vida são marcados pela velhice prematura, fruto da sua história de vida levada intensamente, entre guerras e amores de ocasião, o general aparece no livro como uma pessoa metódica, teimosa, com péssimos hábitos alimentares, porém nunca deixa de ser um romântico, um sonhador que jamais desiste quando enxerga uma nova oportunidade de concretizar o seu ideal da unificação.
Essa linha interpretativa não é muito bem vinda pela historiografia tradicional venezuelana, por exemplo, que procurou fabricar um processo de defesa da sua história mitificando o líder militar e as batalhas vencidas, como por exemplo, a Campanha Admirável. As marcas desse processo que se deu forte na Venezuela são encontradas na própria identidade nacional, decorrente das vitórias bélicas de seu herói libertador, e costuma ser exaltada pela população comum, chegando a ser considerado “inimigo da nação” qualquer um que escreva ou tente dar uma nova interpretação acerca do processo de independência.
Porém, não podemos nos esquecer que ”O General em seu labirinto” se trata de um romance, gênero literário que apesar de transitar entre o ficcional e o real, não deixa de ter passado por um processo de pesquisa para sua produção, e mistura a isso toda sua carga proveniente da forma e do estilo literário e da formação do autor. Também em outras obras de Garcia Márquez encontramos figuras mundanas e humanizadas no sentido do instinto animal combinado com conhecimento e racionalidade. Talvez isso possa explicar sem recorrer a nenhum juízo de valor a construção da figura de Bolívar, mas devemos nos atentar que trabalhamos em cima de uma hipótese.
A idéia de um líder considerado nacionalmente “herói” de guerra ser retratado como uma pessoa decadente que passa seu tempo deitado na rede, quando não, falando seus segredos enquanto dorme e sofre de ataques de flatulência parece querer desconstruir totalmente a imagem idealizada de um Bolívar com o qual seria difícil se orgulhar e se identificar para tenta então formar uma “identidade”, ou uma “história modelo” que pudesse embasar a formação da identidade.
A velha dicotomia entre civilização e barbárie continuaria a expurgar as feridas internas decorrentes do processo de libertação e disputas internas por poder e realizações de interesses pessoais que viriam a transformar o fenômeno da independência em uma espécie de guerra civil. As disputas e traições decorridas no processo provocaram guerras que se estenderam por um período considerável de tempo que podem ter esgotado as possibilidades de uma transição definitiva, e que poderiam contribuir para essa grande duvida quanto à nacionalidade, reforçando novamente a dicotomia entre Europa e América espanhola.
Simón Bolívar com certeza sofria de todos os “males da humanidade”, assim como todos que somos humanos sabemos os sentimentos a que somos submetidos a partir das relações e do mundo em que vivemos. Não podemos ignorar que este homem liderou apaixonadamente vitórias fundamentais no processo de independência seguindo sempre seu instinto humano e conseguindo ainda assim sonhar e tentar pensar um projeto maior de unificação da América Latina. Seus ideais podem ter sido considerados derrotados, porem marcou definitivamente a formação da identidade nacional daqueles países. Apesar de ser um representante das elites, ele procurou de forma quase paternal defender o direito daqueles que compartilhavam de seu sonho.
O problema está então em procurar saber a quem interessa as interpretações e construções acerca dos acontecimentos, e entender que os julgamentos ou juízos de valores são aceitáveis por não se tratarem os romances fontes documentais ou textos teóricos, e sim um gênero literário com suas características tão conhecidas e que foram aproveitadas nas invenções das tradições nacionalistas ao redor do mundo.
Sendo assim, procuramos acreditar que o recorte feito para a produção do romance foi bastante seletiva e que realmente era intencional a sensação causada pelo acompanhamento fúnebre que se dá ao longo do texto, onde o general sempre a espreita da morte, decadente mesclado a lembranças de um passado histórico leva o leitor a tirar conclusões parciais sobre a parte que assim se mostra como a menos gloriosa na vida do Libertador das Américas. O General se perde em seus próprios labirintos em busca de uma saída para a situação da Colômbia e da Venezuela, e as vezes parece que a morte lhe será um grande alivio, pois aparentemente o labirinto não tem saída.Entre delírios descrença, o general se demonstra firme porem sofre por dentro, como no episódio do fuzilamento de seus ex-companheiros.Esse lado sombrio é o que todos estadistas querem esconder, e Gabriel García Márquez expõe até a mais íntima problemática de Bolívar, o questionamento de toda sua vida e deixa no ar um tom de duvida em relação ao sucesso de suas pretensões.
A invenção de tradições é recorrente nas sociedades e parece elemento agregador em seu ultimo fim, parece fortalecer o imaginário do povo, e devemos nos perguntar a real utilidade disso, e quais os interesses de quem luta contra isso, pois uma universalização exarcebada pode por fim as culturas únicas e identidades enraizadas no território em detrimento de um discurso falso globalizador. Se o sonho de Bolívar era uma integração entre os países latinos, certamente era um pensamento estratégico de alianças procurando unidade territorial, enquanto que “o modelo norte americano”,havia conseguido por bem ou por mal instalar uma democracia forte e com a participação de todos os seus estados em seu território.
Isso tudo nos leva a pensar que nos dias de hoje, o mundo “globalizado”, mas divido em blocos teria mais dificuldade em explorar os paises subdesenvolvidos sul-americanos se um dia esses paises tivessem tido sucesso em ter uma liderança única e que representasse os interesses em comum do povo latino americano frente aos interesses europeus e estado-unidenses. Nostalgicamente assistimos a emergência do neo - populismo com a aparição de novos líderes que dizem querer negociar rumo a uma união, não só comercial como a que teoricamente existe, mas com a participação e política unificada. Agora a América corre para tentar realizar o projeto idealizado em sua ultima instancia pela unificação sonhada por Bolívar.
Sendo esse um fator de atraso em relação aos países europeus que apesar da dificuldade da língua consegue se unir em bloco, resta a América latina como sempre um papel de futura potencia futuro esse no sentido literal, futuro que é sempre inatingível, enquanto que no presente ainda encontramos infelizmente muitos dos problemas que atravessaram os séculos e desembocam na situação de hoje, uma América Latina dominada quando não pelos interesses do capital especulativo estrangeiro, ou ainda entregue a indústria do narco - trafico que já é um estado por si só.
Talvez um novo Bolívar possa um dia surgir, porem que esse seja ainda mais humano em suas ações, para que a América Latina consiga impor finalmente o seu tamanho e o respeito que merece por ter financiado o desenvolvimento dos paises centrais e ocupado sempre papel secundário no cenário mundial. Mas esse messianismo não deve ser a única fonte de esperança para a tomada de um novo rumo. Um povo com uma cultura tão rica, uma história tão forte deve ele mesmo ser participativo e exigente para que a mudança possa realmente ocorrer de maneira significativa.
O escritor Eduardo Galeano nos diz em seu célebre As veias abertas da América Latina, que os problemas decorrentes da colonização iriam perpetuar o separatismo e as dificuldades de uma possível estabilidade democrática, pois as oligarquias portuárias teriam consolidado através do “livre comércio” a fragmentação do território, segundo Galeano: aqueles ilustrados traficantes não podiam incubar a unidade nacional que a burguesia encarnou na Europa e nos Estados Unidos. O processo ainda sofreria intervenção britânica no sentido da perpetuação das desigualdades.
Os países auto intitulados centrais têm uma enorme divida com a América Latina e se organizam de maneira exemplar com lideranças coesas e representativas, alem de democráticas, e obviamente imperialista. Seu pensamento civilizatório moldou os sistemas mundiais e ignorou as especificidades de cada local. Não devemos considerar jamais como um retrocesso reclamar a uma identidade comum,e construí-la a partir da nossa própria cultura, riquíssima e única, de um passado milenar e que fundamentalmente deve estar presente no imaginário popular e no pensamento e construções da história e da liberdade da América Latina.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

Miguel de Cervantes

Por Jessé A. Chahad

Miguel de Cervantes nasceu em Castilha no ano de 1547, enquanto o mundo vivia um contexto de importantes transformações que efervesciam na Europa, a intensidade de trabalhos no campo intelectual e literário crescia ao passo em que a Igreja sofria com as novas idéias provenientes das religiões surgidas na Reforma Religiosa, e ao mesmo tempo articulava sua Contra-Reforma que procurava adaptar a Igreja aos novos tempos e ao mesmo tempo reafirmava os seus dogmas, ainda que à força.Uma época de aventuras e descobrimentos, de contestações dos preceitos da escolástica através da experiência, “a madre das coisas”, que fundaria as bases de uma nova perspectiva no campo intelectual, e na economia dava-se uma fase de transição importante onde estariam se lançando sobre a Europa as bases da Idade Moderna, e revolucionando a Europa, sendo essa considerada a primeira etapa do capitalismo moderno, fruto da expansão comercial ibérica.
De origem humilde, Cervantes junta-se ao exército espanhol aos 24 anos e combate os turcos na Batalha de Lepanto, na costa oeste da Grécia, onde é seriamente ferido e chega a perder os movimentos da mão esquerda.Ele ainda passa por um período de cinco anos preso em cativeiro em Argel, capturado por corsários em seu regresso à Espanha.Com muitas dificuldades financeiras, e com o fracasso de seu primeiro casamento, Cervantes desenvolve ainda algumas funções burocráticas, a serviço do Rei, sendo novamente preso, desta vez, acusado de desvio de verbas, passou mais um período encarcerado em Sevilha, onde se supõe que começa a escrever a primeira parte de Dom Quixote, o Engenhoso Fidalgo de La Mancha.
O sucesso obtido com a publicação em 1547 lhe trouxe algum prestígio, porém nada de concreto que pudesse ser considerado a solução de seus problemas financeiros, dada sua inabilidade com números e seu estilo de vida acostumado a andanças. Era desprendido das coisas materiais.Aos 68 anos, já velho e doente vê publicada a segunda parte de sua obra, Dom Quixote, publicada em 1615. Além do romance Dom Quixote, escrito em duas partes (1605-1615, a primeira com 52 capítulos e a segunda, com 74), escreveu Calatea (1585), Novelas exemplares (1613), Viagem ao Parnaso (1614) e Os trabalhos de Persiles e Segismunda (1617).
Longe de sucesso, de amigos, e com muitos problemas financeiros, Cervantes já doente recolhe-se a um convento franciscano, o mundo já lhe cansara, e só restava-lhe a morte que chegou para lhe aliviar em 1616.Não só o livro é um clássico, mas como o próprio Cervantes em sua vida e trajetória, são épicos que devem ser percebidos com atenção, pois é subjetiva sua obra e ao mesmo tempo universal e tem se mantido como uma das fontes de inspiração e de referência para escritores e artistas de todas as épocas. A própria figura de Dom Quixote se tornou um símbolo do homem moderno em suas lutas contra as investidas de uma realidade decadente.