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terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Contradição: a identidade nacional

Por Jessé A. Chahad
Entre as décadas de 50 e 80, a sociedade brasileira presenciou um movimento pendular de prosperidade que logo depois foi suprimido pelo sentimento de pessimismo.
De maneira geral, é razoável acreditar que o Brasil apresentou grandes taxas de crescimento, e investiu em infra-estrutura de maneira suficiente para o desenvolvimento do sistema capitalista. Assim como até então, os modelos importados, as idéias fora do lugar, a modernização do país se dava tardiamente se comparamos com outros paises, o México, por exemplo.
A inclusão do Brasil no sistema capitalista viria a complementar o modelo americano, criador de modas e costumes que agora contava com a indústria voltada a produção de eletrodomésticos e a indústria da propaganda, ditadora dos novos costumes que deveriam ser difundidos pelo mundo, principalmente após a vitória na Segunda Guerra Mundial.
Se modernidade era malha viária, investimento em energia e participação na sociedade de consumo, então já estava terminado o processo civilizatorio proposto pelo american way of life, mas em um país que já vivia as contradições geradas pelo sistema colonial, e posteriormente pela importação de usos e costumes europeus ficava ainda mais complicado o desenvolvimento real do país.
Novais lembra que historicamente a modernização resultaria da tensão permanente entre o conjunto de valores mercantis, utilitários, (...) capitalistas que corporificados em instituições (...) põe freios ao funcionamento desregulado e socialmente destrutivo do capitalismo, e isso não se configura no Brasil. Sendo assim a seu próprio modo, a sociedade procurou se adaptar, e mesclar seu passado colonial, paternalista e religioso com o mundo freneticamente novo que era trazido de fora mais uma vez.
Citando Caio Prado Jr., não há nexos éticos entre os homens, mas só relações de exploração econômica e de dominação política. A sociedade baseada na idéia do favor e do jeitinho se apropriava do que julgava necessário ao seu desenvolvimento, de um lado a classe dominante se favorecia de diversas inovações tecnológicas, e do outro, a população rural e os descendentes de negros ficavam excluídos do processo, e buscavam se inserir na modernidade abandonando as práticas campesinas e migrando para as cidades.
Com o avanço e consolidação do capitalismo no Brasil, estaria consolidada a cena da luta de classes, com todas as desvantagens necessárias para enfraquecer qualquer movimento, as ditaduras militares viriam a congelar as estruturas de modo que quanto mais o país se desenvolveu e enriqueceu, maior se tornou a população pobre, e a concentração de renda é a maior do mundo, pelo menos até o fim do período recortado.
Nos dias de hoje, o Brasil ainda figura entre os mais ricos, principalmente se considerarmos o seu potencial para o capital financeiro especulativo, a nova face do capitalismo que acirra ainda mais as diferenças e determina de uma vez que a mobilidade social proposta pelo sistema só acontece dentro das classes favorecidas.
Se há uma peculiaridade exclusiva do povo brasileiro, talvez resida na capacidade de se abster e não perceber tais contradições. Um exemplo simples se dá em qualquer fila de banco, onde os pobres se aglomeram, geralmente para pagar alguma conta, que religiosamente deve ser honrada. De pé, e sem direito a um mero copo de água, é raro algum cidadão se lembrar de que o banco que ele está lucra a cada semestre quantias na casa dos bilhões.
A valorização da ética protestante do trabalho ainda faz com que a sociedade busque se inserir no sistema, como empregado, sendo elo principal da corrente que nunca será quebrada, pois o emprego lhe garantiria o mínimo de sustento e de inclusão no mercado de consumo, esse sim o verdadeiro objetivo do brasileiro de hoje. Desde continue exercendo seu papel na divisão do trabalho internacional, e de periferia na economia mundial, tudo continua funcionando perfeitamente para quem está no comando.
Talvez ainda não tenha sido superado o sentido da colonização, de abastecer o mercado externo com matérias primas e ficarmos com o resto de tudo, seja no âmbito social ou cultural. A confusão entre público e privado é herança colonial, e a sociedade brasileira como sociedade de aparências foi tratada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.
A modernização no Brasil não contou com planejamento de acordo com as demandas da nossa sociedade e nem deveria ser, pois serviria e serviu ao capital estrangeiro como sempre foi. Inúmeros são os fenômenos produzidos culturalmente para tentar amenizar as contradições, que sempre deverão existir, pois são parte crucial do funcionamento do capitalismo. Em um jogo de futebol, o esporte símbolo do país, pobres e ricos chegam a ficar lado a lado na torcida, participando do mesmo mundo, em busca de um mesmo ideal, e com condições semelhantes. Porém ao sair do estádio, cada um volta ao seu nicho, e o pobre vai passar a noite tentando voltar de ônibus para casa enquanto seu amigo de agora pouco passa diante de seus olhos de carro importado.
Portanto, se para Maria da Conceição Tavares nós copiamos tudo menos o que é essencial: formas de organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de capacidade autônoma de financiamento e inovação, esse processo não se deu por acaso, pois o que copiamos foi exatamente o necessário para que entrássemos na nova ordem mundial sem a que ocorresse qualquer mudança da estrutura social já presente, e que garantiria permanência das mesmas classes dominantes no poder.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Sérgio Buarque de Holanda

Por Jessé Chahad


Sérgio Buarque de Holanda nascido em São Paulo em 1902, faleceu aos oitenta anos e integrou a chamada geração de 30, que contou ainda com nomes como Caio Prado Jr e Gilberto Freyre, todos na tentativa de buscar elementos que definam a formação da sociedade brasileira contemporânea.Esses autores e suas respectivas obras de destaque (Formação do Brasil contemporâneo, e Casa-grande e senzala) dialogaram entre si na busca de uma análise da sociedade brasileira.
Participou do movimento Modernista de 22, tendo sido nomeado por Mário e Oswald de Andrade representante da revista Klaxon no Rio de Janeiro.

Viajou para a Europa, em 1929, como correspondente dos Diários Associados e fixou residência em Berlim, onde entrou em contato com a obra de Max Weber e assistiu aos seminários de Friedrich Meinecke.

Em 1957, recebeu o prêmio Edgard Cavalheiro do Instituto Nacional do Livro pela publicação de Caminhos e Fronteiras. Conquistou em concurso publico feito em 1958, a cadeira de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, com a tese Visão do Paraíso - os motivos edênicos no descobrimento e na colonização do Brasil.

Foi o primeiro diretor do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), eleito em 1962. De 1963 a 1967, viajou como professor-visitante para as universidades do Chile e dos Estados Unidos e participou de missões culturais pela Unesco no Peru e na Costa Rica.

Sérgio Buarque de Holanda morreu em São Paulo, a 24 de abril de 1982.Entre suas obras mais famosas estão: Raízes do Brasil (1936), Cobra de Vidro (1944), Caminhos e Fronteiras (1957) e Visão do Paraíso (1959). Sérgio Buarque de Holanda escreveu regulamente para a Folha de São Paulo entre 1950 e 1953.

domingo, 1 de julho de 2007

Civilização Tropical

Por Jessé A. Chahad
Nos tempos findos dos Impérios, um dos principais objetivos assumidos pela elite era o desafio que representavam a formação da identidade brasileira, ou seja, a construção com pretensões oficiais de um caráter comum ao nível nacional. Ora, pensar no brasileiro de forma homogênea e unificada seria uma enorme tarefa para o recém formado governo, visto o tamanho de nosso território e a sua grande diversidade étnica e cultural, dificuldade esta presente até o inicio do século passado (se não até hoje), exemplificada pela frase de Sérgio Buarque de Holanda: “Somos desterrados em nossa própria terra”.
    O projeto tomaria grande parte da agenda dos primeiros governos, tornando-se uma busca ampla e constante, e se articulando por todo o tecido social. Temos como principal instituição criada nesta época, e que tinha este papel, o de criar uma identidade digna para o Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Criado em 1838, o Instituto tinha como projeto a produção de uma historia nacional, e como meta “o delineamento de um perfil para a ‘Nação brasileira’, capaz de lhe garantir uma identidade própria no conjunto mais amplo das Nações[1]. Neste esforço, o Estado e a elite intelectual se relacionam intimamente[2], tendo no bojo deste projeto político centralizador, um Estado iluminado, esclarecido e civilizador[3]. Lembremos-nos de D. Pedro II, o monarca esclarecido, como exemplo.
    P orém, era aparente a idéia que através deste novo projeto, o Brasil buscaria um modelo a ser seguido. A recém formada nação brasileira deveria guiar-se pelos mais altos padrões civilizatórios do mundo ocidental e, mais importante ainda, servir de guia para as novas nações nascentes. O centro que forneceria estes paradigmas seria a velha Europa, terra que inspirava os mais grandiosos sonhos para a elite brasileira, elite esta sonhava com a modernidade (quando esta se ‘encaixava’ em seus projetos) e os bons costumes do Velho Continente.
    Como tão amplamente analisado por Norbert Elias [4], o conceito de civilização foi sendo desenvolvido ao longo de centenas de anos, num processo de longa duração, e teve como função demonstrar que a sociedade ocidente era superior a oriental, constituindo-se esta noção como uma visão de si mesma[5]. Percebe-se como esta noção vai ganhar uma conotação diferente com a Revolução Francesa, pois agora, o processo civilizador vai ser considerado como algo concluído nos países mais desenvolvidos economicamente (pelo menos nas classes alta e media), que agora teriam a missão de levar esta civilização a paises menos desenvolvidos[6], ou seja, a estes territórios considerados inferiores, levariam o mais alto padrão civilizador já alcançado. Neste momento, começa-se a idéia de tentar ver o desenvolvimento da humanidade através de estágios, na qual existiriam os povos superiores e os povos inferiores.
    Durante o próprio século XIX, as novas teorias positivistas dariam o suporte científico a esta visão, o evolucionismo de Spencer e o darwinismo social, procuravam comprovar que as sociedades se encontram em diferentes estágios evolutivos, podendo ser um mais ou menos avançado, criando assim a dicotomia bárbaro/civilizado, na qual o homem branco constituir-se-ia como o ser mais avançado, estando no topo da pirâmide racial como o homem civilizado.
Estas novas idéias européias encontrariam grande aceitação entre a elite intelectual brasileira - esta sendo também em sua grande maioria a elite econômica - e explicariam o atraso brasileiro em relação ao mundo desenvolvido. Ora, estas idéias teriam que ser pré-selecionadas e adaptadas ao contexto nacional, as exigências da elite local, até porque, alem das diferenças espaciais, temos também diferenças temporais, uma grande defasagem entre o surgimento destas idéias e a chegada delas ao Brasil[7].
    A elite pensante do Brasil teria que conciliar estas idéias principalmente com dois elementos totalmente contrários a estas: o escravismo e a grande miscigenação no território brasileiro. O primeiro se constituiria como símbolo de um Estado atrasado e anti-moderno, e o segundo como elemento de degradação da sociedade, elemento de degeneração da nação, a miscigenação era o pior pesadelo de qualquer sociedade, como podemos ver, por exemplo, nos relatos dos viajantes estrangeiros Luiz Agassiz e Richard Francis Burton que estiveram no Brasil nos anos de 1860[8].
    Logo percebemos que este Brasil qual almejava se tornar um centro difusor da civilização, que se via como herdeiro do projeto civilizador dos portugueses[9], seria extremamente excludente com elementos considerados degeneradores do processo civilizador, como os negros e os índios, no âmbito interno, e as republicas recém independentes da América Latina no âmbito externo.
No tocante ao escravismo, cada vez mais é atribuído a este o motivo do atraso brasileiro e, como solução a uma abolição da escravatura iminente, mostra-se como grande solução à carência de mão-de-obra livre, a reintegração do indígena (este mais valorizado que o negro) [10] . Mas, no debate - e aí reside mais um paradoxo criado pela importação de idéias estrangeiras- entre o uso da mão-de-obra indígena, representando esta o elemento nacional, e o uso da mão-de-obra branca, imigrante, a escolha evidentemente pendeu para o lado desta ultima.
    A solução de suprir a carência de mão-de-obra livre estimulando a imigração européia viria de encontro com a crença da elite na superioridade da raça branca, em suma, com esta medida, alem de dar solução a falta de mão-de-obra livre, se introduziria na sociedade maior numero de pessoas portadoras da civilidade, maior numero de elemento branco significaria um ‘salto’ para o processo civilizador brasileiro, única medida possível para concluir este projeto, tendo em vista que apenas o branco era portador de tal superioridade. Temos aí a política tão conhecida (e um pouco posterior), do branqueamento, ou seja, usando-se da miscigenação - não se problematizando suas implicações negativas segundo o modelo europeu[11]- como instrumento, chegaríamos ao tipo ideal de ‘gente’ civilizada, o homem branco. “A nação […] deve, portanto, surgir como o desdobramento, nos trópicos, de uma civilização branca e européia” [12], foi este o projeto que deveria tornar o Brasil um modelo, uma ‘civilização dos trópicos’.
[1] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional, p. 6.

[2] Idem p.10.

[3] Ibidem, p.11.

[4] Norbert ELIAS, O Processo Civilizador, passim.

[5] Idem.

[6] Ibidem.

[7] Renato ORTIZ, Cultura brasileira e identidade nacional, passim.

[8] Márcia Regina Capelari NAXARA, Cientificismo e sensibilidade romântica.

[9] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional, p. 6.

[10] Idem, Ibidem, p. 24.

[11] Lílian Moritz SCHWARCZ, O Espetáculo das Raças, São Paulo, p18.

[12] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Op. Cit. P.8.