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domingo, 3 de dezembro de 2017

Chão em Chamas - México na obra de Juan Rulfo

Por Jessé A. Chahad

Julgando ser desnecessário discorrer sobre o autor, é quase que obrigatório mencionarmos o fato absolutamente fabuloso de que Juan Rulfo escreveu apenas duas obras, sendo o romance Pedro Páramo (1955), e os contos de Chão em Chamas (1953), mas que foram suficientes para lhe concederem o mérito de ser considerado um dos mais importantes escritores latinos de todos os tempos, sendo diversas vezes objeto de estudo e sendo quase uma unanimidade no meio literário mundial.
A estrutura de sua narrativa, quase poética, consegue ser direta sem ser pobre e apaixonam o leitor no sentido de inseri-lo dentro do contexto narrado e se emocionar com as passagens. A influência da literatura russa do século XIX foi transferida para a obra de maneira única e não daria conta sozinha de ser a única responsável pela beleza do estilo inrotulavel criado por Rulfo. O autor considerado ícone do regionalismo mexicano utiliza-se do coloquialismo de seus personagens de forma a universalizar as situações descritas, e assim alcançar diversas mentalidades ao redor do mundo.

“Os miseráveis”
Apesar das conhecidas diferenças entre as regiões norte e sul do México, a pobreza dos camponeses em geral é presente em todos os contos e nos é apresentada de forma incrivelmente banal, o que pode nos levar a idéia de que somos nós quem concluímos esse conceito se baseando em um comportamento que se demonstra normatizado dentro de um ambiente escasso de recursos e pobre de esperanças.Mesmo não sendo evidenciada como nos exemplos que citaremos a seguir, quase em todos os contos a pobreza aparece de maneira sistemática, as vezes em menção a alguém muito magro, a um vilarejo deserto, ou mesmo a uma terra improdutiva, pobre de recursos minerais.
No primeiro conto, “E nos deram a terra”, a terra supostamente devoluta, no contexto da Revolução, é pobre, é seca, e segundo a narrativa: “a chapada não é coisa que sirva. Não há coelhos nem pássaros. Não há nada (...) tanta e tamanha terra para nada, (...) Porque nos deram esta crosta de terra seca e dura que nem pedra para a gente semear?”. (p.183). Inicia-se a construção de idéia de pobreza que passará por todo o livro.
No conto intitulado “É que somos muito pobres” é que percebemos de maneira contundente essa característica, porém em diversos outros encontramos passagens que nos remetem uma família descrita pelo autor: após uma enchente, essa família muito pobre perde seu único bem, uma vaca e seu bezerro, que serviriam ao menos de dote para o casamento de sua filha mais nova, visto que as duas mais velhas já haviam se entregado à prostituição. Diz a narrativa: “Segundo papai, elas tinham se perdido porque éramos muito pobres lá em casa e elas eram muito rebeldes”. p(208). A perda da vaca levaria a família a miséria total, e a filha mais nova também por necessidade, viria a se prostituir.A maneira banal como o escritor nos descreve a passagem final do conto nos dá a nítida noção de “normalidade” com a qual o narrador nos conta a derrocada de sua família, chegando a causar um certo mal estar.
A fome, conseqüência da pobreza também é constante, como por exemplo, no conto “O homem”, quando a personagem não se assusta ao assistir a fome de um fugitivo: “Chegou-se na mais gorda das minhas borregas e com suas mãos feito tenazes agarrou-as pelas patas e sorveu seu mamilo. Daqui dava pra ouvir os balidos do animal; mas ele não soltava, continuava chupa que chupa até se fartar de mamar”. (pág.222).
Mais uma menção à fome é feita no conto “Passo do Norte”, quando o personagem abandona sua família em busca de melhores condições ao norte do país, que apesar de estar participando do processo pré-revolucionário, apresentava um forte contraste de condições, devido a sua industrialização em oposição a total ruralização do sul. Diz o homem: “Semana passada não conseguimos nem ganhar pra comer, e na antepassada só comemos daquele matinho chamado bredo. Tá todo mundo com fome, pai; o senhor nem passa perto disso, porque vive bem”. (p.325). Fica evidente a pobreza, alem da contradição social, visto que o pai ao que parece não passa fome.
Segundo sabemos, a revolução contou com participação direta das camadas populares, as camadas mais baixas da população, los de abajo, como definiu Azuela, e em Chão em chamas, o reflexo disto está presente quando o autor nos transporta para dentro da situação miserável que conclama uma mudança urgente, uma revolta se instala na consciência do leitor que acompanha os contos. A miséria, como fator social leva de algum modo a uma espécie de consciente coletivo, de pessoas que sofrem do mesmo mal e que se unem em busca de uma transformação, uma justiça social. Indígenas e camponeses se unem a operários para reivindicar cada um a sua maneira, o fim dessa miséria em comum.
Esse fenômeno cria uma imagem de pobreza que se concretiza em diversos meios culturais alem da literatura. No conto “Luvina”, é descrito este local muito triste, onde um homem que lá viveu tenta convencer um outro que lá precisa chegar que essa atitude o levará ao inferno. A pobreza de Luvina está na falta de esperança que o lugar representa no conto. “Luvina é um lugar muito triste. (...) Um lugar moribundo onde morreram ate os cães e já não há nem quem ladre para o silencio” (p.312).
Em foto de Augustin Victor Casasola (fig. 1), tomada no norte agrário do México por volta de 1910, podemos ver uma cena de cotidiano camponês onde é impossível não percebermos a imagem da pobreza, ao menos a humildade, da tristeza da foto, alem do contraste e da fisionomia, tanto da criança, quanto da idosa nos transmitem um ar de pena. O chão de terra traz um ar de precariedade, de falta de recursos, de simplicidade. A imagem ilustra a paisagem de Luvina, descrita por rulfo, onde a tristeza impera, a falta de esperança é presente. Diz a narrativa: “Porque em Luvina só moram os velhos muito velhos e os que ainda não nasceram, como se diz (...) E mulheres sem forças, quase travadas de tão magras”. (p.310).
O diálogo entre a foto de Casasola e o conto de Rulfo, reforça a imagem da Revolução que por sua vez teve em Azuela talvez sua primeira representação. Rulfo ajuda a concretizar a representação do real que antes havia sido feita tanto pelo novelista quanto pelo fotografo. Portanto, novamente a revolução é representada com participação popular, por sua vez pobre e necessitada de mudanças urgentes.
Podemos com alguma liberdade, porém com muita cautela fazer um paralelo entre a pobreza mexicana com a pobreza francesa, na obra prima “Os miseráveis” de Victor Hugo, que de certa forma ajudou a construir e concretizar uma imagem que viria a ser justificada na Revolução Francesa, com a ascensão das classes populares, que clamavam pelo pão e por melhores condições de vida, miseráveis que chegavam ao máximo de tensão social, a ponto de revolucionar o quadro antes considerado permanente.
Como a pobreza e a miséria eram freqüentes na sociedade, era de se imaginar que a morte ocupava lugar não menos banal nas questões cotidianas pré-revolução no México. É sabido que culturalmente, os mexicanos sempre estabeleceram com a morte uma relação senão de celebração, ao menos de respeito e certa admiração pela morte, fazendo uma clara referencia às civilizações pré-colombianas que habitavam os planaltos mexicanos, e que praticavam rituais em oferendas aos deuses a fim de obter boas colheitas. A morte também é representada no período da Revolução pelas magníficas gravuras de Jose Luis Posada, que nos foram apresentas pelo Professor Julio em sala de aula, onde caveiras são estilizadas e representam os lideres da revolução, assim como a oposição representada pelos federais.
Sendo assim, as passagens que se referem à morte são varias no decorrer de Chão em Chamas, aparecendo em diversos contos como, por exemplo, em “A colina das Comadres”, que a todo o momento referenciam aos Irmãos Torricos, personagens mortos pelo narrador. A morte, quase uma questão de honra, deveria ser digna, assim como a necessidade de matar se mostrava às vezes inevitável. No conto que dá nome ao livro, “Chão em Chamas” em uma ação revolucionária contra o governo, um descarrilamento de trem deixa inúmeros mortos, o que teria “bicado a crista do governo (...) juntaram os corpos com pás e os faziam rolar como troncos até o fundo do barranco, e quando o montão ficava grande, empapavam tudo com petróleo e tocavam fogo” (pág.279).
Em “Diga que não me matem”, um personagem ao ameaçar o outro diz: ”sua nora e seus netos vão sentir sua falta (...) irão olhar sua cara e vão achar que não é você. Vão pensar que você foi comido por um coiote, quando virem essa sua cara tão cheia de furos de tantos tiros de misericórdia que deram em você”(pág.297).Mais uma vez a morte aparece, e dessa vez é anunciada.Já em outro momento, no conto intitulado “A herança de Matilde Arcangel”, a personagem que cai de um cavalo é enterrada e tem sua agonia descrita minuciosamente pelo narrador:sua carne já estava começando a secar, convertendo-se em casca por causa de todo o suco que tinha saído dela durante o tempo inteiro que a desgraça durou.(...).Alem do estilo inconfundível com que Rulfo ilustra a passagem, fica novamente presente a morte em seus contos.
Podemos concluir a partir destas duas breves analises, que a imagem construída por Mariano Azuela em suas novelas é de certa forma retomada em Chão em Chamas por Juan Rulfo. Ressalto, de certa forma, pois se trata de um estilo diferente, em uma linguagem próxima, porém com uma diferente organização e estética, mas ainda assim constroem cada uma a seu modo, assim como também a fotografia, a imagem que ainda nos dias de hoje nos é trazida:morte, miséria, pobreza, falta de esperança, sentimentos que viriam a ser a base da revolução e que seriam substituídos por uma nova ordem possível, com reforma agrária e maior participação popular.
O desencadeamento da Revolução infelizmente não se deu de forma tão simplista, talvez isso seja uma das características mais marcantes da Historia, o fato de que nada é absolutamente previsível, e todas as estratégias e planos de guerra podem ser bem ou mal sucedidos. Certamente outras obras, sejam romances ou novelas, sejam livros de História podem nos ajudar a perceber como se deu a formação dessa imagem, e como ela serviu também para afirmação de um povo através de sua cultura, que de tão rica contava com diversos meios para se integrar a fim de se criar também a nacionalidade mexicana, sempre retomada quando se trata de reconhecer os ideais que obtiveram sucesso na luta.
A fabulosa obra de Juan Rulfo nos oferece então uma infinita e deliciosa fonte de possibilidades de se enxergar as imagens do cotidiano mexicano de inicio do século XX, e nos transporta de maneira assustadora para aquele ambiente tão hostil e precário, em contradição com a elite que seria responsável por aquela situação. Este trabalho procurou brevemente chamar a atenção para o caráter multi-cultural, de diversas representações artísticas que nos ajudaram a enxergar construções acerca do cotidiano do povo mexicano.

domingo, 25 de fevereiro de 2007

História da Revolução Mexicana - Construção da Imagem pelas Fotografias

Por Jessé A. Chahad

Não iremos aqui tomar partido na questão inevitável sobre o caráter artístico das fotografias, pois aqui tentaremos resolver de maneira astuciosa esse debate, reservando-se o direito de acreditar que, não necessariamente deveremos tratar a fotografia através da dicotomia foto versus obra de arte, preferimos aceitar que além do caráter obviamente informacional histórico e construtivo das fotos, está intrínseco um valor artístico e estético a ser valorizado em um outro momento. Portanto, faz se desnecessária essa “competição”, visto que os dois aspectos podem caminhar juntos, ora se sobrepondo ou se complementando, existindo como duas faces de uma mesma moeda. Os conceitos que aqui serão adotados para a fotografia, fazem parte do pensamento dos autores a serem citados na bibliografia, fundamentais para a produção do texto.
A fotografia enquanto representação do real, muitas vezes assume caráter de documentação oficial, como no caso da Revolução Mexicana. Esse fato apenas reforça a tese de que a fotografia pode ser utilizada para a construção de um papel interpretativo da realidade e ainda mais: o seu caráter realista, proveniente da relação entre o momento real e o momento retratado, aliado ao caráter de oficialização acaba quase por determinar que contra as fotografias não existam argumentos possíveis de dubiedade.
É neste momento que devemos ser cautelosos e recorrermos aos documentos fotográficos como fontes passíveis de algumas diferentes interpretações, além de ressaltar que toda fotografia enquanto produto cultural é trabalho de um fotógrafo, o qual também está inserido em um contexto particular e serve a um propósito ora pessoal, ora pré-determinado por alguma ideologia, ou motivação profissional.Weinstein & Booth são citados por Boris Kossoy em seu livro Fotografia e História, e aqui retomamos sua premissa para este trabaho: “perceber na imagem o que esta nas entrelinhas, assim como o fazemos em relação aos textos”, “precisamos aprender a esmiuçar as fotografias criticamente, interrogativamente e especulativamente(...).[1]
A partir deste viés, tentaremos demonstrar que a produção das imagens que iremos analisar viria a satisfazer uma pré-disposição a que se legitimava toda a luta revolucionária, e que mesmo com seus períodos de ascensão e queda de poder, a fotografia esteve presente, tentando se manter isenta, através dos Casasola, porém auxiliando a ambos os lados a criar os mitos que iriam transpor os muros cronológicos dos acontecimentos e ecoariam hoje no imaginário da população mexicana.

Sobre a Revolução
A Revolução Mexicana pode ser considerada a primeira a se desenvolver diretamente no contexto das contradições internas do Imperialismo que contou com a decisiva participação das massas trabalhadoras[2], tanto camponesas quanto operárias, unindo o sul rural e o norte semi-industrializado sob a mesma luta. A revolução tem sua cronologia marcada pode se dizer em três fases, a primeira, iniciando-se em 1910 com a derrubada do ditador que iria para o seu sétimo mandato, Porfírio Diaz, e a tentativa de fracassada do levante do líder do partido anti-reeleccionista Francisco Maderos, marca o que se convenciona chamar do inicio da fase política da revolução, a revolução maderista. Após cinco meses de batalhas, Diaz renuncia e nomeia um substituto que viria a convocar novas eleições. Em outubro de 1911, Maderos é eleito com 53% dos votos, agora pelo Partido Progressista Constitucional.
Após duas tentativas de golpes fracassados, os remanescentes do porfiriato chegaram ao poder através do Comandante das tropas federais, Victoriano Huerta, que traindo o país e a pátria, assassinou o presidente Maderos e seu vice, e assumiu o poder, no episodio que ficou conhecido como la decena trágica.( 9 a 18 de fevereiro de 1913)
O governo de Huerta inauguraria uma nova fase revolucionaria que contaria de certa forma com o apoio internacional, dos países que não reconheceriam a oficialidade da tomada de poder. As tropas Zapatistas continuaram a luta, ao lado de Villa e Obregón, e mais uma nova força representada pelo Governador Venustiano Carranza, aliado as forças políticas do estado de Sonora. A partir de 1914, inicia-se a fase mais problemática do processo revolucionário, com a fragmentação das forças antes conjuntas e a radicalidade das facções camponesas que se opunham aos constitucionalistas.
Liderados pela Divisão do Norte, um exército de mais de trinta mil pessoas entre camponeses, mineradores, boiadeiros, ferroviários, bandidos e desocupados era liderado pelo líder popular Pancho Villa. Ao sul, dez mil guerrilheiros todos camponeses exigindo a devolução das terras usurpadas pelos grandes fazendeiros do açúcar. Os conflitos se arrastariam com vitórias e derrotas para todos, levando o Estado Mexicano a exaurir suas economias, e paralisar o crescimento e desenvolvimento do país.
A convocação para a eleição de uma Assembléia Constituinte em 1917 decide dar um rumo à política nacional, e logo em seguida Carranza é eleito Presidente e retoma certo ar de retorno do México do crescimento de sua economia, até nova investida da oposição, dessa vez liderada por Álvares Obregón. A briga pelo poder causou uma onda de violência que durou de 1918 a 1920, e terminou com a posse de Obregón. A partir daí, a revolução seria institucionalizada e o Norte viria a dominar a cena durante um longo período, o que faz com a periodização sobre a revolução mexicana seja motivo de discórdia na historiografia. [3]

Geração Casasola
Augustin Victor Casasola, nasceu em julho de 1874, aos vinte anos de idade já trabalhava como repórter e fotógrafo. Em 1912 ele funda uma agência de fotógrafos, a qual contava com o slogan: “Tengo o hago la foto que usted necesite”. A agência atendia a revistas, jornais, e ao público em geral. Afora Victor, trabalhava na agência também os seus irmãos, Miguel e Ismael. Este era o início de uma família que viria a atravessar as gerações servindo ao oficio da fotografia e da História do México.
Alem de fotógrafo, Augustin Victor era acima de tudo um colecionador apaixonado, sendo este um dos fatores mais problemáticos no tocante à identificação das fotografias e ao ano de produção das mesmas. Existem duvidas em relação à autoria de algumas obras, pois a agência também contava com nomes como o de Francisco Ramirez e Rafael López Ortega. O que sabemos ao certo é que havia uma obsessão de Augustin de formar um arquivo fotográfico a serviço da História do México. Após sua morte prematura em 1936, a família reuniu durante décadas um volume impressionante de imagens. Este belo arquivo que foi inaugurado em 1976, e conta com cerca de 600 mil peças, o chamado Arquivo Casasola está sob a guarda da Fototeca de Pachuca, vinculada ao Instituto Nacional de Antropologia e História do Estado Mexicano, e é considerado por alguns, o acervo fotográfico mais rico para se entender a história e a sociedade da primeira metade do século XX.
Pode parecer pretensioso, mas não seria der todo exagerado dizer que Augustin Victor participou dos primórdios do que conhecemos hoje como foto-jornalismo, devido à presença dos fotógrafos do “clã” diretamente nos eventos decisivos da Revolução, tanto nos momentos gloriosos, quanto no cotidiano de guerrilha, se é que se podemos falar nesses termos, os Casasola arriscaram a vida e se viram obrigados ora a registrar os triunfos dos federalistas no poder e, mais tarde, o relativo sucesso das camadas rebeldes.
A relação prévia de Casasola com a imprensa que se desenvolvia e se modernizava no inicio do século XX, pode ter ajudado na produção de tamanho numero de imagens. A imprensa começava a adotar um caráter capitalista, ao redor de todo o mundo e no México essa tendência não se deu de maneira isolada. As classes mais baixas poderiam ter acesso agora aos periódicos, que tinham sua reprodução em serie cada vez mais com um custo reduzido.
Em 1914, a forte perseguição federal à imprensa fecha os jornais “El Tiempo” e “El Imparcial” e leva Miguel Casasola a abandonar suas atividades profissionais para se juntar à luta. Ele se une às tropas do General Ordoñes, um seguidor de Álvaro Obregón, líder do Exército Constitucionalista.
Podemos acreditar que de fato os Casasola participaram em diversos momentos da revolução, e algumas imagens do cotidiano da guerrilha podem ter surgido neste contexto, (fig.1), porém, para uma maior precisão, seria necessário um estudo mais dedicado sobre o assunto, além de uma visita ao Arquivo Casasola, visto que também a bibliografia disponível em nosso país sobre esse assunto é muito escassa. Nesta imagem, podemos deduzir tratar-se das fileiras do Sul mais rural, menos militarizadas que as do Norte, diferença territorial marcante no México em todos os sentidos de desenvolvimento. As vestimentas podem denunciar a origem, como por exemplo, os chapéus de camponeses, de abas muito largas para proteger do forte sol.
Porém, o Professor Carlos Alberto Sampaio Barbosa, ao estudar mais profundamente o livro fotográfico lança a possibilidade de que as cenas de guerra passariam por uma mudança na sua forma de representação. As batalhas teriam um acréscimo de carga dramática ao serem retratadas mais de perto, e às vezes as cenas precisariam ser “montadas” para que pudessem permitir tal aproximação e dramaticidade. Apesar da dúvida, fica a certeza de que a partir deste momento, as guerras e batalhas passariam a ser retratadas de uma maneira nova, e com o advento próximo da imprensa, as noticias ganhariam uma dinâmica mais concentrada no apelo emocional e menos na função informativa.
Após a vitória da revolução, os Casasola passaram a ocupar cargos públicos; durante os governos de Obregón (1920-1924) e Calles, (1924 a 1928), Augustin é nomeado “Chefe fotográfico” e também cuida da direção de espetáculos. [4] Esse período foi muito importante para a família, pois foi em 1920 que Augustin Victor foi convidado pelo estado a fotografar o “progresso” no México, um vinculo que duraria até 1935 e que faria com que o fotógrafo ostentasse a alcunha de “o fotógrafo da revolução”. Em 1921, já havia material suficiente para que os Casasola publicassem o Álbum Histórico Gráfico, uma narrativa dos principais acontecimentos da Revolução.
Outro fato importante que devemos ressaltar foi a ruptura dos padrões “objetivos” da fotografia. [5] Tipos humanos que antes eram retratados apenas como “curiosidades nacionais”, agora ocupavam a cena principal, tamanha era a sua importância e evidencia no quadro nacional. A realidade da guerra se sobrepôs aos velhos hábitos do registro visual. Cenas de pobreza e miséria criavam uma atmosfera social, que antes só era sentida pelos próprios protagonistas e agora chegavam por meio de publicações em periódicos.

Construção da Imagem da Revolução
Para entender como as fotografias podem ajudar na construção de um imaginário acerca de um assunto, procuraremos através de analise de algumas peças identificar elementos em comum com a bibliografia conhecida sobre a revolução, chamando a atenção para os detalhes enquadrados em cada momento registrado. Para Augustin, no foto-jornalismo, o valor da fotografia consiste na capacidade.
Em foto do arquivo Casasola (fig. 2), tomada no norte agrário do México por volta de 1910, podemos ver uma cena de cotidiano camponês onde é impossível não percebermos a imagem da pobreza, da tristeza da foto, alem do contraste e da fisionomia, tanto da criança, quanto da idosa nos transmitem um ar de pena. O chão de terra traz um ar de precariedade, de falta de recursos, de simplicidade. Fica quase óbvio o significado maior da foto que alem dessa pobreza, mostra a presença da criança e a idosa, tipos que habitavam as cidades em sua maioria, visto que os homens e jovens que já podiam pegar em armas já tinham se juntado para engrossar as fileiras da revolução.
Podemos fazer um paralelo desta imagem com uma passagem da obra do escritor mexicano Juan Rulfo, Chão em chamas, onde os contos narrados têm a Revolução como seu pano de fundo. A imagem ilustra a paisagem de Luvina, cidade fictícia descrita por Rulfo, onde a tristeza impera, a falta de esperança é presente. Diz a narrativa: “Porque em Luvina só moram os velhos muito velhos e os que ainda não nasceram, como se diz (...) E mulheres sem forças, quase travadas de tão magras”. (p.310). A pobreza de Luvina é refletida no imaginário da Revolução, e acaba for fixar a imagem da miséria e da carência, urgente de mudanças.
Nas figuras 3 e 4 ,datadas do mesmo período, fica evidente o que foi citado anteriormente, de que todos aqueles que já tivessem idade ou força suficiente para empenhar uma arma se viam inclinados a defender seu território e exigir a devolução das terras usurpadas junto aos camponeses, tanto do lado dos Zapatistas ao Sul, quando do exercito forte de Villa ao Norte.
Fica também clara a violência da imagem, por se tratar claramente de crianças carregando armas, uma delas leva uma pistola no coldre, a munição cruzando peito e a espingarda empunhada, o que nos mostra além da demonstração de bravura e coragem do povo mexicano, a necessidade de que todos participassem da luta, da forma que pudessem. A figura ficou tradicionalmente conhecida como Adelita, e foi freqüente sua presença nas batalhas. Nos dias de hoje, quase cem anos após esses acontecimentos é normal vermos crianças empunhando armas, tanto nas favelas cariocas quanto nas divisas da faixa de Gaza, porém esse absurdo, com o qual não deveríamos ter nos acostumado, certamente chocou a sociedade da época, e foi uma maneira inclusive de dizer que as mulheres também tiveram sua participação de forma efetiva no processo revolucionário de maneira radical.
Nesta obra a ser analisada (fig. 5), está uma das uma das mais belas fotos de toda a coleção, também de Augustin Victor, e datada indefinidamente dentro do período de 1910-1912, podemos ver a figura heróica de Francisco Villa, o Pancho liderando a temida Divisão do Norte, invicta no campo de batalha até então, era o exército mais bem preparado, em termos de militarização e disponibilidade de equipamentos. A presença dos cavalos e carroças por si só já potencializa o ataque das tropas, devido a sua velocidade e poder de avanço maciço, massacrante. A imagem de Villa, imponente, a frente da cavalaria cria definitivamente o mito heróico que trespassou as gerações ate hoje ecoa não só na construção do imaginário da revolução, mas mesmo na construção da identidade da sociedade mexicana.
Na próxima foto (fig. 6), vemos o exercito Zapatista e logo de cara já percebemos a diferença em relação à cavalaria de Villa. A formação dispersa e os trajes civis, de camponeses, fazem com que o exercito passasse despercebido quando preciso. Era uso comum em situações de vigília, eles enterrarem as armas e voltarem a sua atividade original, de camponeses, para depois fazerem a tocaia às tropas federais. O conhecimento do território e a presença de indígenas garantiam às tropas Zapatistas um caráter sorrateiro no deslocamento e letal com suas táticas de guerrilha.
Para os que olham a foto rapidamente, ou às vezes se a imagem está em más condições, alguns podem chegar a pensar que se trata de um exército muito numeroso, porém se prestarmos atenção de maneira simples, iremos perceber que o exército está presente apenas na frente da imagem, estando ao fundo um imenso milharal. Pode parecer até uma anedota, mas essa mimese não era ocasional. A camuflagem do homem do campo, encoberto pelo seu habitat natural, aliada ao conhecimento do território citado acima conferiam mais uma habilidade que viria complementar as tropas rústicas de Villa, quando da união dos dois exércitos para a tomada da Cidade do México em seis de Dezembro de 1914.
O próprio Zapata, não foi muito retratado no período inicial, sendo a maioria de suas imagens sempre posteriores a 1914. Avesso à exibição, sempre sério, jamais sorrindo, com o olhar apaixonado e perdido que se relata, conquistava o coração das moças da época, Zapata aparece também como símbolo do poder, da vitória camponesa, marcando a transferência de poder que se deu durante a revolução, levando consigo a mudança na liderança nacional, tratando de solidificar uma imagem a ser martirizada logo após sua morte. (fig.7 e 8 )
A figura 9, um momento – chave da revolução: 6 de dezembro de 1914, dois dias depois do pacto estabelecido entre as tropas federais e as revolucionárias, os exércitos Zapatistas e Villista juntos adentram a Cidade do México. No centro da foto, identificamos os dois líderes juntos, e os grupos aparecem totalmente misturados, prova de sua cooperação. Camponeses caracterizados e militares fardados simbolizam a união dos grupos mais significativos da Revolução Mexicana. Impressiona também a quantidade de pessoas que engrossavam as fileiras da luta e que agora chegavam a vitória.
A próxima, uma das fotos mais famosas da Revolução, (fig.10) que tem um simbolismo extremamente evidente, sintetiza o auge da revolução camponesa onde assistimos Villa sentado à cadeira presidencial, em pose de despojo, ritual que seria seguido por Zapata logo em seguida. O riso no rosto de Villa e sisudez de Zapata mostram o quanto abrangente foi a revolução, alem de denotar uma característica do caráter de cada personagem que ficaria marcada de forma nítida em cada fotografia. A presença de populares em um dos momentos de maior importância na História do México também nos traz a imagem da forte participação popular no processo. Podemos ver camponeses, junto a soldados ainda feridos, em igualdade a seus lideres, desfrutando com ironia para não dizer deboche o sucesso de sua vitória militar.
Com tudo isso que foi dito até agora, já não fica mais em segredo o que se conseguiu passar com exibição dessas imagens. Percebermos quanto foi fundamental esse registro fotográfico para a construção da imagem que se tem de Revolução Mexicana, com seus lideres idealizados e suas urgências de melhorias para a população pobre. As fotos retratam alem do heroísmo e astúcia de alguns de seus personagens, também a radicalidade do processo que contou com a participação de mulheres e crianças, além das fracas condições de desenvolvimento dos desertos do planalto mexicano.
Devemos lembrar que tudo isso vem somar ao que Octavio Paz nos lembra sobre a Revolução, quando ele nos diz que todo esse heroísmo, essa urgência pelos oprimidos vêm retomar toda uma temática que já havia se dado na luta pela independência do México frente à Espanha. A retomada desses valores antes empregados reforçava cada vez mais o imaginário da população e com certeza foi fator fundamental para o sucesso relativo do processo revolucionário.
Apesar de a fotografia não ser incontestável, mesmo com toda a sua proximidade da realidade, são evidentes as escolhas que foram feitas pelos Casasola para conseguir transmitir os sentimentos necessários de revolta, de indignação, a fim de justificar a necessidade de uma mudança radical. O resultado é bem sucedido e conhecido pelo mundo todo, e as fotos da revolução existem até hoje gravadas no imaginário da população e na riquíssima cultura mexicana.
A importância então da fotografia é maior muitas vezes do que outros meios artísticos, como a literatura ou a pintura, devido a sua camuflagem de verossimilhança que não esta escondida em metáforas ou estilos, e sim exposta como ferida aberta, a fim de mostrar de maneira mais real possível, fazendo quase que imperceptível a construção por detrás da obra, que é tomada como retrato fiel da realidade. Um instrumento de tamanho poder, concluímos, é essencial para aqueles que desejam justificar os meios de se chegar a um objetivo e conseguir a legalidade perante as massas populares, e a opinião estrangeira.


Bibliografia

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KOSSOY, Boris, A fotografia como fonte histórica: introdução à pesquisa e interpretação das imagens do passado. São Paulo, Sec. da industria,Com. e Tecnologia, 1980.

MACHADO, Arlindo, A ilusão especular; introdução à fotografia. São Paulo, Brasiliense/Funarte, 1984.
[1] Boris KOSSOY, Fotografia e Historia p.79.
[2] Eric HOBSBAWM, Rumo à revolução, In: A era dos impérios, p.396.
[3] Ana Maria Martinez CORREA, A Revolução Mexicana, 1910-1917
[4] Carlos A. S. BARBOSA, A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da historia visual da Revolução Mexicana, pp.35.

[5] Ibid, pp.36