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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

A era das redes sociais: um convite à depressão e ao suicídio

   

Lamentavelmente, os dados oficiais sobre o número de suicídios após a criação das redes sociais apontam para uma tendência preocupante. Estudos e relatórios de organizações de saúde mental têm destacado um aumento nas taxas de suicídio, especialmente entre adolescentes e jovens adultos, coincidindo com a proliferação e popularização das redes sociais.

    Em alguns países, observou-se um crescimento significativo nas taxas de suicídio entre jovens que experimentam uma intensa exposição às pressões sociais e padrões estéticos irrealistas disseminados nessas plataformas. Embora seja importante abordar essa correlação com cautela, os dados sugerem uma relação complexa entre a presença digital exacerbada e o agravamento de desafios mentais, reforçando a necessidade premente de uma investigação mais aprofundada e estratégias preventivas eficazes.    

    Na intricada tapeçaria da sociedade contemporânea, emerge uma rede complexa de fenômenos que, de maneira sutil e muitas vezes impactante, delineiam a experiência humana. A veneração do corpo, a definição de padrões estéticos, as engrenagens do capitalismo, a influência das redes sociais, os abismos da depressão, a sombra do suicídio e o medo da desconexão digital são fios entrelaçados que, ao se cruzarem, moldam a psique coletiva. Este texto busca explorar essas interconexões, guiando-se por insights de especialistas e referências bibliográficas que lançam luz sobre essa intricada teia que molda nossas vidas.

    A adoração pelo corpo, um fenômeno social que transcende os limites do óbvio, muitas vezes caminha de mãos dadas com os padrões de beleza que a sociedade estabelece. A reflexão acerca dessa dinâmica é aprofundada por pensadores como Naomi Wolf, cujo trabalho seminal, "O Mito da Beleza" (1991), desconstrói a construção social desses padrões e sua influência penetrante na autoestima e saúde mental.

    Enquanto o capitalismo perpetua sua presença marcante no cenário global, as pressões sociais por conformidade estética são exacerbadas. As palavras de Zygmunt Bauman em "Modernidade Líquida" (2000) ressoam, destacando como o capitalismo de consumo alimenta uma cultura de insatisfação constante, alimentando a busca incessante por uma estética idealizada e muitas vezes inalcançável.

    Num mundo cada vez mais conectado, as redes sociais emergem como uma arena onde as batalhas pela validação e aceitação são intensificadas. A obra de Sherry Turkle, "Reclaiming Conversation" (2015), mergulha nas consequências psicológicas da busca incessante por validação nas plataformas digitais, especialmente entre as gerações mais jovens, ressaltando como a ansiedade e a depressão podem prosperar nesse terreno virtual.

    O entrelaçamento entre padrões estéticos, pressões do capitalismo e a influência das redes sociais frequentemente desemboca em consequências sombrias para a saúde mental. A análise profunda do psiquiatra Thomas Joiner em "Por que as Pessoas Morrem por Suicídio" (2005) lança luz sobre as dinâmicas sociais que contribuem para o aumento alarmante das taxas de suicídio, evidenciando a pressão social como um fator determinante.

    A nomofobia, um fenômeno emergente, revela-se como o medo da desconexão digital, uma expressão contemporânea dos desafios psicológicos na era da conectividade. O olhar antropológico de Sherry Turkle em "Alone Together" (2011) destaca como a constante conectividade pode agravar a ansiedade e o isolamento social, adicionando um elemento adicional ao complexo cenário contemporâneo.

    Num contexto onde as dinâmicas intricadas de corpolatria, padrões de beleza, capitalismo, redes sociais, depressão, suicídio e nomofobia convergem, é vital contemplar abordagens abrangentes para preservar o bem-estar. A compreensão dessas interconexões incita uma reflexão crítica sobre as complexidades sociais contemporâneas, enfatizando a necessidade de soluções multidisciplinares para os desafios mentais enfrentados pela sociedade moderna  


 A relação intrínseca entre o vício em celular e a depressão revela uma dinâmica complexa na era da conectividade digital. O constante acesso aos dispositivos móveis, impulsionado pela nomofobia, cria uma realidade na qual as interações virtuais muitas vezes superam as conexões face a face. Essa imersão virtual intensa pode resultar em sentimentos de isolamento, inadequação e, eventualmente, desencadear ou agravar quadros depressivos. A incessante busca por validação nas redes sociais, aliada à comparação constante com os padrões estéticos idealizados, pode levar a uma espiral de autocrítica, solidão e, em última instância, contribuir para o desenvolvimento da depressão.

    Além disso, o vício em celular também está associado a alterações neuroquímicas que podem influenciar negativamente o estado emocional. A constante exposição às notificações, a pressão por estar sempre online e a dependência da validação digital podem levar a distúrbios do sono, aumento do estresse e desequilíbrios hormonais. Esses fatores, por sua vez, têm sido identificados como contribuintes significativos para a vulnerabilidade à depressão. Portanto, compreender a interligação entre o vício em celular e a depressão não apenas destaca os desafios contemporâneos enfrentados pela saúde mental, mas também enfatiza a necessidade urgente de abordagens equilibradas e conscientes para o uso da tecnologia digital.

    

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

O Palco Digital e a Fragilidade da Fama: Uma Crítica à Sociedade Espetacularizada

    

 Na era das redes sociais, onde o palco é digital e a busca pela fama é incessante, a análise crítica à sociedade contemporânea se aprofunda. Karl Marx, ao desvelar as complexidades do capitalismo, e Walter Benjamin, ao explorar a perda da aura nas reproduções técnicas, oferecem lentes aguçadas para compreendermos a transformação do ser humano em mercadoria simbólica no mundo virtual.

A alienação, outrora confinada às fábricas, assume novas formas nas redes sociais, onde a autenticidade é frequentemente eclipsada pela busca desenfreada por likes e seguidores. A sociedade de espetáculo, conforme observada por Guy Debord, se perpetua, mas agora, as representações digitais substituem a realidade, alimentando um ciclo vicioso de autopromoção e validação instantânea.

    O consumismo exacerbado, motor do capitalismo, encontra na busca pela fama uma expressão contemporânea. As redes sociais se tornam os novos mercados, onde a atenção é a moeda de troca, e a busca por reconhecimento é incessante. O risco inerente a essa dinâmica é a diluição da identidade em uma busca superficial por notoriedade, enquanto a essência é sacrificada no altar da visibilidade.

    A reflexão se estende ao declínio do nível de inteligência em meio à cultura do entretenimento instantâneo. A "idiocracia" descrita por Neil Postman se manifesta na valorização da popularidade em detrimento da profundidade intelectual. O acesso constante a estímulos superficiais nas redes sociais pode contribuir para a erosão do pensamento crítico, ameaçando a capacidade de discernir entre a substância e o efêmero.

    Assim, à medida que o palco digital se expande, a fragilidade da fama se revela. O convite à resistência emerge, incitando a sociedade a preservar a autenticidade, resistir à homogeneização das aspirações individuais e resgatar o pensamento crítico em meio ao espetáculo digital. Em última análise, o esforço para transcender a busca desenfreada pela fama efêmera pode ser o primeiro passo para uma renovação intelectual e social mais profunda.


 No enfrentamento da fragilidade da fama e da superficialidade nas redes sociais, emerge uma alternativa promissora: a transformação pela educação. Uma visão fundamentada em pensadores como Paulo Freire e Ivan Illich, que propõem a educação como instrumento de conscientização e libertação, apresenta-se como antídoto para a alienação digital.

    Paulo Freire, notório por sua pedagogia crítica, advoga por uma educação que transcenda a mera transferência de conhecimento e promova a conscientização dos indivíduos sobre sua realidade. Nesse contexto, a educação pode ser a chave para desvelar os mecanismos que perpetuam a busca desenfreada pela fama, estimulando a reflexão crítica sobre os valores propagados pelas redes sociais.

    Ivan Illich, por sua vez, questiona os sistemas institucionalizados de educação e propõe uma aprendizagem mais autônoma e descentralizada. Ao romper com a ideia de que a educação está confinada aos espaços formais, Illich destaca a importância de aprendizados que transcendam os limites da sala de aula, permitindo que os indivíduos construam conhecimento de forma significativa.

    A promoção de uma educação crítica e emancipadora oferece um caminho para contrapor a superficialidade da busca pela fama. O desenvolvimento de habilidades cognitivas, como o pensamento crítico e a análise reflexiva, pode fortalecer os indivíduos contra os estímulos efêmeros das redes sociais. A educação, quando direcionada para a formação integral, não apenas intelectual, mas também ética e emocional, cria uma base sólida para resistir à cultura do espetáculo.

     Além disso, a educação digital responsável deve ser parte integrante desse processo. Capacitar os indivíduos a discernir entre informações relevantes e superficiais, desenvolver habilidades de filtragem e promover uma consciência crítica em relação ao uso das redes sociais são aspectos essenciais para construir uma sociedade mais resistente aos apelos instantâneos da fama virtual.

    Portanto, a busca por uma nova possibilidade vai além da simples crítica, estendendo-se à construção de uma sociedade mais consciente e educada. Ao investir na formação integral dos indivíduos, a educação se apresenta como um poderoso instrumento para romper com a alienação digital, fortalecendo mentes capazes de resistir ao efêmero, buscando uma transformação profunda e duradoura.



segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Reflexões sobre o Antropoceno: a marca indelével da modernidade destrutiva

 

O Antropoceno é um termo que tem sido cada vez mais utilizado para descrever a era geológica em que as atividades humanas passaram a ter um impacto significativo e global no sistema terrestre. A ideia central é que as ações humanas, especialmente a industrialização e a queima de combustíveis fósseis, têm provocado mudanças ambientais profundas, como alterações climáticas, perda de biodiversidade e modificações nos ciclos biogeoquímicos. Esse conceito sugere que os humanos se tornaram uma força geológica capaz de moldar o planeta.

Para entender melhor o contexto histórico e climático da Terra, é crucial explorar os trabalhos de cientistas e pensadores importantes. James Lovelock, por exemplo, desenvolveu a hipótese Gaia, que propõe que a Terra é um sistema auto-regulado que mantém condições favoráveis à vida. Lovelock argumenta que as atividades humanas, especialmente a emissão de gases de efeito estufa, estão desestabilizando esse equilíbrio.

Outro autor relevante é Paul Crutzen, que cunhou o termo "Antropoceno" em 2000. Crutzen destacou a influência humana nas mudanças climáticas e na degradação ambiental, argumentando que a era holocênica, que começou cerca de 11.700 anos atrás, foi substituída pela influência humana generalizada.

Ao abordar a história climática da Terra, é crucial mencionar o papel das variações naturais, como as eras glaciais e interglaciais. O Holoceno, a era atual, caracterizou-se por um clima relativamente estável, permitindo o desenvolvimento da agricultura e o surgimento das civilizações humanas.

No contexto brasileiro, Ailton Krenak, líder indígena e ativista ambiental, traz uma perspectiva única sobre o Antropoceno. Em suas obras, como "Ideias para Adiar o Fim do Mundo", Krenak aborda a relação entre as práticas ocidentais de exploração dos recursos naturais e os impactos sobre os povos indígenas e a biodiversidade.

Krenak critica a visão antropocêntrica que coloca os humanos no centro, ignorando as interconexões entre todas as formas de vida. Ele destaca a necessidade de repensar nossas relações com a natureza, promovendo uma ética que valorize a diversidade biocultural e respeite os limites do planeta.

Em suma, a compreensão do Antropoceno requer uma abordagem interdisciplinar, integrando os conhecimentos científicos sobre mudanças climáticas com as perspectivas éticas e sociais, como as apresentadas por Lovelock, Crutzen e Ailton Krenak. Essa reflexão crítica é fundamental para orientar ações sustentáveis e mitigar os impactos negativos das atividades humanas sobre o ambiente

quarta-feira, 13 de dezembro de 2023

Pedocracia e Capitalismo : a ditadura dos déspotas mirins.

                                                      

   Por Jessé Chahad

    A psicanalista e pós-doutora em psicanálise clínica, Marcia Neder, trouxe à tona um termo intrigante para descrever uma dinâmica social contemporânea que ela identifica como "pedocracia". Em seu livro "Despotas Mirins: o poder nas novas famílias" e, mais recentemente, em "Os Filhos da Mãe", a autora explora o fenômeno em que o poder nas relações familiares e sociais é exercido de forma significativa pelos filhos.

    Neder destaca a prevalência dessa cultura, ressaltando como ela não se limita apenas ao âmbito familiar, mas também permeia as estruturas educacionais. Em outras palavras, a "pedocracia" se estende para além das fronteiras do lar, moldando as interações não apenas entre pais e filhos, mas também influenciando o ambiente escolar.

    No cerne desse conceito, está a ideia de que os pais e mães contemporâneos muitas vezes se encontram em uma posição subordinada em relação aos filhos. A sociedade, de acordo com Neder, vive sob a égide de uma cultura que coloca as necessidades e desejos das crianças como uma prioridade, moldando não apenas o ambiente familiar, mas também influenciando as instituições educacionais.

    A psicanalista destaca a complexidade de romper com essa cultura arraigada, sugerindo que a "pedocracia" se tornou uma norma internalizada. Esse fenômeno pode gerar uma série de desafios, como a dificuldade dos pais em estabelecer limites adequados, a falta de autonomia das crianças e um desequilíbrio nas relações familiares.

    Ao explorar e discutir a "pedocracia", Marcia Neder levanta questões importantes sobre os paradigmas contemporâneos de poder nas relações familiares e sociais. Seu trabalho convida à reflexão sobre as dinâmicas presentes na criação dos filhos e destaca a necessidade de uma abordagem equilibrada para promover relações saudáveis e desenvolvimento adequado tanto para pais quanto para filhos.


    A relação entre crianças e consumo é uma questão complexa e multifacetada. As crianças são frequentemente vistas como consumidores, e a publicidade e o marketing muitas vezes direcionam suas estratégias para atrair esse público jovem. Há diversas razões pelas quais as crianças são consideradas uma fatia importante do mercado, e uma delas está relacionada à ideia de que elas podem não usar a razão de maneira plena ao fazer escolhas de consumo.

    Em sua fase de desenvolvimento, as crianças estão em processo de aprender e construir suas habilidades cognitivas, incluindo o pensamento lógico e a capacidade de tomar decisões baseadas na razão. Isso significa que, em comparação com adultos, as crianças podem ser mais influenciáveis e suscetíveis a apelos emocionais e visuais presentes na publicidade. Elas podem ser atraídas por cores vibrantes, personagens carismáticos e mensagens simples que despertam emoções.

    Além disso, as crianças muitas vezes têm uma compreensão limitada das estratégias de marketing e podem não ter desenvolvido as habilidades críticas necessárias para analisar e questionar mensagens publicitárias. Essa falta de discernimento pode torná-las alvos mais suscetíveis para estratégias de venda, o que faz com que as empresas vejam nelas uma fatia importante do mercado.

    As crianças também exercem uma influência significativa nas decisões de compra das famílias. Seja por meio de pedidos diretos aos pais ou pela influência que exercem sobre as escolhas familiares, as crianças têm o potencial de moldar as decisões de consumo de um lar.

    No entanto, é importante ressaltar que a relação entre crianças e consumo levanta preocupações éticas. A exploração comercial de crianças pode resultar em práticas que buscam capitalizar sua falta de discernimento e vulnerabilidade. Existem movimentos e regulamentações em diversos países para proteger as crianças contra práticas publicitárias injustas ou enganosas.

    Em suma, a consideração das crianças como consumidores não plenamente racionais destaca a importância de abordagens éticas e regulamentações que protejam os interesses e o bem-estar dos jovens consumidores, garantindo que eles sejam alvo de práticas comerciais responsáveis.

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Contradição: a identidade nacional

Por Jessé A. Chahad
Entre as décadas de 50 e 80, a sociedade brasileira presenciou um movimento pendular de prosperidade que logo depois foi suprimido pelo sentimento de pessimismo.
De maneira geral, é razoável acreditar que o Brasil apresentou grandes taxas de crescimento, e investiu em infra-estrutura de maneira suficiente para o desenvolvimento do sistema capitalista. Assim como até então, os modelos importados, as idéias fora do lugar, a modernização do país se dava tardiamente se comparamos com outros paises, o México, por exemplo.
A inclusão do Brasil no sistema capitalista viria a complementar o modelo americano, criador de modas e costumes que agora contava com a indústria voltada a produção de eletrodomésticos e a indústria da propaganda, ditadora dos novos costumes que deveriam ser difundidos pelo mundo, principalmente após a vitória na Segunda Guerra Mundial.
Se modernidade era malha viária, investimento em energia e participação na sociedade de consumo, então já estava terminado o processo civilizatorio proposto pelo american way of life, mas em um país que já vivia as contradições geradas pelo sistema colonial, e posteriormente pela importação de usos e costumes europeus ficava ainda mais complicado o desenvolvimento real do país.
Novais lembra que historicamente a modernização resultaria da tensão permanente entre o conjunto de valores mercantis, utilitários, (...) capitalistas que corporificados em instituições (...) põe freios ao funcionamento desregulado e socialmente destrutivo do capitalismo, e isso não se configura no Brasil. Sendo assim a seu próprio modo, a sociedade procurou se adaptar, e mesclar seu passado colonial, paternalista e religioso com o mundo freneticamente novo que era trazido de fora mais uma vez.
Citando Caio Prado Jr., não há nexos éticos entre os homens, mas só relações de exploração econômica e de dominação política. A sociedade baseada na idéia do favor e do jeitinho se apropriava do que julgava necessário ao seu desenvolvimento, de um lado a classe dominante se favorecia de diversas inovações tecnológicas, e do outro, a população rural e os descendentes de negros ficavam excluídos do processo, e buscavam se inserir na modernidade abandonando as práticas campesinas e migrando para as cidades.
Com o avanço e consolidação do capitalismo no Brasil, estaria consolidada a cena da luta de classes, com todas as desvantagens necessárias para enfraquecer qualquer movimento, as ditaduras militares viriam a congelar as estruturas de modo que quanto mais o país se desenvolveu e enriqueceu, maior se tornou a população pobre, e a concentração de renda é a maior do mundo, pelo menos até o fim do período recortado.
Nos dias de hoje, o Brasil ainda figura entre os mais ricos, principalmente se considerarmos o seu potencial para o capital financeiro especulativo, a nova face do capitalismo que acirra ainda mais as diferenças e determina de uma vez que a mobilidade social proposta pelo sistema só acontece dentro das classes favorecidas.
Se há uma peculiaridade exclusiva do povo brasileiro, talvez resida na capacidade de se abster e não perceber tais contradições. Um exemplo simples se dá em qualquer fila de banco, onde os pobres se aglomeram, geralmente para pagar alguma conta, que religiosamente deve ser honrada. De pé, e sem direito a um mero copo de água, é raro algum cidadão se lembrar de que o banco que ele está lucra a cada semestre quantias na casa dos bilhões.
A valorização da ética protestante do trabalho ainda faz com que a sociedade busque se inserir no sistema, como empregado, sendo elo principal da corrente que nunca será quebrada, pois o emprego lhe garantiria o mínimo de sustento e de inclusão no mercado de consumo, esse sim o verdadeiro objetivo do brasileiro de hoje. Desde continue exercendo seu papel na divisão do trabalho internacional, e de periferia na economia mundial, tudo continua funcionando perfeitamente para quem está no comando.
Talvez ainda não tenha sido superado o sentido da colonização, de abastecer o mercado externo com matérias primas e ficarmos com o resto de tudo, seja no âmbito social ou cultural. A confusão entre público e privado é herança colonial, e a sociedade brasileira como sociedade de aparências foi tratada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.
A modernização no Brasil não contou com planejamento de acordo com as demandas da nossa sociedade e nem deveria ser, pois serviria e serviu ao capital estrangeiro como sempre foi. Inúmeros são os fenômenos produzidos culturalmente para tentar amenizar as contradições, que sempre deverão existir, pois são parte crucial do funcionamento do capitalismo. Em um jogo de futebol, o esporte símbolo do país, pobres e ricos chegam a ficar lado a lado na torcida, participando do mesmo mundo, em busca de um mesmo ideal, e com condições semelhantes. Porém ao sair do estádio, cada um volta ao seu nicho, e o pobre vai passar a noite tentando voltar de ônibus para casa enquanto seu amigo de agora pouco passa diante de seus olhos de carro importado.
Portanto, se para Maria da Conceição Tavares nós copiamos tudo menos o que é essencial: formas de organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de capacidade autônoma de financiamento e inovação, esse processo não se deu por acaso, pois o que copiamos foi exatamente o necessário para que entrássemos na nova ordem mundial sem a que ocorresse qualquer mudança da estrutura social já presente, e que garantiria permanência das mesmas classes dominantes no poder.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Tensoes sociais na America Latina

Por Jessé A. Chahad
A partir da leitura do trabalho do professor Gabriel Passeti, ficou claro que o papel dos indígenas no processo de guerra no sul da Argentina foi de organização e de estratégia, pois os caciques tinham seus próprios interesses e se aliaram aos políticos provinciais contrários aos interesses portenhos, o que pode ter impossibilitado a prosperidade da pecuária na região ao sul da província de Buenos Aires.[1]
Essa resistência por parte dos nativos aproximou as culturas indígenas e criolla, e fez com que as relações com os portenhos se intensificassem em violência, levando a pratica de genocídio por parte dos portenhos, visto como um modelo exterminador, porem eficaz na supressão dos indígenas.
Essa participação dos caciques na resistência aos portenhos delegou uma maior presença dos nativos no desenvolvimento da nação, com um papel muito maior do que os indígenas brasileiros, por exemplo. As lutas sangrentas mostrariam aos portenhos que não seria fácil a sua dominação, e mostrava que o conflito entre “civilização e barbárie” passaria a ser travado até as suas ultimas conseqüências.
Dentro deste processo, se desenvolve outro, estudado por Ricardo Falcon, o desenvolvimento das relações de trabalho no mundo urbano, em um estudo da Historia Social na Argentina de meados do séc.XIX até o inicio do XX. Neste trabalho, o autor divide atitudes dos trabalhadores em autodisciplina e rechaço ao trabalho.
O autor afirma que inicialmente a autodisciplina só acontece quando existe uma possibilidade de ascensão social por parte dos trabalhadores, ou ainda algum tipo de beneficio a uma camada especial de trabalhadores, favorecidos por alguma conjuntura particular. Ainda existia por parte de mestres artesões, uma ética de trabalho e amor ao oficio, sendo identificado como instrumento de dignificação social. [2]
O rechaço, ou recusa ao trabalho se inicia em sociedades onde não presenciamos uma possibilidade de progresso ou ascensão social, devido ao alcance de um desenvolvimento hegemônico da produção capitalista, [3]onde as relações sociais estão “cristalizadas e estabilizadas”. O autor ainda afirma que a uma pequena distancia entre patrões e empregados, ou mestres e aprendizes poderia induzir a um pensamento de que o empregado poderia “tornar-se patrão” , e que com o aumento dessa distancia, aumenta também de maneira proporcional as insatisfações e recusas ao modo de produção.
As relações também aconteciam com o intermédio de agremiações e sindicatos, que passaram a ter um maior poder após 1900, e passaram a lutar não só por melhores salários, mas também exigiam a redução da jornada de trabalho e a extinção do trabalho por empreitada. Isso acarretou uma mudança de atitude do Estado em relação aos trabalhadores, pois ao lado dos patrões, desenvolveu uma política de repressão e aglutinação, com um protecionismo muito contestado pela massa trabalhadora.
Logo, os sindicatos passaram a rechaçar toda e qualquer intervenção estatal na legislação, principalmente em sua facção anarquista que também em conflito com os socialistas acabaram por abandonar o partido. Aos socialistas parecia mais aceitável a existência de tribunais mistos, juntando operários e patrões.
No México, a formação do estado nacional teve um aspecto particular, pois havia a presença de um exercito camponês, que oferecia resistência invadindo fazendas e ranchos dos colonos e sofriam pesadas represálias do governo, num processo de “pacificação”. O trabalho de Letícia Reina, que analisou com cuidado os documentos, nos mostra como as rebeliões camponesas tiveram papel fundamental na defesa dos interesses da população em retomar as terras comuns que tinham sido usurpadas, [4]e tinham o apoio da guarda nacional. Em defesa da propriedade privada, os fazendeiros chegaram a pedir ajuda as tropas norte-americanas, em um erro estratégico que custaria mais tarde um importante e imenso território. A Igreja católica era a mais poderosa das Américas e tecia aliança com os conservadores que não tinham propostas para os povos indígenas, enquanto os liberais entendiam que o capitalismo, o progresso e a civilização teriam de transformar as comunidades indígenas comunais em propriedade individuais, seguindo o modelo norte-americano.
A disputa entre conservadores (monarquistas) e liberais (republicanos) era acirrada e tinha bases ideológicas realmente opostas, diferenciando – se do Brasil, onde a alternância do poder era tal e qual a mudança de ideologia e opinião de situação e oposição.
Após a venda de territórios aos Estados Unidos, uma disputa se inicia a partir de um desentendimento sobre a localização das fronteiras, e ocorre a invasão norte-americana e a tomada da metade do território mexicano, que humilhado e derrotado vê a vitória do modelo liberal, visto que os conservadores tombaram na guerra.
Os liberais decretaram a desamortização dos bens de corporações civis e religiosas, e com Benito Juarez nacionalizou os bens da Igreja, esta ficando sem a base do seu poder econômico. Reações por parte dos conservadores causaram uma guerra civil, e a procura de um monarca europeu que viesse trazer a “ordem” ao México, Maximiliano de Habsburgo, porem não obteve sucesso em sua vinda, acabando por ser fuzilado a mando de Benito Juarez.
O México então entra em uma fase de crescimento da concentração de terras e consequentemente o empobrecimento dos camponeses que provavelmente desencadeará o colapso social e a revolução mexicana de 1910.
[1] PASSETI, Gabriel, Indígenas e criollos: Política, guerra e traição nas lutas no sul da Argentina (1852-1885),p.273.

[2] FALCON, Ricardo, Aspectos de la cultura del trabajo urbano.Buenos Aires y Rosário, 1860-1914 in : Mundo urbano y cultura popular-estudios de historia social Argentina, p.344.
[3] FALCON, Ricardo, Aspectos de la cultura del trabajo urbano.Buenos Aires y Rosário, 1860-1914 in : Mundo urbano y cultura popular-estudios de historia social Argentina, p.342.

[4]REINA, Letícia, Las rebeliones campesinas em México, 1819-1906, p.157.

sábado, 21 de junho de 2008

O luxo e o lixo: desejo, necessidade e vontade

Por Jessé A. Chahad

Em sua tentativa inovadora para a época, de estudar a civilização material, Fernand Braudel se propõe a estudar a produção e o consumo de alimentos que até então eram desprezados, por não serem considerados importantes na historia da humanidade, no que diz respeito a sua essencialidade para a sobrevivência do homem.
Para Braudel, os produtos considerados supérfluos devem ser abordados, pois o conceito de luxo será para ele fundamental no desenvolvimento do capitalismo e da sociedade consequentemente. Mesmo a idéia do luxo estando presente em civilizações imemoriais, Braudel acredita que após a Idade Média o comercio de produtos de luxo se intensifica, sendo apropriado exclusivamente pela camada aristocrática, criando assim mais um fator de diferenciação social.
De certa forma, este pensamento está em concordância com a tese de Henri Pirenne, que defende que mesmo durante o período medieval mais nefasto, ainda existia o comércio de artigos de luxo. Esses artigos seriam ainda mais valorizados com a descoberta de novos mercados fornecedores de especiarias e matérias primas na era moderna. A comédia do luxo praticada pelas classes dominantes seria depois reproduzida pelas massas, visto que os ricos são condenados (...) a preparar a vida futura dos pobres.
Braudel afirma que a propagação do luxo então seria nada mais do que a apropriação de excedente, em outras palavras, para a existência de tal fenômeno, seria preciso todo um arcabouço, solidificado após o feudalismo, que garantiria que a massa deveria trabalhar, ou seja, produzir o necessário, para sustentar a existência da necessidade do supérfluo.
A meu ver, se o homem é realmente filho do desejo e não da necessidade, não seria lógico ele menosprezar a sua sobrevivência em preferência ao supérfluo. Pelo contrario, apenas após a solução do que é vital, e com todas as necessidades biológicas suplantadas é que surge espaço para aquilo que não é necessário, a idéia da obrigatoriedade do conforto e do prazer obtido através da cultura material. A contradição existente entre a miséria e o luxo, estaria então tencionada a coexistir e através da História devemos problematizar essa coexistência.
Ao falar sobre o período de aumento e retração do consumo de carne na Europa, Braudel demonstra que durante a Idade Média se consumira mais carne do que na era Moderna, e que ainda se comparadas à algumas civilizações asiáticas, a Europa do ocidente poderia ser vista como privilegiada no consumo de carne, mas para além dos séculos XV e XVI, o luxo à mesa seria reservado a poucos.
Como tão amplamente analisado por Norbert Elias, o conceito de civilização foi sendo desenvolvido ao longo de centenas de anos, num processo de longa duração, e teve como função demonstrar que a sociedade ocidente era superior a oriental, constituindo-se esta noção como uma visão de si mesma.
Percebe-se como esta noção vai ganhar uma conotação diferente com a Revolução Francesa, pois agora, o processo civilizador vai ser considerado como algo concluído nos países mais desenvolvidos economicamente, que agora teriam a missão de levar esta civilização a paises menos desenvolvidos, ou seja, a estes territórios considerados inferiores, levariam o mais alto padrão civilizador já alcançado.
Neste momento, começa-se a idéia de tentar ver o desenvolvimento da humanidade através de estágios, na qual existiriam os povos superiores e os povos inferiores.
Durante o próprio século XIX, as novas teorias positivistas dariam o suporte científico a esta visão, o evolucionismo de Spencer e o darwinismo social, procuravam comprovar que as sociedades se encontram em diferentes estágios evolutivos, criando assim a dicotomia bárbaro/civilizado, na qual o homem branco constituir-se-ia como superior, estando no topo da pirâmide racial como o homem civilizado.
É importante lembrar que historicamente a humanidade se organiza de maneira desigual e, a partir do inicio do capitalismo e das sociedades de mercado, ela só prospera em alguns países em detrimento de outros. Enquanto alguns desejarem o supérfluo, não haverá como prover o necessário para todos, já afirmava Braudel.Em outras palavras, enquanto para uns o desejo de satisfazer a vontade do supérfluo é de suma importância, para a maioria tal possibilidade só é possível após a superação do que é realmente necessário para sua sobrevivência.