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domingo, 1 de julho de 2018

Marc Ferrez

                                                                                    Por Jessé A. Chahad

Personagem de extrema importância na História da Fotografia, Marc Ferrez, nascido no Rio de Janeiro em 1843 assistiu ao período de afirmação do Brasil como nação no plano internacional e foi testemunha ativa do impulso inicial tecnológico da fabricação de imagens fotográficas[1]. Dedicou-se à obtenção de paisagens, retratos, arquiteturas, entre outras tantas se tornando talvez o mais importante fotógrafo do período. Filho do escultor francês Zépherin Ferrez, que veio ao País para integrar a Missão Artística Francesa - grupo de artistas convidados pela corte portuguesa então instalada no Brasil para criar aqui uma escola de belas artes - Ferrez nasceu no Rio de Janeiro em 1843. Perdeu os pais muito cedo e sua biografia nestes primeiros anos é um tanto nebulosa. Sabe-se, entretanto, que ele passou uma longa temporada em Paris, onde provavelmente aprendeu um pouco sobre uma invenção recente: a máquina fotográfica.
Entre 1863 e1864 decidiu voltar à terra natal e se estabeleceu como fotógrafo por volta desta época. Mas não era um profissional como a maioria. Desde o início, destacava-se pela pesquisa por novas técnicas e equipamentos. Não o agradava também a rotina de um estúdio, que o obrigaria a passar o dia repetindo retratos posados. Funda então um estabelecimento "especialmente destinado a fazer vistas do Brasil". Comercializa também equipamentos fotográficos, o que lhe garante a independência financeira que o livra dos temíveis retratos.
Sua relação com o Império se iniciou quando realizou uma serie de fotos dos festejos públicos promovidos no Rio de Janeiro por ocasião das comemorações pelo fim da guerra do Paraguai em 1870, quando no verso das fotografias assinava como “fotógrafo da Marinha Imperial e das construções navaes do Rio de Janeiro.” A história mostra que houve outros grandes profissionais em sua época, como Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) e Guilherme Gaensly (1843-1928). Nenhum deles, porém teve uma produção tão ampla e variada quanto Ferrez. Nenhum registrou como ele, imagens das mais diversas regiões do País ou tampouco enxergou tão de perto as transformações de uma nação que procurava deixar para trás um estilo de vida arcaico, marcado pela escravatura, e tentava "civilizar-se".
O “feliz regresso” ao Brasil, no mês de Março de 1872 da primeira viagem de D. Pedro II ao exterior em companhia da Imperatriz Teresa Cristina foram retratadas em série por Marc Ferrez, quem em 1875 começa a trabalhar como fotógrafo da Comissão Geológica do Império, chefiada pelo cientista norte-americano Charles Frederick Hartt e participa da Exposição de Obras Públicas no edifício sede do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Representando o país em exposições nos Estados Unidos e na França, Ferrez levava aos estrangeiros as imagens que mesclavam a natureza abundante com o progresso tecnológico, representados, por exemplo, pela documentação feita sobre obras de canalização, ou construção de ferrovias. O fotógrafo seria ainda inovador ao utilizar pela primeira vez o flash de magnésio para obter imagens do interior de uma mina em Minas Gerais[2].
O fato de as imagens serem seleções particulares dos fotógrafos pode revelar suas intenções, que nem sempre são meramente documentais ou informativas. A professora Annateresa Fabris pensa que de um primeiro registro prototípico, voltado preferencialmente para os monumentos e paisagem, passa-se a documentação de usos e costumes diferentes dos ocidentais, de territórios, de caminhos, com um intuito francamente propagandista. A fotografia torna-se aliada da expansão imperialista[3] .
O interesse pelo registro fotográfico, por exemplo, dos projetos de engenharia dessa época não tinham como intenção o resgate da memória deste momento particular, representado nas fotografias, mas sim a possibilidade de identificar com este passado através dessa reprodução fotográfica um projeto de memorização daquelas obras e projetos[4]. A professora Maria Inez Turazzi ao investigar o papel da atividade fotográfica registrando os projetos de engenharia do Império procurou analisar até que ponto isso poderia ser parte de um esforço consciente na construção de uma herança as gerações futuras como um patrimônio coletivo e memória do sentido do progresso que queriam demonstrar.
Annateresa ainda demonstra que a fotografia tende a construir imagens dos burgueses idealizadas, com as fotos teatrais (cenário e roupas do estúdio) para disfarçar sua condição social, sendo os retratos distantes do indivíduo e perto das máscaras sociais. No entanto as fotos não perdem o caráter de verdadeiro, infalível e de veracidade, sendo estas utilizadas em fotografias criminalísticas como evidência, fotos de guerra, e também fotos de lugares exóticos afirmando ou confirmando a visão já existente (exemplo antigas civilizações). Este tipo de fotografia (de lugares exóticos e antigos) é importante, pois a massificação ocorre com os cartões postais, que realiza uma viagem imaginária e “democratizada”. Este “conhecimento positivo” é a ultima conseqüência da “missão civilizadora” da fotografia. Desta maneira “A fotografia cria uma visão do mundo a partir do mundo, molda um imaginário novo”.
A partir destes trabalhos, podemos concluir que a fotografia foi importante instrumento de afirmação do projeto civilizatório no Brasil iniciado no Império de D.Pedro II, o qual próprio era um adepto fervoroso da moderna invenção de Daguerre. A propaganda gerada de um país progressista e que tinha rompido seus vínculos coloniais era, porém fonte de um modelo também importado e que por isso foi de difícil difusão em um país tão peculiar quanto o Brasil.
Se nos perguntarmos mesmo nos dias de hoje acerca de um sentimento nacional, esbarraremos em regionalismos e dificuldades que duraram como herança de uma rica miscigenação. Talvez justamente essa mistura possa ser entendida como um fator de unificação em torno das diferenças. Mas na prática não é isso que costuma acontecer.
[1] Françoise REYNAUD, O Brasil de Marc Ferrez. In: O Brasil de Marc Ferrez, p.12.

[2] Maria Inez TURAZZI, Cronologia, in: O Brasil de Marc Ferrez, p.305.

[3] Annateresa FABRIS, A invenção da fotografia: repercussões sociais. In: Fotografia.Usos e funções no século XIX,p.32.

[4] Maria Inez TURAZZI. The photographic documentation of nineteenth century engineering projects,p.100

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Utilidade da História: existe?

                                                                                  Por Jessé A. Chahad

Maquiavel certa vez decidira que deveria tecer uma “comparação entre fatos antigos e contemporâneos, de modo a facilitar-lhes (aos homens) a compreensão. Deste modo, meus leitores poderão tirar daqueles livros toda a utilidade que se deve buscar no estudo histórico” [1]. Inicialmente devemos entender que para Maquiavel, conduzido pelas tendências liberais de sua época, produzir uma utilidade para o estudo de História, seria o uso racional do estudo do passado, a fim de que não se cometessem os “mesmos erros” que haviam sido cometidos.
A busca pela melhoria da sociedade através da melhoria dos indivíduos deveria contar com as lições aprendidas sobre fatos históricos, incorporando uma produtividade e uma objetividade necessária a quase todas as questões modernas e contemporâneas. Niestzche afirma que a utilidade, ou valor de uso da história residiria no fato de que “Ele ( o homem) aprende com isso( história) que a grandeza, que existiu uma vez, foi, em todo caso, possível uma vez e, por isso, pode ser que seja possível mais uma vez; segue com ânimo sua marcha, pois agora a dúvida, que o assalta em horas mais fracas, de pensar que talvez queira o impossível é eliminada.[2]
A crítica é direcionada ao culto que os modernos demonstravam para com a Antiguidade Clássica, se referindo as civilizações ocidentais greco-romanas e seus feitos sempre glorificados e louvados de forma a serem tidos como referencial para uma sociedade teoricamente perfeita, que deveria ser tida como exemplo. A Historiografia do início do século XX nos remete ao trecho citado, se lembramos que Fustel de Coulanges em seu esforço de confirmar a existência de uma utilidade para a História, lembra Maquiavel com ressalvas ao afirmar que a “a história não resolve problemas: ela nos ensina a examiná-los (...) como é preciso agir para observar os fatos humanos” [3].
A busca pela verdade era fundamental para a criação de uma utilidade para a História e encontrava barreiras nas narrativas que mitificavam o passado antigo e escondiam seus defeitos e erros, em uma verdadeira operação ideológica que agia em favor da civilização européia ocidental e seus objetivos imperialistas em relação a entre outros feitos, as investidas no ultramar. Este excerto de Marx resume bem a reflexão acerca deste fenômeno: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob as circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e as coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes de empréstimo os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem emprestada[4]
Francisco Murari nos lembra que desde Tucídides e seu relato sobre a Guerra do Peloponeso, a mitificação do passado, ou do indivíduo deve ser evitada, pois desviaria o objetivo maior, o relato da verdade: “Por tais modos narrativos, consagrados por poetas e logógrafos, a narração de histórias sujeitava (e perdia) sua finalidade enquanto memorização de feitos humanos ao sacrificar a expressão da verdade dos acontecimentos em prol da fruição do que era do agrado do público presente a quem fossem contadas. Ordenação da narrativa das ações dos homens pelos efeitos do mito que frustra a valia de suas histórias fazendo desvanecer, pelo deleite fugaz do presente, o alcance perene a que a memória humana almeja por (i)mortalidade.”
Se utilizarmos um anacronismo a nosso favor, poderemos relacionar o modo narrativo mitificante criticado por Tucídides ao modo de narrativa utilizado pelo cinema de Hollywood para agradar seu público e que por diversas vezes se valendo de seu caráter artístico refaz à sua maneira diversas passagens históricas, momentos estes que detém esta alcunha por serem freqüentemente considerados significativos para a mudança da sociedade através dos tempos e que ganham novas leituras, novos significados, e procuram servir a um determinado interesse ideológico e / ou comercial.
Na contramão desta tendência, podemos citar os filmes do diretor americano Clint Eastwood, Letters from Iwo Jima e Flag of our Fathers .O ator que antes era tido como o estereotipo de Dirty Harry deu lugar a um diretor que traz em seus filmes questões dramáticas recheadas de simbolismos e forte apelo emocional, porém sem recorrer ao sensacionalismo. Eastwood parece se utilizar da credibilidade obtida com sua carreira irretocável para atingir o senso comum do público, neste caso com dois filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, especificamente sobre os conflitos travados no Pacífico entre Estados Unidos e Japão. Com um filme falado em inglês e outro em japonês, fica evidente a intenção de situar cada narrativa sob um ponto de vista, ignorando que o fato de que a versão da história contada pelo foco dos japoneses produzida por um americano poderia ser tendenciosa.
Longe de tentar fazer julgamentos, não devemos colocar em dúvida o fato de que o diretor sabia que não era isento ao olhar o passado, e não poderia ter a visão direta do passado, preterida pelos modernos, desejo reforçado mais tarde pelos que buscaram uma verdade histórica e imparcial, praticamente inexistente na realidade. Eastwood mostra que o bem e o mal são duas faces da mesma moeda, ou se quisermos ambos os conceitos existem como trazidos na Ilíada, dentro de um caldeirão onde saem de lá em pares, em outras palavras são inseparáveis, o bem sempre traz consigo algum mal e vice-versa, como também já apontou Maquiavel. Antigos, modernos e contemporâneos se sobrepõem e se confundem na tentativa de explicar dois conceitos aparentemente simples, mas de complexidade histórica.
No final do filme o protagonista já não mais foge do inimigo americano, e sim de seus próprios companheiros. Derrotados, os japoneses acreditam ser heróis ao se suicidar, ou melhor, “morrer lutando”, como traz o filme, e certamente já ouvimos relatos sobre os pilotos kamikaze, sopro divino, que se projetavam contra divisões inteiras do inimigo, se sacrificando pelo bem maior, criando o mito do herói de guerra, por sua vez remetendo a própria antiguidade japonesa.
Ao recusar tal tradição, a personagem se depara com a inversão automática de valores, e a rendição aos americanos, que afinal não podem ser tão ruins assim, parece opção razoável para fugir da ameaça de seus companheiros suicidas. Bem e mal se confundem, e ao conseguir escapar das cavernas e trincheiras onde a morte era certa, a busca pela sobrevivência acima de tudo, o leva a se render aos americanos, agora portadores dos princípios do bem, do novo mundo, da civilização ocidental, gloriosa e portadora da liberdade, inspirada no mundo clássico greco-romano. Ao ser capturado, porém o personagem é executado sumariamente, de maneira usual, é desprezado o seu desejo de rendição; Sua morte traz a idéia novamente de que não existem bem ou mal, e sim os dois juntos, de acordo com o prisma pelo qual procuramos os iluminar.
No outro episódio, Flags of our fathers, Eastwood traz a mitificação do passado histórico através da circulação de uma fotografia produzida durante a guerra. A imagem obtida pelo correspondente de guerra Joe Rosenthal é uma fotografia tida como documental, e figura hoje em diversos volumes sobre a Segunda Guerra, e tem status de representação oficial da conquista de um determinado monte por parte das tropas americanas. Virou um monumento fúnebre, muito visitado por veteranos, em dos cemitérios que mais contem baixas de guerra nos Estados Unidos.
Porém, o filme demonstra que o contexto da imagem foi produzido de maneira diferente do que mais tarde foi circulado de maneira intensiva pela imprensa norte – americana. A construção de imagem heróica daqueles soldados empunhando a fincando no solo a bandeira americana foi utilizada como instrumento para convencer a sociedade de que poderiam vencer a guerra, e serviu como fôlego extra para uma retomada de combates, com mais vigor, pois lutavam do “lado do bem”. A mitificação da conquista americana esconderia as carnificinas executadas pela marinha, e principalmente pelos bombardeios de napalm, responsáveis pela destruição física de mais de 40% do território japonês.
De certa forma, o olhar que Eastwood lança ao criar uma narrativa de cunho histórico, este de acordo com o olhar tucididiano, que “volta a plenificação de sua valia para o futuro, quer imediato quer longínquo, porque os homens desta temporalidade a reconheçam no presente de suas ações”. Mais uma vez voltamos a uma utilidade atribuída ao estudo histórico.
A crítica feita pelo diretor é produzida em um momento em que o seu país, se julga mais do que nunca, o representante do mundo do bem, dos ideais invejáveis e gloriosos, que foram introjetados em diversas culturas mundo afora, sob forma de conquistas bélicas, impondo a democracia e a liberdade, estas forjadas à sua maneira, escondendo interesses comerciais e produzindo anomalias históricas, como a tentativa de destruição do mundo islâmico.
Para estabelecermos uma comparação, um outro filme que vai contra a produção de mitos, é Diário de motocicleta, dirigido pelo brasileiro Walter Salles. O diretor relata um período da vida de Ernesto Guevara, El “Che”. Ao invés de criar um herói de guerra, Salles cria uma narrativa em que o protagonista ainda jovem e antes de se dedicar a luta armada pela revolução, é retratado como um estudante de medicina, caridoso e dedicado, que se mistura aos pobres e leprosos, em busca de curá-los, como Cristo. A desmistificação da imagem que permaneceu após a Revolução Cubana, de um Che Guevara líder heróico que comandou a vitória à custa de métodos violentos, dá lugar à criação de uma outra imagem, que por sua vez reside na característica humana do agente histórico mais influente na visão dos historiadores modernos: o individuo.
Por detrás da sólida carapaça criada pela historiografia que procurou durante muito tempo trabalhar a história através da produção de mitos, a fim de produzir e determinar valores para a sociedade atual, reside a instabilidade e a especificidade inerente a cada ser humano, e sua historicidade não deve ser desprezada, assim como a história das mentalidades deve ser enfatizada na busca de um maior entendimento sobre os fatos ocorridos nas sociedades do passado. Benedetto Croce radicaliza a questão, afirmando que toda história é contemporânea, pois todo o interesse depositado em seu conhecimento é causado por um “interesse da vida do presente”[5].A História Magistra Vitae, conceito difundido e estudado nas academias é presente desde o período clássico até os dias de hoje.
Cinema e História: O Filme e suas possibilidades
No campo do ensino da História, os filmes de cunho histórico são fontes inesgotáveis de possibilidades de propor discussões e provocar a reflexão no estudante.
Se considerarmos que o caráter visual da sociedade atual se sobrepõe aos demais sentidos na percepção e no entendimento da realidade, é razoável a afirmação de que o Cinema é atraente e atinge quase em sua totalidade o dia a dia do estudante, seja do ensino regular ou mesmo superior. A partir da exibição de filmes que trazem em seu conteúdo fatos históricos a serem estudados nos programas tradicionais, o profissional dedicado ao ensino de História consegue ao menos atrair mais atenção para o assunto, o que já é desejável em tempos de tão grande desinteresse pelo estudo por parte dos alunos.
O papel do cinema como formador de opinião, assim como o papel do mercado no sentido de se criar um imaginário e sua mercantilização estarão inseridos no contexto do trabalho, procurando assim encontrar um sentido na produção de obras de acesso ao público em geral que procuram criar um universo mitológico, às vezes maniqueísta e que pode servir aos interesses das grandes empresas, e é de importância do estudo dos historiadores, pois toca na questão da mercantilização do ensino, no sentido de transformar um pedaço da historia em um produto.
A partir deste primeiro momento, a intenção seria realiza debates acerca do assunto trazido pelo filme, e como os fatos foram tratados, a fim de identificar possíveis interpretações e pontos de vista expressos por detrás das imagens, suscitando a curiosidade que levará naturalmente à pesquisa sobre o tema. O filme não seria abordado artisticamente, mas como produto, imagem-objeto que procura compreender não só a obra, mas a realidade que ela representa[6].
A tão criticada indústria cinematográfica hollywoodiana serve de exemplo não apenas por dedicar tantos recursos à produção de filmes “históricos”, que abrangem a sua própria História recente, além de atingir temas Clássicos, como a Guerra de Tróia, ou ainda Rei Arthur, que de longe procuram se inserir no caráter do cinema real, de fidelidade, mas buscam a verossimilhança em suas narrativas, que são sucessos de bilheteria e despertam de alguma forma, por menos louvável que seja, o interesse sobre temas históricos.
Uma questão a ser levantada, por exemplo, pode ser o fato de como algumas lideranças mundiais se apropriam de valores, como a liberdade, igualdade e democracia, e, além disso, constrói uma nova significação destes valores, a fim de justificar um propósito, como no caso da Segunda Guerra, a necessidade da emergência dos Estados Unidos como potência militar e econômica, que deveria liderar o mundo com seus ideais de justiça e libertação.
Sobre a relação entre história e cinema, Marc Ferro nos diz que o cinema tem o poder de se situar a serviço de uma causa, de uma ideologia, explicitamente ou sem colocar abertas as questões, e por isso seria objeto de desejo de controle pelo Estado que procura dominá-lo a seu favor, talvez como elemento formador de opinião. Para o autor, os filmes operam com um modo de ação eficaz e dependem tanto da sociedade que produz o filme, quanto da que o recebe. O autor afirma que tanto as civilizações ocidentais como as orientais tiveram atitudes claras de tentativa de controle do cinema como instrumento de formação de opinião, e cita o exemplo de que em 1975, a exibição de um filme letão na ex-ORTF ( Office de Radiodiffusion-Television Française ) sobre campos de concentração na então União Soviética, o que causou uma intervenção imediata do Partido Comunista Francês. [7]
Ainda hoje podemos identificar essa prática na sociedade norte-americana, altamente militarizada e sempre disposta a endossar um conflito, uma invasão de um país qualquer que não dê liberdade ao seu povo, que não exerça a democracia. Por outro lado, os verdadeiros motivos que deflagram a maioria dos conflitos desde a Primeira Guerra, são quase sempre relacionados às questões de territorialidade, em outras palavras, à conquista e dominação de territórios que dispões de recursos estratégicos, ligados a algum setor da economia.
A produção de filmes de guerra é quase concomitante com a produtividade da indústria bélica estado-unidense, e ambas aumentam seus lucros, e renovam suas tecnologias de maneira impressionante, que nos levam a crer que a relação entre Cinema e História está muito mais presente no dia a dia do que podemos imaginar, e que a construção da memória de um povo, mais ainda, a construção de um senso moral comum de justiça e caráter, passa pelo crivo da indústria cultural e com ela se entrelaça, pois fazem a cultura visual e a sociedade personagens de um mesmo longa metragem.
Sabemos que os filmes não têm a obrigação de serem fiéis à história, porém em um artigo publicado em 1982 na Revista “Médiévales”, François-Jérôme Beaussart faz uma crítica acerca de Excalibur e diz perceber no filme cenas ridículas e fora de época, o que significa uma construção errônea feita sobre o período, o que pode nos ajudar a entender o motivo de sua produção. Diz ele: a reconstituição de dança medieval, que apresenta enormes cavaleiros passando sobre seus ombros largos frágeis senhoritas durante uma espécie de ‘be-bop’ endiabrado. [8] Ou ainda, a ridícula prestação coreográfica que a pobre Igerne, obrigada a executar uma dança provocante e lasciva sob o olhar lúbrico de cavaleiros bêbados, que Beaussart qualifica como um número de music-hall que não teria envergonhado as Salomés dos estúdios da Metro-Goldwin.[9]
Para os historiadores, mais útil do que condenar a presença de duendes e dragões, personagens comuns em filmes que remetem à Idade Média, é explorar a potencialidade deste tipo de documento, e como ele pode ser útil para a produção de conhecimento. Assim considerando, uma utilidade para a História poderia ser produzida a partir da proposta de reflexão acerca dos fatos que mais chamam a atenção da sociedade na longa duração. A indústria cinematográfica enxerga essa utilidade possibilitada pela História, e com diversos interesses traz fatos do passado para serem revistos, e à sua maneira participa ativamente da relação entre o individuo e a história, relação importante para entendermos os humanistas da era moderna.

Humildes conclusões.
A partir do debate aqui suscitado por alguns temas destacados do curso, procurou-se demonstrar que apesar de todas as ressalvas, não podemos atribuir uma utilidade fundamental representada pelo estudo da história. Refletimos sobre algumas questões que procuram definir essa utilidade, ou fazer apologia a ela.
Independente de existir uma utilidade única ou principal para a prática do estudo do passado, será razoável admitir que a utilidade da História não resida em si mesma, nem talvez no fato de podermos aprender com erros do passado a fim de evitá-los no futuro. A utilidade é produzida pelo próprio contexto construído por quem a produz. Em outras palavras, “fazer história é contar uma história” [10]. A superação da história – narrativa pela história-problema não se define por um objeto de estudo, mas sim por um tipo de discurso.
Se quisermos ser audaciosos em nossa analise, poderemos atentar que há milênios o homem vem se perguntando se pode aprender com o passado a ter uma vida melhor no futuro. O tempo passou, e os erros históricos se repetem e se multiplicam pela humanidade, levando a uma instabilidade talvez inédita dentro deste período.Seria inocência de nossa parte acreditar que o homem não consegue aprender com seus erros. A questão pode ser : ele quer parar de cometer esses erros históricos? Ou ainda: serão esses equívocos considerados erros por quem os pratica, ou cabe àqueles que sofrem com as conseqüências de sua prática apontá-los, a fim de que não se repitam?
O que tentou ser demonstrado aqui foi que a busca pela mitificação do passado, através da glorificação de momentos históricos e criação de heróis esteve presente tanto nos antigos quanto nos modernos. No que convencionamos chamar de contemporaneidade, encontramos vestígios que confirmam essa intenção. Os documentos produzidos pela sociedade atual, sejam visuais, ou de outra natureza devem ser problematizados pelo historiador na medida em que não estão livres das ações históricas sofridas pelo homem, o seu agente de modificação mais determinante.
Se a história tem uma utilidade, alguns setores da sociedade já se apoderaram dela, porém cada qual criando a sua própria utilidade para ela. Cabe aos historiadores talvez o papel de identificar esses usos da história, e e estudar como isso influência na formação da sociedade, dentro do seu tempo respectivo, e comparar com ponderação com algum fato do passado histórico. Mas não pela busca da verdade, como preteriam os modernos, pois o conceito de verdade é deveras delicado para ser tido como dogmático. Mas sim , pelo interesse na produção de conhecimento e proposta de reflexão, tentando entender melhor o homem, pois este na condição humana é imperfeito e está distante do mundo idealizado e glorioso idealizado sempre por um passsado inatingível a ser atingido.











Bibliografia
ARENDT, Hannah – Entre o Passado e o Futuro, 2a. edição, tradução de Mauro W. Barbosa de Almeida, 1979.

BEARD, Charles A. That noble dream, The American historical review. New York, 41 (1) :, 1935

CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica in: A escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Meneses, Rio de Janeiro, 1982.

CHARNEY, Leo & SCHWARTZ (orgs), Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna, Cosac & Naify, São Paulo, 2001.


COULANGES, Fustel de , Préface. In: Questions historiques: revues et complétées d´aprés lens notes de l´auteur par Camille Julian, Paris, Librarie Hachette, 1923.

FERRO, Marc, Cinema e História, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992


GRUZINSKI , Serge, La Guerra de Las Imagenes. De Cristóvão Colombo a “Blade Runner”(1492-2019), tradução de Juan José Utrilla, México , Fondo de Cultura Econômica, 1990.

MAQUIAVEL – Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, tradução de Sérgio Fernando Guarischi Bath, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1979.

MENESES, Ulpiano Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório”. Revista Brasileira de História, ANPUH, São Paulo, 23, 2003.

NIETZSCHE, Friedrich, ”Da Utilidade e Desvantagem da História para a Vida”. IN Obras Incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun e tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo, Editora Victor Civita, 1974.
[1] Nicolau MAQUIAVEL – Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, p.17-18.

[2] Friedrich Nietzche, Da Utilidade e Desvantagem da História para a Vida. p. 66-69.


[4]Karl MARX – O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann

[5] Benedetto CROCE, História y crônica, p.11-22
[6] Marc FERRO, O filme: uma contra-análise da realidade? In: LE GOFF, J. e NORA, P. (Orgs) “História: novos objetos”, p.203.

[7] FERRO, Marc. Cinema e História, p.15.

[8] Beaussart, F.-J.. “Mass Media et Moyen Âge: à propos du film: ‘Excalibur’”. In: Médiévales, 1, 1982, p. 34.

[9] Idem, p. 35.
[10] François Furet, A oficina da História, p.81

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Preludio de uma Guerra

Por Jessé A. Chahad

O filme é um documentário que mostra a visão do Governo americano sobre a invasão japonesa na Manchúria, a conquista da Etiópia pelos italianos, e o início da movimentação das tropas nazistas em direção ao Leste Europeu. Em outras palavras, insinuam um movimento de conquista mundial praticado pelos governos fascista.
Os créditos da introdução confirmam o caráter de oficialidade do documento, e reforça a idéia de construção do fato histórico a partir da visão governamental, que procurava justificar a participação dos Estados Unidos no conflito. O filme foi exibido primeiramente apenas para o público militar, e a partir da percepção da eficácia de sua mensagem, foi liberado pelo Governo para o público em geral, desconfiado e temeroso com a globalização do conflito que iniciara na Europa.
A indústria de Hollywood, às vésperas da Segunda Guerra Mundial produzia tantos filmes quanto todas as outras indústrias combinadas, quase dez filmes por semana, e acompanhava o ritmo da corrente Revolução Industrial, que se encontrava em seu auge, e curiosamente após o termino da Guerra havia desmoronado[1]. A propaganda de guerra eficiente escondia as mazelas que acabariam atingindo diversos setores da economia americana, questionando a validade de sua intervenção.
O principal elemento de convencimento trazido pelo filme, é a busca pela Liberdade, conceito que será apropriado pelos Aliados a fim de glorificar a carnificina realizada durante a Guerra. Libertar os povos dominados pelo Nazismo e Fascismo consistia em menor parte conceder a eles autonomia, e sim impor sua política. Sob a bandeira americana se escondiam novos planos de reorganização e dominação mundial.
Na cena em que aparecem dois globos terrestres em rota de colisão, um mais claro, representa os “Aliados da liberdade”, e um outro mais escuro, “o eixo do mal”. A simplificação entre mundo do bem versus mundo do mal, em outras palavras o maniqueísmo propagado pela cena era suficiente e eficiente para a inteligência de uma população com alto índice de analfabetismo[2].
A aprovação popular da participação na Guerra era fundamental, pois propiciava menor crítica à quantidade de dinheiro a ser gasta com tal projeto, e ainda provocava no público o sentimento de responsabilidade perante o conflito, pois se eram tão nobres e justos os ideais libertários e de igualdade, que a população não tinha motivos para não a endossar.
Sabendo que o documentário é o gênero cinematográfico que carrega o estigma compartilhado pela fotografia – de retrato fiel da realidade - devemos entender que o documentário não pode ser considerado um reflexo direto da realidade, mas sim como trabalhos nos quais as imagens dão forma a um discurso narrativo com um significado determinado[3]. Porém, para o público considerado comum, essa especificidade não é levada em consideração, e muitas vezes o Cinema é entendido como capaz de reproduzir fielmente os acontecimentos de um determinado fato histórico, problema que pode ser tratado por aqueles que se dedicam ao ensino da História.

Cinema no ensino de História: O Filme e suas possibilidades
No campo do ensino da História, os filmes de cunho histórico são fontes inesgotáveis de possibilidades de propor discussões e provocar a reflexão no estudante.
Se considerarmos que o caráter visual da sociedade atual se sobrepõe aos demais sentidos na percepção e no entendimento da realidade, é razoável a afirmação de que o Cinema é atraente e atinge quase em sua totalidade o dia a dia do estudante, seja do ensino regular ou mesmo superior. A partir da exibição de filmes que trazem em seu conteúdo fatos históricos a serem estudados nos programas tradicionais, o profissional dedicado ao ensino de História consegue ao menos atrair mais atenção para o assunto, o que já é desejável em tempos de tão grande desinteresse pelo estudo por parte dos alunos.
A partir deste primeiro momento, a intenção seria realiza debates acerca do assunto trazido pelo filme, e como os fatos foram tratados, a fim de identificar possíveis interpretações e pontos de vista expressos por detrás das imagens, suscitando a curiosidade que levará naturalmente à pesquisa sobre o tema.
A tão criticada indústria cinematográfica hollywoodiana serve de exemplo não apenas por dedicar tantos recursos à produção de filmes “históricos”, que abrangem a sua própria História recente, além de atingir temas Clássicos, como a Guerra de Tróia, ou ainda Rei Arthur, que de longe procuram se inserir no caráter do cinema real, de fidelidade, mas buscam a verossimilhança em suas narrativas, que são sucessos de bilheteria e despertam de alguma forma, por menos louvável que seja, o interesse sobre temas históricos.
No Brasil, são pouquíssimos investimentos na produção de filmes, históricos ou não; a indústria e o mercado cinematográfico tentam ressurgir após um longo período lacônico em sua produção, e apenas no início da década de 1990, recomeçaram a surgir com mais força. Evidentemente, uma maior produção de filmes sobre a História do Brasil, produziria também um aumento do público interessado em História, além de possibilitar novas visões e possíveis revisões de alguns momentos cruciais do nosso país, como as discussões proporcionadas pelos diversos filmes feitos sobre a época da Ditadura Militar.

Conclusões
Ao se propor a utilização de filmes, documentários ou mesmo comerciais, no debate e no ensino de História, se propõe acima de tudo a busca de adequação do ensino à demanda da sociedade, a fim de despertar o interesse para a História, e consequentemente propor a reflexão sobre o assunto.
A partir desta proposta, demonstrar ao estudante a potencialidade do Cinema como formador de opinião, e mais, como construtor de memória e idealizador de projetos que contam com uma intencionalidade, e que são produtos de um tempo histórico único, de uma sociedade com características próprias. Despertar essa consciência no estudante por si só já pode ser considerado um resultado positivo.
Para os historiadores, mais importante do que condenar a presença de duendes e dragões, personagens comuns em filmes que remetem à Idade Média, é explorar a potencialidade deste tipo de documento, e como ele pode ser útil para a produção de conhecimento. Cada filme tem suas características próprias de estilo, ação, suspense, comédia, terror, etc.. E o documentário é mais uma forma de expressão cinematográfica, com a especificidade de carregar em si o caráter de oficialidade, de versão “original” da História, que cabe ao historiador problematizar e debater em sala de aula.
Uma questão a ser levantada, por exemplo, pode ser o fato de como algumas lideranças mundiais se apropriam de valores, como a liberdade, igualdade e democracia, e, além disso, constrói uma nova significação destes valores, a fim de justificar um propósito, como no caso da Segunda Guerra, a necessidade da emergência dos Estados Unidos como potência militar e econômica, que deveria liderar o mundo com seus ideais de justiça e libertação.
Ainda hoje podemos identificar essa prática na sociedade americana, altamente militarizada e sempre disposta a endossar um conflito, uma invasão de um país qualquer que não dê liberdade ao seu povo, que não exerça a democracia. Por outro lado, os verdadeiros motivos que deflagram a maioria dos conflitos desde a Primeira Guerra, são quase sempre relacionados às questões de territorialidade, em outras palavras, à conquista e dominação de territórios que dispões de recursos estratégicos, ligados a algum setor da economia.
A produção de filmes de guerra é quase concomitante com a produtividade da indústria bélica estado-unidense, e ambas aumentam seus lucros, e renovam suas tecnologias de maneira impressionante, que nos levam a crer que a relação entre Cinema e História está muito mais presente no dia a dia do que podemos imaginar, e que a construção da memória de um povo, mais ainda, a construção de um senso moral comum de justiça e caráter, passa pelo crivo da indústria cultural e com ela se entrelaça, pois fazem a cultura visual e a sociedade personagens de um mesmo longa metragem.








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[1] Eric HOBSBAWM, As Artes, 1914-1945, in: A Era dos Extremos, p.195.
[2] Idem, p.193.
[3] Robert ROSENSTONE, História em imagens, história em palavras: reflexões sobre as possibilidades de plasmar a história em imagens, p. 08.