domingo, 1 de julho de 2007

Civilização Tropical

Por Jessé A. Chahad
Nos tempos findos dos Impérios, um dos principais objetivos assumidos pela elite era o desafio que representavam a formação da identidade brasileira, ou seja, a construção com pretensões oficiais de um caráter comum ao nível nacional. Ora, pensar no brasileiro de forma homogênea e unificada seria uma enorme tarefa para o recém formado governo, visto o tamanho de nosso território e a sua grande diversidade étnica e cultural, dificuldade esta presente até o inicio do século passado (se não até hoje), exemplificada pela frase de Sérgio Buarque de Holanda: “Somos desterrados em nossa própria terra”.
    O projeto tomaria grande parte da agenda dos primeiros governos, tornando-se uma busca ampla e constante, e se articulando por todo o tecido social. Temos como principal instituição criada nesta época, e que tinha este papel, o de criar uma identidade digna para o Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Criado em 1838, o Instituto tinha como projeto a produção de uma historia nacional, e como meta “o delineamento de um perfil para a ‘Nação brasileira’, capaz de lhe garantir uma identidade própria no conjunto mais amplo das Nações[1]. Neste esforço, o Estado e a elite intelectual se relacionam intimamente[2], tendo no bojo deste projeto político centralizador, um Estado iluminado, esclarecido e civilizador[3]. Lembremos-nos de D. Pedro II, o monarca esclarecido, como exemplo.
    P orém, era aparente a idéia que através deste novo projeto, o Brasil buscaria um modelo a ser seguido. A recém formada nação brasileira deveria guiar-se pelos mais altos padrões civilizatórios do mundo ocidental e, mais importante ainda, servir de guia para as novas nações nascentes. O centro que forneceria estes paradigmas seria a velha Europa, terra que inspirava os mais grandiosos sonhos para a elite brasileira, elite esta sonhava com a modernidade (quando esta se ‘encaixava’ em seus projetos) e os bons costumes do Velho Continente.
    Como tão amplamente analisado por Norbert Elias [4], o conceito de civilização foi sendo desenvolvido ao longo de centenas de anos, num processo de longa duração, e teve como função demonstrar que a sociedade ocidente era superior a oriental, constituindo-se esta noção como uma visão de si mesma[5]. Percebe-se como esta noção vai ganhar uma conotação diferente com a Revolução Francesa, pois agora, o processo civilizador vai ser considerado como algo concluído nos países mais desenvolvidos economicamente (pelo menos nas classes alta e media), que agora teriam a missão de levar esta civilização a paises menos desenvolvidos[6], ou seja, a estes territórios considerados inferiores, levariam o mais alto padrão civilizador já alcançado. Neste momento, começa-se a idéia de tentar ver o desenvolvimento da humanidade através de estágios, na qual existiriam os povos superiores e os povos inferiores.
    Durante o próprio século XIX, as novas teorias positivistas dariam o suporte científico a esta visão, o evolucionismo de Spencer e o darwinismo social, procuravam comprovar que as sociedades se encontram em diferentes estágios evolutivos, podendo ser um mais ou menos avançado, criando assim a dicotomia bárbaro/civilizado, na qual o homem branco constituir-se-ia como o ser mais avançado, estando no topo da pirâmide racial como o homem civilizado.
Estas novas idéias européias encontrariam grande aceitação entre a elite intelectual brasileira - esta sendo também em sua grande maioria a elite econômica - e explicariam o atraso brasileiro em relação ao mundo desenvolvido. Ora, estas idéias teriam que ser pré-selecionadas e adaptadas ao contexto nacional, as exigências da elite local, até porque, alem das diferenças espaciais, temos também diferenças temporais, uma grande defasagem entre o surgimento destas idéias e a chegada delas ao Brasil[7].
    A elite pensante do Brasil teria que conciliar estas idéias principalmente com dois elementos totalmente contrários a estas: o escravismo e a grande miscigenação no território brasileiro. O primeiro se constituiria como símbolo de um Estado atrasado e anti-moderno, e o segundo como elemento de degradação da sociedade, elemento de degeneração da nação, a miscigenação era o pior pesadelo de qualquer sociedade, como podemos ver, por exemplo, nos relatos dos viajantes estrangeiros Luiz Agassiz e Richard Francis Burton que estiveram no Brasil nos anos de 1860[8].
    Logo percebemos que este Brasil qual almejava se tornar um centro difusor da civilização, que se via como herdeiro do projeto civilizador dos portugueses[9], seria extremamente excludente com elementos considerados degeneradores do processo civilizador, como os negros e os índios, no âmbito interno, e as republicas recém independentes da América Latina no âmbito externo.
No tocante ao escravismo, cada vez mais é atribuído a este o motivo do atraso brasileiro e, como solução a uma abolição da escravatura iminente, mostra-se como grande solução à carência de mão-de-obra livre, a reintegração do indígena (este mais valorizado que o negro) [10] . Mas, no debate - e aí reside mais um paradoxo criado pela importação de idéias estrangeiras- entre o uso da mão-de-obra indígena, representando esta o elemento nacional, e o uso da mão-de-obra branca, imigrante, a escolha evidentemente pendeu para o lado desta ultima.
    A solução de suprir a carência de mão-de-obra livre estimulando a imigração européia viria de encontro com a crença da elite na superioridade da raça branca, em suma, com esta medida, alem de dar solução a falta de mão-de-obra livre, se introduziria na sociedade maior numero de pessoas portadoras da civilidade, maior numero de elemento branco significaria um ‘salto’ para o processo civilizador brasileiro, única medida possível para concluir este projeto, tendo em vista que apenas o branco era portador de tal superioridade. Temos aí a política tão conhecida (e um pouco posterior), do branqueamento, ou seja, usando-se da miscigenação - não se problematizando suas implicações negativas segundo o modelo europeu[11]- como instrumento, chegaríamos ao tipo ideal de ‘gente’ civilizada, o homem branco. “A nação […] deve, portanto, surgir como o desdobramento, nos trópicos, de uma civilização branca e européia” [12], foi este o projeto que deveria tornar o Brasil um modelo, uma ‘civilização dos trópicos’.
[1] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional, p. 6.

[2] Idem p.10.

[3] Ibidem, p.11.

[4] Norbert ELIAS, O Processo Civilizador, passim.

[5] Idem.

[6] Ibidem.

[7] Renato ORTIZ, Cultura brasileira e identidade nacional, passim.

[8] Márcia Regina Capelari NAXARA, Cientificismo e sensibilidade romântica.

[9] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional, p. 6.

[10] Idem, Ibidem, p. 24.

[11] Lílian Moritz SCHWARCZ, O Espetáculo das Raças, São Paulo, p18.

[12] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Op. Cit. P.8.

3 comentários:

Anônimo disse...

Estava fazendo um relatório sobre Nação e Civilização nos Trópicos , quando pesquisei o autor do texto, seu blog foi o primeiro colocado!!! Já está ajudando os pobres alunos sem nem mesmo saber!!! hahaha

Jeane

Jessé Chahad disse...

Que bom que este blog esteja sendo útil. A intenção é essa mesmo. Obrigado pelo comentario

Jessé Chahad disse...

Que bom que este blog esteja sendo útil. A intenção é essa mesmo. Obrigado pelo comentario