terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Sociedade do Hedonismo

por Jessé Chahad

Antes de tudo temos que definio que o Hedonismo é uma doutrina, ou filosofia de vida, que defende a busca por prazer como finalidade da vida humana. Buscar prazer é o que move as paixões, os desejos e todo o mecanismo da vida, sendo, portanto, na visão de hedonistas, a primeira e mais completa ponte para a finalidade última da vida: a felicidadeO uso de drogas e bebidas tem uma função diferente de acordo com o contexto histórico. O vinho desde tempos remotos foi utilizado no sentido de busca de prazer, mas sempre dentro do contexto também alimentício, pois acompanhava o banquete. A busca pelo prazer então não estava relacionada diretamente ao consumo do vinho, mas sim ao consumo em grupo e motivado por um evento comemorativo. O mito antigo de Dionísio já alertava que o vinho deveria ser diluído em água, a fim de evitar a embriagues, e exercer o autocontrole. O vinho, ou o uso do vinho no mundo clássico era então sinônimo de  responsabilidade.
Certas drogas, por sua vez foram largamente utilizadas com sentido religioso por diversas civilizações, explorando suas propriedades alucinógenas em práticas rituais, em busca do contato com o sagrado, ou divino. Na América, temos o uso dessas substâncias em todas as civilizações principais, Maias, Astecas e Incas, tanto no contexto religioso, quanto medicinal, dois planos que então não se separavam.
Se utilizarmos um anacronismo a nosso favor, pensando no campo da história, onde a problematização do passado se dá a partir de paradigmas do presente, o uso religioso, medicinal ou social foi suplantado pelo uso em busca do prazer individual e imediato, hedonista, fruto da sociedade extremamente individualizada que carrega o fardo da ditadura da felicidade.
A ingestão de bebidas alcoólicas por si só já virou uma cultura, independente do caráter festivo ou reunião em grupo, mas não mais está ligada à idéia de responsabilidade, e sim pelo contrário, para se permitir ser irresponsável e aproveitar os efeitos da embriagues sem se preocupar com o mundo real. A propaganda divulgava o american way of life como modelo civilizatório e nele estava contida a idéia de prazer, conforto no sentido de ser feliz.
Ora, se o mundo pós-guerra estava destruído, a impossibilidade da felicidade real levava as pessoas à loucura, ou a busca de fuga de realidade, e as bebidas e drogas assumiam novos papéis. As bebidas ainda mais que as drogas, pois enquanto as drogas passaram por um processo de construção de preconceito e proibição que não serão aqui analisados, as bebidas têm a propaganda a seu lado e estão diretamente ligadas a ideia da busca do prazer.
Daí o desenvolvimento de inúmeras doenças crônicas ligadas ao conceito criado de escapismo, como dependência química ou alcoólica. No caso das drogas a proibição gerou problemas estruturais gravíssimos principalmente no terceiro mundo, pois a simples proibição obviamente não acabaria com a demanda da sociedade pelo seu consumo, visto que foi o próprio sistema capitalista pós moderno que levou a inversão de valores e de costumes, pois o escapista quer escapar de algo, e esse algo é o mundo que te obriga a ser feliz, mas não te dá condições materiais de alcançar a felicidade, ainda que fútil e fabricada para mascarar os horrores da guerra.
Para aqueles que não tem interesse no uso de bebidas e drogas em busca do prazer, o capitalismo encontrou a solução através da fetichização de outros alimentos em geral. Retomando a ideia de Braudel do luxo à mesa, e traduzindo o luxo na contemporaneidade por prazer, a criação de um mercado de alimentos que não mais ligados apenas à necessidade de nutrição, funcionam como as drogas e bebidas no sentido do escapismo. A proliferação da obesidade, doença antes considerada genética é evidencia de que a sociedade se alimenta de supérfluos, e essa necessidade vem suprir a demanda pelo prazer, que acontece de maneira legal e indiscriminada, ignorando os malefícios para o organismo, mas feliz em poder consumir aquele produto que a sociedade diz que você deve consumir para ser uma pessoa feliz, sempre com o auxilio da propaganda.
A história da alimentação então relacionada com historia social e cultural nos faz enxergar que os costumes e pratica alimentares da sociedade são parte do seu contexto histórico, e a reinvenção de valores ainda se dá a partir das camadas dominantes. Em tempos contemporâneos de superprodutividade, a fome e a miséria ainda resistem e se institucionalizaram para que pudessem exercer seu papel no sistema capitalista.
A busca pelo prazer nas camadas pobres é realizada pela simples presença da comida, enquanto a minoria abastada cria e recria modas e luxos a fim de buscarem também o seu prazer. Nos dois casos, a realização momentânea de um ato que trará felicidade e satisfação se encerra ao final da refeição. Se alimentar e se divertir ao mesmo tempo é o panis et circenses dos nossos dias que acomoda a sociedade, dando a impressão de estar plena e satisfeita com a nossa realidade apocalíptica e desigual.


Contradição: a identidade nacional

Por Jessé A. Chahad
Entre as décadas de 50 e 80, a sociedade brasileira presenciou um movimento pendular de prosperidade que logo depois foi suprimido pelo sentimento de pessimismo.
De maneira geral, é razoável acreditar que o Brasil apresentou grandes taxas de crescimento, e investiu em infra-estrutura de maneira suficiente para o desenvolvimento do sistema capitalista. Assim como até então, os modelos importados, as idéias fora do lugar, a modernização do país se dava tardiamente se comparamos com outros paises, o México, por exemplo.
A inclusão do Brasil no sistema capitalista viria a complementar o modelo americano, criador de modas e costumes que agora contava com a indústria voltada a produção de eletrodomésticos e a indústria da propaganda, ditadora dos novos costumes que deveriam ser difundidos pelo mundo, principalmente após a vitória na Segunda Guerra Mundial.
Se modernidade era malha viária, investimento em energia e participação na sociedade de consumo, então já estava terminado o processo civilizatorio proposto pelo american way of life, mas em um país que já vivia as contradições geradas pelo sistema colonial, e posteriormente pela importação de usos e costumes europeus ficava ainda mais complicado o desenvolvimento real do país.
Novais lembra que historicamente a modernização resultaria da tensão permanente entre o conjunto de valores mercantis, utilitários, (...) capitalistas que corporificados em instituições (...) põe freios ao funcionamento desregulado e socialmente destrutivo do capitalismo, e isso não se configura no Brasil. Sendo assim a seu próprio modo, a sociedade procurou se adaptar, e mesclar seu passado colonial, paternalista e religioso com o mundo freneticamente novo que era trazido de fora mais uma vez.
Citando Caio Prado Jr., não há nexos éticos entre os homens, mas só relações de exploração econômica e de dominação política. A sociedade baseada na idéia do favor e do jeitinho se apropriava do que julgava necessário ao seu desenvolvimento, de um lado a classe dominante se favorecia de diversas inovações tecnológicas, e do outro, a população rural e os descendentes de negros ficavam excluídos do processo, e buscavam se inserir na modernidade abandonando as práticas campesinas e migrando para as cidades.
Com o avanço e consolidação do capitalismo no Brasil, estaria consolidada a cena da luta de classes, com todas as desvantagens necessárias para enfraquecer qualquer movimento, as ditaduras militares viriam a congelar as estruturas de modo que quanto mais o país se desenvolveu e enriqueceu, maior se tornou a população pobre, e a concentração de renda é a maior do mundo, pelo menos até o fim do período recortado.
Nos dias de hoje, o Brasil ainda figura entre os mais ricos, principalmente se considerarmos o seu potencial para o capital financeiro especulativo, a nova face do capitalismo que acirra ainda mais as diferenças e determina de uma vez que a mobilidade social proposta pelo sistema só acontece dentro das classes favorecidas.
Se há uma peculiaridade exclusiva do povo brasileiro, talvez resida na capacidade de se abster e não perceber tais contradições. Um exemplo simples se dá em qualquer fila de banco, onde os pobres se aglomeram, geralmente para pagar alguma conta, que religiosamente deve ser honrada. De pé, e sem direito a um mero copo de água, é raro algum cidadão se lembrar de que o banco que ele está lucra a cada semestre quantias na casa dos bilhões.
A valorização da ética protestante do trabalho ainda faz com que a sociedade busque se inserir no sistema, como empregado, sendo elo principal da corrente que nunca será quebrada, pois o emprego lhe garantiria o mínimo de sustento e de inclusão no mercado de consumo, esse sim o verdadeiro objetivo do brasileiro de hoje. Desde continue exercendo seu papel na divisão do trabalho internacional, e de periferia na economia mundial, tudo continua funcionando perfeitamente para quem está no comando.
Talvez ainda não tenha sido superado o sentido da colonização, de abastecer o mercado externo com matérias primas e ficarmos com o resto de tudo, seja no âmbito social ou cultural. A confusão entre público e privado é herança colonial, e a sociedade brasileira como sociedade de aparências foi tratada por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil.
A modernização no Brasil não contou com planejamento de acordo com as demandas da nossa sociedade e nem deveria ser, pois serviria e serviu ao capital estrangeiro como sempre foi. Inúmeros são os fenômenos produzidos culturalmente para tentar amenizar as contradições, que sempre deverão existir, pois são parte crucial do funcionamento do capitalismo. Em um jogo de futebol, o esporte símbolo do país, pobres e ricos chegam a ficar lado a lado na torcida, participando do mesmo mundo, em busca de um mesmo ideal, e com condições semelhantes. Porém ao sair do estádio, cada um volta ao seu nicho, e o pobre vai passar a noite tentando voltar de ônibus para casa enquanto seu amigo de agora pouco passa diante de seus olhos de carro importado.
Portanto, se para Maria da Conceição Tavares nós copiamos tudo menos o que é essencial: formas de organização capitalista capazes de assegurar um mínimo de capacidade autônoma de financiamento e inovação, esse processo não se deu por acaso, pois o que copiamos foi exatamente o necessário para que entrássemos na nova ordem mundial sem a que ocorresse qualquer mudança da estrutura social já presente, e que garantiria permanência das mesmas classes dominantes no poder.

domingo, 4 de setembro de 2022

O Escriba e o legado da escrita no Antigo Egito


O Escriba, de Alessandro Roccati, que constitui o terceiro capítulo do trabalho organizado por Sérgio Donadoni, O Homem egípcio, obra que traz estudos de diversos especialistas, retrata a sociedade antiga do Egito a partir da análise de figuras humanas essenciais como o Sacerdote, o Escriba, o Faraó, entre outros.
O desafio é enorme se considerarmos que para o estudo de um período tão distante na cronologia, existam não mais do que fragmentos que procuramos, à luz dos debates atuais, interpretar e entender os aspectos únicos de uma sociedade hierarquizada e bastante organizada dentro dos seus próprios conceitos.
O Escriba será objeto de estudo de Roccati, com o objetivo de demarcar as características que diferenciavam esta categoria da dos indivíduos comuns, a fim de demonstrar a complexidade das relações sociais e políticas do período. Para isso será necessário definir quem era o Escriba, e quais eram suas funções e deveres dentro do sistema de classes e ao longo da passagem do tempo. Além disso, ele se dedica a aspectos de caráter pessoal e intelectual da figura do escriba em sua construção.

Alessandro Roccati, italiano, é graduado em Letras pela Universidade de Roma e com apenas 26 anos já obtivera especialização em Egiptologia em três importantes instituições, entre elas Oxford. Curiosamente seus primeiros trabalhos se iniciaram apenas após sua permanência de dois anos no serviço militar.
Sempre vinculado a museus, procura estudar os papiros, manuscritos, epígrafes, túmulos. Participa de escavações arqueológicas e publica diversos trabalhos dedicados à história da cultura egípcia antiga, sua literatura, seus elementos de linguagem e as características do seu cotidiano em diversos contextos históricos.


Se procurarmos na estrutura do texto fazer uma divisão a fim de facilitar seu entendimento, criaremos na verdade um problema. Apenas a separação necessária entre a introdução acerca do que se trata o estudo, os argumentos defendidos e a conclusão, é utilizada para garantir a fluência, coesão e unidade ao texto. A trajetória da figura do escriba é relatada em diversos momentos do Egito Antigo, destacando em cada período a sua significância e a sua relação com o poder. Isso nos leva a considerar que escrita então, torna-se objeto inseparável de um estudo que se propõe a tratar do Escriba.

Para um especialista em letras clássicas egípcias como Roccati, fica difícil não deixar transparecer em suas palavras, quase que uma apologia à escrita, e mostra como ela se difundiu, e foi utilizada dando exemplos que remetem aos 2º e 3º milênios.
A associação entre língua e escrita era necessária às práticas religiosas e rituais, que conferiam a alguns escribas um caráter quase mágico que o autor explica quando tenta definir o papel do que chama de sacerdote leitor. A leitura ritual, dos textos sagrados requeria a habilidade não só do conhecimento da escrita, mas principalmente a capacidade de interpretação dos signos, que em sua forma gráfica ou lingüística poderiam apresentar significados diferentes se não fossem lidos com destreza.



Se quisermos cometer um anacronismo, podemos comparar as dificuldades do sacerdote leitor ao interpretar os textos sagrados tão distantes no tempo com os problemas correntes da Arqueologia que através de poucos vestígios legados por tempos ainda mais distantes, tentam novas teorias e releituras em busca de equívocos, ou ao menos de novas possibilidades de entendermos aquelas escritas a partir das inovações e descobertas da Lingüística.
Apesar de a condição de escriba se considerada fator de diferenciação social em relação a homens que não liam ou escreviam, a classe estava sujeita a hierarquia interna que se formava de acordo com os níveis de conhecimento e de utilização da escrita. O autor cita como exemplo, os hieróglifos do túmulo de Djau, em Abidos (finais da 4º dinastia, aprox. 2200 a.C.), que revelam que Djau foi escriba dos rolos divinos e era chefe dos que escreviam actas regias, além de ser sacerdote leitor. Em tempos em que estado e religião se fundiam a busca do conhecimento era necessária para ascensão e participação ativa no processo.



De menor importância na hierarquia, mas participativos no funcionamento da sociedade estavam os escribas que apenas podiam ler os números, ou dominavam a escrita de maneira simples, necessária para contabilidade. O registro dos rendimentos propiciava o inventariado dos produtos, e principalmente a distribuição de recursos. A profissão de escriba passa então a ser ambicionada por permitir estar ao lado do corpo administrativo, seja econômico ou religioso, e aproxima o escriba das classes superiores, dos funcionários e sacerdotes, e certas vezes mesmo após sua morte teria garantido certo privilégio ao lado dos deuses.



Ao deixar de lado a questão das funções do escriba, o autor se interessa em trazer aspectos de caráter pessoal em sua construção da figura do escriba. Talvez nem todos gozassem de conhecimento e intelectualidade notável, a maioria talvez apenas reproduzisse mecanicamente os ensinamentos aprendidos. Mas interessa a Roccati a idéia de que cada vez mais o conhecimento trazia intelectualidade, e a escrita, e a leitura fecundariam o embrião que viria a formar a futura classe administrativa dominante de magistrados. Claro, guardadas as proporções de mobilidade social, era inevitável que o conhecimento da escrita era requisito mínimo e cada vez mais importante, se difundindo e multiplicando suas formas de maneiras diversas no longuíssimo tempo.

Podemos pensar a partir de uma passagem do texto, uma citação que segundo o autor vem confirmar um antigo conceito (...) de que a escrita é mais duradoura do que a pedra com que foram construídas as pirâmides e que por isso, quem a sabe utilizar está mais seguro do que as múmias que foram encerradas em suntuosos sepulcros. Devemos lembrar que apesar de sólida, a escrita que até hoje nos é fundamental não se apresenta em blocos, como os das pirâmides. A escrita, como a língua é orgânica e sofre diversas modificações de acordo com o contexto, a cultura e a própria passagem do tempo.
A importância da escrita, e sua transformação de instrumento do Estado a objeto de conhecimento pessoal do escriba, não configuram um deslocamento de sua função, mas talvez a busca de ascensão em uma sociedade marcada fortemente pelas desigualdades e pouca mobilidade. Alessandro Roccati, especialista em línguas, literatura, cultura tece suas teorias dentro de uma esfera acadêmica, fruto de uma sociedade em que a ascensão social é possível através da busca de conhecimento. A cultura da meritocracia pode ou não ser um reflexo dos tempos Antigos, afirmação que talvez jamais venhamos a confirmar, porém influencia a construção da imagem do escriba feita pelo autor no texto.

Dentro de uma sociedade que pretende ser funcional, onde cada figura tem o seu papel, a intenção do texto é mostrar que na antiguidade podemos encontrar subsídios para afirmar que o lugar dos intelectuais, daqueles que tem o conhecimento, é destacado do comum, e sempre está aliado ao poder. Deter o conhecimento nos dias de hoje é deter uma forma de poder sobre os demais, e como só podemos entender o passado a partir das formulações de hoje, não podemos tomar nenhuma construção como fiel, ou definitiva, seja do escriba, seja do funcionário.















Exemplo de papiro egípcio datado de mais de 5.000 anos

sábado, 4 de setembro de 2021

História da Vida Privada no Brasil-Império, a corte e modernidade nacional.

                                                                Por Jessé A. Chahad

A coleção História da Vida Privada no Brasil, dirigida por Fernando Novais é dividida em quatro volumes e constitui uma das obras recentes mais importantes sobre História do Brasil, e representa um marco no mercado editorial brasileiro devido ao sucesso de vendas em um país que lê pouco e compra ainda menos. O enfoque na vida cotidiana faz um recorte da sociedade brasileira e procura através de documentos tidos como privados construírem o ambiente das relações sociais desde o descobrimento até meados do século XX.
A partir da leitura de testamentos, dados do recenseamento, correspondências, fotografias, entre outros documentos, os autores vão traçar dentro da cronologia tradicional, temas pertinentes ao cotidiano do Império, costumes e práticas comuns aos habitantes, além de curiosidades pontuais que fornecem detalhes fundamentais para o entendimento da História, que muitas vezes tem diminuída a sua importância por parte dos historiadores que tratam exclusivamente da História pelo seu viés econômico, ou ainda os que trabalham a História social de uma maneira tradicional, porém com certo conservadorismo que impede novas interpretações acerca da importância dos costumes como retrato e imagem de uma nação.
Esta resenha não pretende ser um resumo do livro, porém devido ao formato da coleção, o qual apresenta uma divisão em capítulos independentes dentro da obra, se considerou necessário produzir o texto de maneira abrangente, com o desafio de representar todo o volume, tendo uma unidade a partir da opção temática da coleção. A riqueza dos detalhes trazidos nos trabalhos demandaria um trabalho maior, e talvez sua utilização em excesso pudesse se limitar à repetição exaustiva de dados.
Na introdução, o historiador Luiz Felipe de Alencastro atenta para a importância de uma obra fundadora do estudo da vida privada no Brasil. Trata-se de Sobrados e Mucambos de Gilberto Freyre, publicado em 1936 e que trazia uma história a partir de diários, correspondências, noticias de jornal e estudos acadêmicos oitocentistas, e polemizava sobre diversas questões da historiografia, como por exemplo, a relação entre senhores e escravos.



Vida publica e privada
No primeiro capítulo do volume, o historiador Luiz Felipe de Alencastro irá tratar de forma geral as condições da vida privada no Império. Inicialmente a sociedade de privilégios será o tema em questão, visto que de certa forma essa condição é determinante para o entendimento de certos fatores, como por exemplo, o que leva as autoridades públicas a terem de dar o aval sobre a posse e gestão de uma propriedade privada muito presente: o escravo. Esse paradoxo iria atravessar os anos da gestão imperial, e o autor demonstra não acreditar que esse escravismo era herança colonial, ou seja, não representava um atraso. Era visto sim, como um projeto para o futuro, que pretendia incluir a escravidão nos quadros do Direito moderno, demonstrando a peculiaridade do tipo de modernidade que procurava se construir[1].
Alencastro irá afirmar que o Rio de Janeiro será local difusor de regras e costumes, por sua vez importados da Europa, seriam moldes para o padrão de comportamento que iria atravessar o país pelo século XIX. Nova contradição se apresenta a partir desse fato, pois as diferenças eram decisivas e por diversas vezes representavam entrave para a difusão do modelo europeu. Vestimentas, instrumentos musicais, e acessórios ditavam os usos e costumes e hierarquizavam a sociedade através da criação de um código de ética, ou melhor, uma etiqueta, que deveria ser seguida à risca - sinal de civilização. Os sapatos, por exemplo, eram peças do vestuário que serviam facilmente como diferenciadores entre classes, visto que apenas homens livres os possuíam, fato endossado por fotografias do período.
As diversas revoltas do período serão tratadas dentro do contexto cultural, e a derrocada do sistema escravista estaria ligada aos conflitos provocados pelos escravos do Oeste paulista no período posterior ao fim do tráfico internacional em 1850. A resistência dos próprios escravos colaborou para que novos tipos de mão de obra passassem a ser vistos como solução econômica para o senhorio[2].
O cotidiano das religiões e crenças foi estudado pelo historiador João José Reis, e nos trouxe um interessante ponto de vista sobre os costumes ligados a morte. A partir da análise de testamentos, Reis tentou demonstrar as preocupações que a morte representava e o imaginário das crenças pós mortem que deveriam garantir antes de tudo, um enterro digno, teria garantia quase de salvação[3]. A presença não só de pessoas próximas, mas se possível ilustres, ao lado de carpideiras em grande número eram de bom gosto e significavam que a pessoa era bem quista. As carpideiras eram profissionais do choro, sua presença demonstrava o caráter cênico e festivo dos rituais de enterro, claro se entender festa no sentido de congregação e comoção social.
Os costumes dos africanos, sabidamente presente em maioria no Império também tem seus próprios rituais de passagem, inclusive com homenagens públicas, de acordo com o prestígio do morto. Apesar de todo o preconceito vindo da sociedade dominante, os escravos não se viam inibidos a demonstrar suas crenças. Ao contrário, eram motivo de resistência e orgulho, além de significarem que a autonomia cultural dos africanos por si só já se constituía, dentro das suas limitações, uma sociedade privada.
O embate entre público e privado vem à tona quando se iniciam as tentativas de transferência dos enterros realizados dentro das igrejas, para locais mais afastados, a fim de se preservar a higiene - conceito fortificado com o liberalismo-e que atingiam as paróquias, que por sua vez, eram dependes de donativos provenientes de testamentos, e de enterros. A chamada reforma por que passariam as instituições religiosas provocaria mudanças, como aponta o autor, a partir de então, a distância entre vivos e mortos, representada pelos cemitérios públicos parece ter criado um esfriamento nas relações com o sagrado[4].Assim requisitava a racionalização proposta pelo modelo liberal, cada vez mais presente e importante para a formação do contexto que viria a se desenrolar.
Ao estudar a opulência na Bahia, a professora Kátia Mattoso irá provocar um deslocamento do foco tradicional que permeiam os estudos sobre o Império, muitas vezes limitados ao Rio de Janeiro. Porém, a influência fluminense se demonstra definitiva na sociedade rural baiana, que procurava se adaptar aos costumes difundidos pela corte. Os relatos de Vilhena sobre a Bahia são trazidos pela autora através de outras obras da historiografia que trataram do tema, assim ela procura construir uma imagem da opulência que difere de certos moldes tradicionais da História.
A opulência era ostentada, e às vezes a ostentação era o mais perto que um plebeu poderia chegar de tal atributo, e mesmo podendo ser fictícia, não deixava de ser elemento de diferenciação social ao passo em que na Europa, a nobreza a via como afirmação de seu poder[5].A distribuição de títulos de fidalguia fazia com que genealogias inteiras fossem criadas, a fim de que com sobrenome de prestígio, um cidadão comum pudesse se diferenciar dos demais e o conduzir a uma função pública, ou qualquer coisa que o aproximasse da aristocracia.
Segundo afirmação de Stuart Schwartz, “apesar da aspiração ao status de nobreza, os senhores de engenho constituíam se essencialmente em uma aristocracia de riqueza e poder, que desempenhou e assumiu muitos dos papeis tradicionais da nobreza portuguesa, mas nunca se tornou um Estado com bases hereditárias”, com essa afirmação Kátia Mattoso demonstra a linha que pretende seguir, ao considerar que a aristocracia baiana nunca viveu escondida atrás dos muros (grifo meu) e atentando para a mobilidade que poderia trazer a simples convivência entre os meios rural e urbano[6]. Sinal disso era a quantidade de dinheiro que circulava em forma de empréstimo, fato bem visto, se considerarmos a tendência de modernização e progresso que estava associada ao sentimento de solidariedade em detrimento do conceito antiquado de usura e da honestidade dos baianos, quase sempre pagadores de suas dívidas.
A autora vai retomar a questão do modelo escravista iniciada por Gilberto Freyre, quando trata da questão dos escravos e trabalhadores livres, estabelecendo entre esses dois personagens da sociedade uma relação de poder, além de comparar os dois estamentos. Para Mattoso, alguns escravos também gozavam de certas regalias, claro de acordo com a posição do senhor a que ele pertence: “o escravo de uma casa de ricos será quase sempre desdenhado pelo seu colega mal nutrido pertencente ao seu vizinho pobre” [7].Essa tese implica a discussão acerca dos diferentes modos de dominação dentro do próprio sistema escravista, mas sem qualquer “brandura” que pode ser erroneamente interpretada.
Muitos trabalhos já foram produzidos, inclusive por Ana Maria Mauad, sobre o papel das imagens na construção dos costumes e do imaginário na sociedade. Quase sempre remetemos ao olhar estrangeiro, que através dos seus viajantes contribuiu com relatos escritos e até fotográficos. Não podemos esquecer da especificidade que pode representar o ponto de vista desses viajantes, em sua maioria em busca do pitoresco e do extraordinário. Portanto devemos ver com algumas ressalvas certas afirmações acerca do assunto, como Mauad nos traz[8], pois a fotografia nos seduz a pensá-la com uma áurea de realismo extremamente significante, porém longe de teor incontestável.
Algumas exceções se apresentam como o fotógrafo Marc Ferrez que procurou retratar também o mundo trabalho, além de figuras ditas comuns ou de pouca importância, mas que são relatos do contraste entre a imagem de modernidade e progresso pretendida pelos governantes e o atraso representado pela miséria e trabalho escravo. Seus trabalhos atravessaram o tempo e são referência tanto no estudo da História do Brasil, quanto no debate sobre o uso de registro fotográfico como documento histórico e todo o problema relacionado à sua pretensa oficialidade.
Seria impossível não se utilizar de fontes iconográficas para a produção do texto, devido à sua notável presença no período e posteriormente sua importância como documento. Ana Maria Mauad vai utilizar imagens em busca de uma visão mais detalhada sobre o significado das representações e construções presentes no material. A fotografia, símbolo da modernidade foi muito utilizada por D Pedro II na construção da imagem que queria demonstrar. Ele mesmo obteve diversas fotografias, inicialmente através da daguerreotipia e mais tarde com o avanço das técnicas de reprodução se utilizou ainda mais em um processo publicitário sem precedentes nos trópicos. Contribuía para isso, a alta taxa de analfabetismo que contribuía para que a fotografia se tornasse uma linguagem mais acessível a todos.
A título de curiosidade, vale lembrar que na Campinas de 1833, o pintor Hercules Florence já havia conseguido desenvolver a fotografia através de técnica própria, fato ainda não tratado de maneira digna pela historiografia e objeto de estudo do historiador Boris Kossoy, especialista em imagens, em diversas de suas obras.
Mais uma vez os costumes importados se impõem, e estão presente nas imagens representadas pelo vestuário, e pelo caráter cênico demonstrado pela analise do cenário. Não só o imperador se preocupava em ser retratado ao lado de bustos de figuras de destaque ou globos geográficos procurando demonstrar sabedoria e cosmopolitismo. As famílias em geral procuravam se retratar com toda pompa exigida pela pequena ética dos costumes. Os escravos ditos domésticos eram por vezes enfeitados e demonstrados com certo orgulho por seus senhores. Porém a expressão nos rostos dos retratados não nos exige muito estudo para que nos dias de hoje possamos ter um sentimento de tristeza oriundo de um período extenso e cruel para os negros no Brasil.
O debate sobre o escravismo tem seqüência no trabalho de Robert W. Slenes que nos apresenta uma carta muito peculiar na qual um jovem dá alforria a sua própria mãe, insinuando a maneira peculiar que se davam as relações sociais no período. A partir de então, o autor irá narrar de maneira detalhada a saga da família Gurgel Mascarenhas, natural de Minas Gerais, mas empreendedores que apostaram em São Paulo. Dentro desse contexto, transparece o crescimento e o desenvolvimento agrícola da região Oeste. Essa família serve como exemplo para os moldes da época, em que o inevitável contato entre senhores e escravos começavam a produzir frutos, ou como no caso,serem incluídos em testamentos filhos antes rejeitados.
Robert Slenes irá contrapor os trabalhos das historiadoras Elizabeth Kuznesof e Hebe Mattos de Castro buscando nesses trabalhos elementos que formassem bases de comparação entre a mobilidade social nas províncias de São Paulo e Rio de Janeiro respectivamente. Nota-se que entre os agricultores o enriquecimento por meio do escravismo era mais freqüente no início de século, e declinou ao passo em que pequenos e médios senhores se encontravam em situação crítica[9].Mais uma vez, a presença de escravos em serviços domésticos convivendo dentro da casa senhorial é vista como fator de certa mobilidade, mesmo dentro do sistema severo qual estava inserido e para o autor, representa uma alteração no quadro da vida privada.
O tema da imigração é estudado no contexto das fazendas de café do oeste paulista, com o imigrante sendo introduzido de maneira gradual junto aos cativos, o que pode ter desencorajado uma massa maior de estrangeiros, assustados com as condições de trabalho e pouco beneficio. Ora, se os modos e costumes eram forjados na colônia e transpassavam o Atlântico, se mostrava necessária uma maior presença de europeus como força de trabalho, com a iminência do fim do escravismo. A chegada de colonos germânicos no o sul do Império, a vinda de portugueses em maior número que antes era freada no período joanino, eram incentivadas com políticas imigrantistas somente a partir de 1818. Terras públicas teriam sido o primeiro atrativo para convencer novos imigrantes a investirem seu próprio capital no país[10]. Nota se não estava se pensando inicialmente em substituição de mão de obra, e sim um sistema de loteamento que propiciasse novos pólos produtores. O quadro imaginado não correspondeu à realidade. A chegada numerosa de imigrantes pobres engrossava as camadas baixas e disputavam ainda trabalho com cativos, que agora trabalhavam em um regime de emprego agora semi – escravista. A situação tem melhoria a partir dos investimentos da corte em infra-estrutura, com a construção de estradas e vias férreas no fim da década de 1850.
Os números apresentados pelos autores merecem destaque, pois ilustram o fluxo migratório para o Brasil: entre 1550 e 1850 chegaram cerca de quatro milhões de africanos, enquanto de 1850 a 1950, 5 milhões entre europeus e asiáticos. Após a abolição, intensificaram se a presença de espanhóis e italianos. A transformação da sociedade era irreversível, e a abolição deu início a uma série de modificações legais e concedeu direitos aos cidadãos, ainda que com todos os problemas que sabemos interferirem de maneira direta quando se trata de uma mudança na ordem privada de um local.
Porém, obviamente notamos nos dias de hoje a herança negativa deste processo que exclui a maioria da população negra, que historicamente busca seu espaço na nova ordem. Lembrando que aos libertos, nada alem de uma falsa liberdade foi concedida, pois não tinham terras, nem condições ou reparos pelos anos de cativeiro. O estereótipo do escravo dava lugar ao do negro liberto, confirmando o preconceito que era reflexo da frustração de uma elite que perdera sua mais lucrativa forma de exploração.
Para simbolizar as transformações defendidas ao longo do trabalho, Evaldo Cabral de Mello irá ao último capitulo reforçar o que vimos anteriormente. Dialogando com Gilberto Freyre, o autor vai fundo na intimidade da ordem privada, e se dedica ao estudo de diários pessoais, uma freqüente prática principalmente entre a elite, chamados de “livros de assento”, “pequenos cadernos onde o chefe da família anotava os principais acontecimentos da história doméstica.”.
O “fim da casa grande” marca o turbulento processo de modernização forçada e inspirada no modelo europeu. O progresso, a republica, o futuro era inevitável e o Brasil procurava se adaptar a nova velocidade dos acontecimentos, a revolução cientifica, aos novos modelos políticos, porém com certo atraso criado pela própria ineficiência do Estado, em tentar impor costumes de caráter civilizatório com moldes próprios e interesses mais do que suspeitos.
A importância da História Privada no Brasil reside nos documentos legados pelas gerações que nos ajudam a entender melhor a sociedade, pois aproxima de maneira incontestável o objeto de estudo sob o prisma do cotidiano e procura mostrar de uma maneira mais prática a presença de fatores que são estudados na academia em forma de teoria pura, e muitas vezes se tornam trabalhos sólidos, porém frios e quase aritméticos.
De certa forma, não há uma tese única a ser defendida, há muito mais. Há um deslocamento do ponto de vista meramente econômico para uma intimidade quase desconhecida pela escola tradicional. A partir deste viés, é que vem à tona os debates da historiografia como sistema escravista, construção do Estado, Independência, etc. Também presente em todas as passagens está a inevitável influência de Gilberto Freyre, polemizado até hoje e às vezes mal interpretado, ele procurou demonstrar que apesar de todo o mal, podemos perceber algumas diferenças entre o nosso sistema escravista, e, por exemplo, o norte americano. Guardadas as questões que surgirão neste intenso processo de análise da complexa obra de Freyre, fica claro que ele se dedicou a inovar ao trazer para a academia o olhar sobre os costumes não só da aristocracia, mas também do insurgente povo brasileiro.

[1] Luis Felipe de ALENCASTRO, Vida privada e ordem privada no Império, in História da Vida Privada no Brasil, p.17.

[2] Idem, p.93.

[3] João José REIS, O cotidiano da morte no Brasil oitocentista, in: História da vida privada no Brasil, p.104.

[4]Idem, p.141.
[5] Kátia M. de Queirós MATTOSO, A opulência na província da Bahia, in: A História da vida privada no Brasil, p.153.

[6] Idem, p.156.
[7] Idem, p.158.

[8] Ana Maria MAUAD, “Para o viajante, a impressão causada pelo olhar é a que fica, fornecendo o estatuto de verdade ao relato. O fato de ele ter estado presente, de ter sido a testemunha ocular de um evento, ou de um hábito cotidiano qualquer, garante a sua narrativa o teor incontestável”. In: Imagem e auto imagem no segundo reinado. In: A História da vida privada no Brasil, p.185.

[9] Robert W. SLENES. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: História da vida privada no Brasil, p.247.

[10] Luiz Felipe de ALENCASTRO, Maria Luiza RENAUX. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In: História da vida privada no Brasil. P.

sexta-feira, 8 de maio de 2020

As Barbas do Imperador

                                                                Por Jessé A. Chahad

Este estudo da pesquisadora Lilia Moritz Schwarcz tem como cenário o Segundo Reinado, época de D. Pedro II, monarca cuja figura já nos é tão conhecida por meio de inúmeras biografias, porém aqui o que se busca são os caminhos de construção do mito de Estado que se formou, seja em esfera oficial na figura do “rei que já era rei antes de nascer”, do “monarca tropical” ou do sábio imperador erudito portador de longas barbas que deveriam realçar sua maturidade e sabedoria mesmo na juventude, como também no imaginário popular, onde D. Pedro II era uma espécie de catalizador de desejos populares que se refletiam nas inúmeras festas do império, oficiais ou não, onde o monarca era sempre figura destacada, fosse ele o personagem principal ou mais um rei entre tantos outros que habitavam o imaginário dos extratos populares naquele período.
Mesmo a representação mais oficial de “monarca tropical”, “Luís XIV dos trópicos”, também é permeada por um repertório muito próprio de símbolos, que a autora tenta desvendar, analisando temas a princípio díspares, como a ritualística calcada na mais profunda tradição européia (porém sempre vinculada ao elemento tropical); a associação de fundo romântico com o índio para um projeto de na nação; a insistência em apresentar uma imagem civilizada (como nas feiras e exposições universais do séc. XIX), porém mesmo neste último caso, por mais que se tentasse fugir do tema, o que sobressaia aos olhos estrangeiros era nossa face exótica, de paraíso edênico, da qual o próprio imperador fazia parte, haja visto que ele próprio sentava na frente dos estandes brasileiros nestas feiras, já à época tentando incorporar o aspecto de “monarca cidadão”, elemento também estudado no livro. Tudo isto tendo em vista ser o Brasil um dos últimos países escravistas do mundo na segunda metade do séc. XIX, o que reforçava ainda mais nosso caráter, no mínimo, exótico.

A idéia, nas palavras da própria autora, é “recuperar meios e processos pelos quais toma forma uma grande representação de D. Pedro II e do Império brasileiro”. Para isto é importante o exame da iconografia e desta representação oficial do imperador, onde o próprio tema das “barbas” do jovem D. Pedro e outros símbolos pensados pela elite do período são cruciais para se analisar seu impacto junto aos elementos populares, que são quem efetivamente “consumirá” esta imagem que irá tornar-se “mítica” e “sagrada”, tendo o apogeu de sua representação nas já citadas festas e, à parte as festas oficiais e outras trazidas pelo colonizador português, são as festas da população de origem africana que possuem o destaque neste contexto.
Apesar da associação oficial com o índio, teorizada em muito por alguns intelectuais do IHGB, bancados por D. Pedro, não podemos esquecer de forma alguma a contribuição dos africanos para a jovem nação que se formava e é por meio destas festas que esta população dialogará com o Império, influenciando e sendo influenciada por este. Podemos dizer que o próprio D. Pedro II e a monarquia compactuaram com esta cultura, que como diz Schwarcz, “ao mesmo tempo em que se europeizou com sua presença, tornou-se mestiça, negra e indígena no convívio”, tornando-se ele um “monarca com muitas coroas”, pois nestas festas o elemento imaginário de fundo monárquico estava sempre presente, fosse nas cavalhadas ou no mito messiânico do sebastianismo (estes de fundo português), fosse nas congadas, festas do Divino, batuques, etc., onde o monarca brasileiro dialogava constantemente com outras “realezas”, inclusive reis africanos eleitos no Brasil, nas congadas, por exemplo.
Mesmo na representação oficial permeada pelo romantismo indigenista, este movimento de influência e re-influência contínua se faz presente, pois se da mesma forma que na literatura e na pintura os índios nunca foram tão brancos, o monarca e a cultura brasileira tornavam-se cada vez mais tropicais, em movimento análogo ao das festas já citados acima. Inclusive, não podemos deixar de citar que apesar da popularidade que a monarquia sempre gozou no Brasil, a figura do imperador começa a perder esta popularidade a partir do momento em que D. Pedro II abandona esta representação de “monarca tropical” e vai aos poucos deixando de lado o caráter “sagrado” e “divino” de sua realeza para assumir a pecha de “monarca cidadão”, com seu livro sempre a mão e a pose de erudito, mecenas do progresso, que tentava passar principalmente ao olhar estrangeiro, que no entanto, sempre deu mais atenção ao nosso lado exótico e ambíguo.

Portanto, ao mesmo tempo em que o Império influenciou e foi influenciado pelas culturas nativas e africanas no campo popular (em que as festas seriam o outro lado do manual de etiqueta da corte), também o foi no campo oficial, ao mesmo tempo “embranquecendo” e europeizando o índio, mas também assumindo uma representação sempre envolta de muitas frutas, animais e outros temas tropicais como o próprio indígena. Por outro lado, ao perder a pompa que ajudava a ligar o imperador à realeza sagrada e mistificada das festas e procissões, começou-se a perder a monarquia no Brasil. Porém, à parte as “maquinações das elites”, como frisa Schwarcz, a monarquia sobreviveu no campo do imaginário popular, em que hábitos de pensamento e mentalidades anteriores à vinda da corte re-traduziram e atualizaram D. Pedro sempre como o eterno monarca tropical.

Utilizando como fontes uma vasta iconografia e dados biográficos sobre D. Pedro II, além de material de época, Lilia Schwarcz aproveita também como documento um tipo de relato interessantíssimo, que é o dos viajantes estrangeiros, principalmente no que concerne às festas, onde acreditamos que esta visão estrangeira seja importante como um todo para tentarmos decifrar algumas das ambigüidades que tanto faziam parte do Brasil, a parte o preconceito destes viajantes, que vindo aqui para pesquisar a fauna e a flora, defrontavam-se com estranhos fenômenos dos homens, na cabeça deles.
Além da população biologicamente mestiçada, estes homens encontravam aqui também uma mestiçagem de costumes e religião, o que, principalmente na mente protestante e racionalista de muitos deles, constituía-se em um absurdo. Porém, mesmo entre estes relatos levantados por Schwarcz, identificamos muitas diferenças entre os autores. Henry Koster e Robert Avé-Lallemant parecem ter gostado da mulher negra e mulata. Já os famosos naturalistas alemães Spix e Martius, apesar da série de análises negativas, se mostravam otimistas em relação ao futuro do Brasil. Carl Seidler, que chegou ao Brasil sem muitas pretensões científicas ou intelectuais, mostra-se por demais preconceituoso.
Os reverendos protestantes Kidder e Fletcher constrangiam-se com a escravidão e a falta de decoro nas cerimônias religiosas, tendo todos eles vivido nas mais diferentes partes do Brasil. À parte suas diferentes motivações, podemos dizer que o fascínio pela natureza, a aversão à escravidão e a indignação contra os rituais religiosos miscigenados são uma constante nas análises de todos. De qualquer maneira, apesar do ranço muitas vezes preconceituoso e da distância com que estes estrangeiros observam o Brasil, é inegável que nestes relatos a nação surge pela primeira vez negra e mestiçada em sua cultura, apesar das tentativas da elite em esconder o elemento negro. Provavelmente, e a autora aponta isto no texto, nasce aqui a representação de nossa cultura popular como sendo mestiça, composta de brancos, negros e índios.
Partindo para uma época diferente, final dos anos 80 do séc. XIX, as análises do alemão Carl von Koseritz são extremamente interessantes para embasar um argumento de decadência da monarquia em comparação com os escritos de Fletcher, por exemplo, já que ambos tiveram a oportunidade de comentar as aparições públicas do imperador. Diz Schwarcz: “Enquanto este último não se cansava de exaltar o luxo e a pompa do palácio e dos cortejos reais, Koseritz traça um quadro caricatural e decadente da corte e de D. Pedro II (...) a distância de trinta anos entre os textos revelava marcas profundas na monarquia”. Entre estas duas visões é bem embasada a transição do monarca sacro e tropical para o monarca cidadão.
Sobre esta nova representação, é importante destacar o empenho pessoal do próprio imperador, que assumia uma postura de cada vez mais tentar veicular uma imagem “civilizada” a seu imenso império rural e escravocrata, inclusive bancando novidades como a fotografia e o telefone entre nós, além do empenho do governo brasileiro em sempre portar-se bem nas já citadas exposições universais, mais um projeto que levava a marca pessoal de incentivo do monarca, porém o que mais ressaltava a olhos estrangeiros era mais uma vez nosso caráter de país com maravilhosa natureza e “bons selvagens”.
No que tange à construção de uma imagem “mítica” ou “sagrada” do imperador, a análise que faz a autora com base na tese de “corpo sagrado” e “corpo político” que toma emprestada de Ernest Kantorowicz é de extrema relevância, pois este “corpo do rei” simbolizava as duas instâncias que viemos tratando desde o início, ou seja, a criação política e institucional da realeza de um lado e a figura mítica, marca do imaginário popular, de outro.
Além de Kantorowicz, Schwarcz utiliza-se fartamente de estudos clássicos anteriores a respeito da monarquia brasileira para construir sua argumentação, como os de José Murilo de Carvalho, Sérgio Buarque de Holanda e José Felipe de Alencastro, entre outros, além de dialogar com outros trabalhos clássicos no campo da sociologia ligada ao estudo de realezas, mais acentuadamente neste caso Norbert Elias, bastante empregado por ela.
Para encerrar, lembramos do resgate que faz a autora desde a morte do imperador (sua famosa barba, que o acompanhou durante a maioria de suas representações, tornava-se mais branca ainda no leito fúnebre, realçando ainda mais este símbolo) e os caminhos que a memória e, por que não, seu “corpo sagrado” toma na primeira república até sua redenção oficial na era Vargas, inclusive com o traslado dos corpos do casal real para Petrópolis, que tornaria-se assim definitivamente a “cidade de Pedro”. Portanto, a par de todos os temas estudados e analisados por Schwarcz, só podemos realmente encerrar com a frase de Mendes Fradique, que abre o livro: “Só uma coisa não fez o grande monarca durante todo o seu feliz reinado: foi a barba”.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Tensoes sociais na America Latina

Por Jessé A. Chahad
A partir da leitura do trabalho do professor Gabriel Passeti, ficou claro que o papel dos indígenas no processo de guerra no sul da Argentina foi de organização e de estratégia, pois os caciques tinham seus próprios interesses e se aliaram aos políticos provinciais contrários aos interesses portenhos, o que pode ter impossibilitado a prosperidade da pecuária na região ao sul da província de Buenos Aires.[1]
Essa resistência por parte dos nativos aproximou as culturas indígenas e criolla, e fez com que as relações com os portenhos se intensificassem em violência, levando a pratica de genocídio por parte dos portenhos, visto como um modelo exterminador, porem eficaz na supressão dos indígenas.
Essa participação dos caciques na resistência aos portenhos delegou uma maior presença dos nativos no desenvolvimento da nação, com um papel muito maior do que os indígenas brasileiros, por exemplo. As lutas sangrentas mostrariam aos portenhos que não seria fácil a sua dominação, e mostrava que o conflito entre “civilização e barbárie” passaria a ser travado até as suas ultimas conseqüências.
Dentro deste processo, se desenvolve outro, estudado por Ricardo Falcon, o desenvolvimento das relações de trabalho no mundo urbano, em um estudo da Historia Social na Argentina de meados do séc.XIX até o inicio do XX. Neste trabalho, o autor divide atitudes dos trabalhadores em autodisciplina e rechaço ao trabalho.
O autor afirma que inicialmente a autodisciplina só acontece quando existe uma possibilidade de ascensão social por parte dos trabalhadores, ou ainda algum tipo de beneficio a uma camada especial de trabalhadores, favorecidos por alguma conjuntura particular. Ainda existia por parte de mestres artesões, uma ética de trabalho e amor ao oficio, sendo identificado como instrumento de dignificação social. [2]
O rechaço, ou recusa ao trabalho se inicia em sociedades onde não presenciamos uma possibilidade de progresso ou ascensão social, devido ao alcance de um desenvolvimento hegemônico da produção capitalista, [3]onde as relações sociais estão “cristalizadas e estabilizadas”. O autor ainda afirma que a uma pequena distancia entre patrões e empregados, ou mestres e aprendizes poderia induzir a um pensamento de que o empregado poderia “tornar-se patrão” , e que com o aumento dessa distancia, aumenta também de maneira proporcional as insatisfações e recusas ao modo de produção.
As relações também aconteciam com o intermédio de agremiações e sindicatos, que passaram a ter um maior poder após 1900, e passaram a lutar não só por melhores salários, mas também exigiam a redução da jornada de trabalho e a extinção do trabalho por empreitada. Isso acarretou uma mudança de atitude do Estado em relação aos trabalhadores, pois ao lado dos patrões, desenvolveu uma política de repressão e aglutinação, com um protecionismo muito contestado pela massa trabalhadora.
Logo, os sindicatos passaram a rechaçar toda e qualquer intervenção estatal na legislação, principalmente em sua facção anarquista que também em conflito com os socialistas acabaram por abandonar o partido. Aos socialistas parecia mais aceitável a existência de tribunais mistos, juntando operários e patrões.
No México, a formação do estado nacional teve um aspecto particular, pois havia a presença de um exercito camponês, que oferecia resistência invadindo fazendas e ranchos dos colonos e sofriam pesadas represálias do governo, num processo de “pacificação”. O trabalho de Letícia Reina, que analisou com cuidado os documentos, nos mostra como as rebeliões camponesas tiveram papel fundamental na defesa dos interesses da população em retomar as terras comuns que tinham sido usurpadas, [4]e tinham o apoio da guarda nacional. Em defesa da propriedade privada, os fazendeiros chegaram a pedir ajuda as tropas norte-americanas, em um erro estratégico que custaria mais tarde um importante e imenso território. A Igreja católica era a mais poderosa das Américas e tecia aliança com os conservadores que não tinham propostas para os povos indígenas, enquanto os liberais entendiam que o capitalismo, o progresso e a civilização teriam de transformar as comunidades indígenas comunais em propriedade individuais, seguindo o modelo norte-americano.
A disputa entre conservadores (monarquistas) e liberais (republicanos) era acirrada e tinha bases ideológicas realmente opostas, diferenciando – se do Brasil, onde a alternância do poder era tal e qual a mudança de ideologia e opinião de situação e oposição.
Após a venda de territórios aos Estados Unidos, uma disputa se inicia a partir de um desentendimento sobre a localização das fronteiras, e ocorre a invasão norte-americana e a tomada da metade do território mexicano, que humilhado e derrotado vê a vitória do modelo liberal, visto que os conservadores tombaram na guerra.
Os liberais decretaram a desamortização dos bens de corporações civis e religiosas, e com Benito Juarez nacionalizou os bens da Igreja, esta ficando sem a base do seu poder econômico. Reações por parte dos conservadores causaram uma guerra civil, e a procura de um monarca europeu que viesse trazer a “ordem” ao México, Maximiliano de Habsburgo, porem não obteve sucesso em sua vinda, acabando por ser fuzilado a mando de Benito Juarez.
O México então entra em uma fase de crescimento da concentração de terras e consequentemente o empobrecimento dos camponeses que provavelmente desencadeará o colapso social e a revolução mexicana de 1910.
[1] PASSETI, Gabriel, Indígenas e criollos: Política, guerra e traição nas lutas no sul da Argentina (1852-1885),p.273.

[2] FALCON, Ricardo, Aspectos de la cultura del trabajo urbano.Buenos Aires y Rosário, 1860-1914 in : Mundo urbano y cultura popular-estudios de historia social Argentina, p.344.
[3] FALCON, Ricardo, Aspectos de la cultura del trabajo urbano.Buenos Aires y Rosário, 1860-1914 in : Mundo urbano y cultura popular-estudios de historia social Argentina, p.342.

[4]REINA, Letícia, Las rebeliones campesinas em México, 1819-1906, p.157.

domingo, 1 de julho de 2018

Marc Ferrez

                                                                                    Por Jessé A. Chahad

Personagem de extrema importância na História da Fotografia, Marc Ferrez, nascido no Rio de Janeiro em 1843 assistiu ao período de afirmação do Brasil como nação no plano internacional e foi testemunha ativa do impulso inicial tecnológico da fabricação de imagens fotográficas[1]. Dedicou-se à obtenção de paisagens, retratos, arquiteturas, entre outras tantas se tornando talvez o mais importante fotógrafo do período. Filho do escultor francês Zépherin Ferrez, que veio ao País para integrar a Missão Artística Francesa - grupo de artistas convidados pela corte portuguesa então instalada no Brasil para criar aqui uma escola de belas artes - Ferrez nasceu no Rio de Janeiro em 1843. Perdeu os pais muito cedo e sua biografia nestes primeiros anos é um tanto nebulosa. Sabe-se, entretanto, que ele passou uma longa temporada em Paris, onde provavelmente aprendeu um pouco sobre uma invenção recente: a máquina fotográfica.
Entre 1863 e1864 decidiu voltar à terra natal e se estabeleceu como fotógrafo por volta desta época. Mas não era um profissional como a maioria. Desde o início, destacava-se pela pesquisa por novas técnicas e equipamentos. Não o agradava também a rotina de um estúdio, que o obrigaria a passar o dia repetindo retratos posados. Funda então um estabelecimento "especialmente destinado a fazer vistas do Brasil". Comercializa também equipamentos fotográficos, o que lhe garante a independência financeira que o livra dos temíveis retratos.
Sua relação com o Império se iniciou quando realizou uma serie de fotos dos festejos públicos promovidos no Rio de Janeiro por ocasião das comemorações pelo fim da guerra do Paraguai em 1870, quando no verso das fotografias assinava como “fotógrafo da Marinha Imperial e das construções navaes do Rio de Janeiro.” A história mostra que houve outros grandes profissionais em sua época, como Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) e Guilherme Gaensly (1843-1928). Nenhum deles, porém teve uma produção tão ampla e variada quanto Ferrez. Nenhum registrou como ele, imagens das mais diversas regiões do País ou tampouco enxergou tão de perto as transformações de uma nação que procurava deixar para trás um estilo de vida arcaico, marcado pela escravatura, e tentava "civilizar-se".
O “feliz regresso” ao Brasil, no mês de Março de 1872 da primeira viagem de D. Pedro II ao exterior em companhia da Imperatriz Teresa Cristina foram retratadas em série por Marc Ferrez, quem em 1875 começa a trabalhar como fotógrafo da Comissão Geológica do Império, chefiada pelo cientista norte-americano Charles Frederick Hartt e participa da Exposição de Obras Públicas no edifício sede do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Representando o país em exposições nos Estados Unidos e na França, Ferrez levava aos estrangeiros as imagens que mesclavam a natureza abundante com o progresso tecnológico, representados, por exemplo, pela documentação feita sobre obras de canalização, ou construção de ferrovias. O fotógrafo seria ainda inovador ao utilizar pela primeira vez o flash de magnésio para obter imagens do interior de uma mina em Minas Gerais[2].
O fato de as imagens serem seleções particulares dos fotógrafos pode revelar suas intenções, que nem sempre são meramente documentais ou informativas. A professora Annateresa Fabris pensa que de um primeiro registro prototípico, voltado preferencialmente para os monumentos e paisagem, passa-se a documentação de usos e costumes diferentes dos ocidentais, de territórios, de caminhos, com um intuito francamente propagandista. A fotografia torna-se aliada da expansão imperialista[3] .
O interesse pelo registro fotográfico, por exemplo, dos projetos de engenharia dessa época não tinham como intenção o resgate da memória deste momento particular, representado nas fotografias, mas sim a possibilidade de identificar com este passado através dessa reprodução fotográfica um projeto de memorização daquelas obras e projetos[4]. A professora Maria Inez Turazzi ao investigar o papel da atividade fotográfica registrando os projetos de engenharia do Império procurou analisar até que ponto isso poderia ser parte de um esforço consciente na construção de uma herança as gerações futuras como um patrimônio coletivo e memória do sentido do progresso que queriam demonstrar.
Annateresa ainda demonstra que a fotografia tende a construir imagens dos burgueses idealizadas, com as fotos teatrais (cenário e roupas do estúdio) para disfarçar sua condição social, sendo os retratos distantes do indivíduo e perto das máscaras sociais. No entanto as fotos não perdem o caráter de verdadeiro, infalível e de veracidade, sendo estas utilizadas em fotografias criminalísticas como evidência, fotos de guerra, e também fotos de lugares exóticos afirmando ou confirmando a visão já existente (exemplo antigas civilizações). Este tipo de fotografia (de lugares exóticos e antigos) é importante, pois a massificação ocorre com os cartões postais, que realiza uma viagem imaginária e “democratizada”. Este “conhecimento positivo” é a ultima conseqüência da “missão civilizadora” da fotografia. Desta maneira “A fotografia cria uma visão do mundo a partir do mundo, molda um imaginário novo”.
A partir destes trabalhos, podemos concluir que a fotografia foi importante instrumento de afirmação do projeto civilizatório no Brasil iniciado no Império de D.Pedro II, o qual próprio era um adepto fervoroso da moderna invenção de Daguerre. A propaganda gerada de um país progressista e que tinha rompido seus vínculos coloniais era, porém fonte de um modelo também importado e que por isso foi de difícil difusão em um país tão peculiar quanto o Brasil.
Se nos perguntarmos mesmo nos dias de hoje acerca de um sentimento nacional, esbarraremos em regionalismos e dificuldades que duraram como herança de uma rica miscigenação. Talvez justamente essa mistura possa ser entendida como um fator de unificação em torno das diferenças. Mas na prática não é isso que costuma acontecer.
[1] Françoise REYNAUD, O Brasil de Marc Ferrez. In: O Brasil de Marc Ferrez, p.12.

[2] Maria Inez TURAZZI, Cronologia, in: O Brasil de Marc Ferrez, p.305.

[3] Annateresa FABRIS, A invenção da fotografia: repercussões sociais. In: Fotografia.Usos e funções no século XIX,p.32.

[4] Maria Inez TURAZZI. The photographic documentation of nineteenth century engineering projects,p.100