terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Sociedade do Hedonismo

por Jessé Chahad

Antes de tudo temos que definio que o Hedonismo é uma doutrina, ou filosofia de vida, que defende a busca por prazer como finalidade da vida humana. Buscar prazer é o que move as paixões, os desejos e todo o mecanismo da vida, sendo, portanto, na visão de hedonistas, a primeira e mais completa ponte para a finalidade última da vida: a felicidadeO uso de drogas e bebidas tem uma função diferente de acordo com o contexto histórico. O vinho desde tempos remotos foi utilizado no sentido de busca de prazer, mas sempre dentro do contexto também alimentício, pois acompanhava o banquete. A busca pelo prazer então não estava relacionada diretamente ao consumo do vinho, mas sim ao consumo em grupo e motivado por um evento comemorativo. O mito antigo de Dionísio já alertava que o vinho deveria ser diluído em água, a fim de evitar a embriagues, e exercer o autocontrole. O vinho, ou o uso do vinho no mundo clássico era então sinônimo de  responsabilidade.
Certas drogas, por sua vez foram largamente utilizadas com sentido religioso por diversas civilizações, explorando suas propriedades alucinógenas em práticas rituais, em busca do contato com o sagrado, ou divino. Na América, temos o uso dessas substâncias em todas as civilizações principais, Maias, Astecas e Incas, tanto no contexto religioso, quanto medicinal, dois planos que então não se separavam.
Se utilizarmos um anacronismo a nosso favor, pensando no campo da história, onde a problematização do passado se dá a partir de paradigmas do presente, o uso religioso, medicinal ou social foi suplantado pelo uso em busca do prazer individual e imediato, hedonista, fruto da sociedade extremamente individualizada que carrega o fardo da ditadura da felicidade.
A ingestão de bebidas alcoólicas por si só já virou uma cultura, independente do caráter festivo ou reunião em grupo, mas não mais está ligada à idéia de responsabilidade, e sim pelo contrário, para se permitir ser irresponsável e aproveitar os efeitos da embriagues sem se preocupar com o mundo real. A propaganda divulgava o american way of life como modelo civilizatório e nele estava contida a idéia de prazer, conforto no sentido de ser feliz.
Ora, se o mundo pós-guerra estava destruído, a impossibilidade da felicidade real levava as pessoas à loucura, ou a busca de fuga de realidade, e as bebidas e drogas assumiam novos papéis. As bebidas ainda mais que as drogas, pois enquanto as drogas passaram por um processo de construção de preconceito e proibição que não serão aqui analisados, as bebidas têm a propaganda a seu lado e estão diretamente ligadas a ideia da busca do prazer.
Daí o desenvolvimento de inúmeras doenças crônicas ligadas ao conceito criado de escapismo, como dependência química ou alcoólica. No caso das drogas a proibição gerou problemas estruturais gravíssimos principalmente no terceiro mundo, pois a simples proibição obviamente não acabaria com a demanda da sociedade pelo seu consumo, visto que foi o próprio sistema capitalista pós moderno que levou a inversão de valores e de costumes, pois o escapista quer escapar de algo, e esse algo é o mundo que te obriga a ser feliz, mas não te dá condições materiais de alcançar a felicidade, ainda que fútil e fabricada para mascarar os horrores da guerra.
Para aqueles que não tem interesse no uso de bebidas e drogas em busca do prazer, o capitalismo encontrou a solução através da fetichização de outros alimentos em geral. Retomando a ideia de Braudel do luxo à mesa, e traduzindo o luxo na contemporaneidade por prazer, a criação de um mercado de alimentos que não mais ligados apenas à necessidade de nutrição, funcionam como as drogas e bebidas no sentido do escapismo. A proliferação da obesidade, doença antes considerada genética é evidencia de que a sociedade se alimenta de supérfluos, e essa necessidade vem suprir a demanda pelo prazer, que acontece de maneira legal e indiscriminada, ignorando os malefícios para o organismo, mas feliz em poder consumir aquele produto que a sociedade diz que você deve consumir para ser uma pessoa feliz, sempre com o auxilio da propaganda.
A história da alimentação então relacionada com historia social e cultural nos faz enxergar que os costumes e pratica alimentares da sociedade são parte do seu contexto histórico, e a reinvenção de valores ainda se dá a partir das camadas dominantes. Em tempos contemporâneos de superprodutividade, a fome e a miséria ainda resistem e se institucionalizaram para que pudessem exercer seu papel no sistema capitalista.
A busca pelo prazer nas camadas pobres é realizada pela simples presença da comida, enquanto a minoria abastada cria e recria modas e luxos a fim de buscarem também o seu prazer. Nos dois casos, a realização momentânea de um ato que trará felicidade e satisfação se encerra ao final da refeição. Se alimentar e se divertir ao mesmo tempo é o panis et circenses dos nossos dias que acomoda a sociedade, dando a impressão de estar plena e satisfeita com a nossa realidade apocalíptica e desigual.


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