domingo, 1 de julho de 2007

Nações e nacionalismos. A aventura brasileira

Por Jessé A. Chahad

No período constituído entre 1848 e 1870, o mundo passa por uma tendência de formação de Estados-nações. França, Itália, Alemanha e também fora da Europa, nos Estados Unidos, a tentativa de manter unidade perante os perigos da fragmentação que resultaram na Guerra Civil, mesmo Restauração Meiji no Japão poderia ser entendida como aparecimento de um sentimento nacionalista. A transformação dessa nação em Estado soberano, com território coerente, definido pela área ocupada por seus membros, que por sua vez era definida por sua história, cultura comum, composição étnica e língua comum[1]era necessária ao Brasil como parte desta tendência global.
Porém, devemos levar em consideração o que Hobsbawm nos lembra sobre a diferença fundamental entre o movimento para fundar Estados-nações e o “nacionalismo”: o primeiro era um programa para construir um artifício político que dizia basear-se no segundo[2]. Ou seja, era possível ser alemão mesmo não estando na Alemanha, o que criava um conceito de nações multinacionais, devido ao forte fluxo migratório mundial.
O Brasil não seria multinacional, pelo contrario, absorveriam os imigrantes na própria nação, o que veio a acontecer mesmo quando as comunidades imigrantes não perderam sua identidade no ”caldeirão das raças” do novo mundo, permaneceram e se tornaram conscientes de sua condição de italianos ou alemães, por exemplo. Era preciso evitar a mistura de raças, visto que no Brasil a maioria de negros era vista como prejudicial ao desenvolvimento da civilização, onde quanto maior a migração dos povos, tanto mais rápido o desenvolvimento das cidades e da indústria, que lançava massas desenraizadas umas contra as outras, e tanto maior a base para a consciência nacional entre os desenraizados[3].
Portanto era preciso um reforço ao caráter civilizatório que significara a colonização brasileira, mas agora à luz da modernidade, do século das revoluções cientificas e surgimentos de novos ideais políticos e da luta de classes que geravam uma demanda por uma centralidade e unidade em defesa de seu território e auto-afirmação como soberanos perante o cenário internacional. O distanciamento do passado seria conseguido através da “revogação da velha ordem colonial e patriarcal, com todas as conseqüências morais, sociais e políticas que ela acarretou e continua a acarretar” [4] .O desenvolvimento cafeeiro, no oeste paulista, o desenvolvimento da comunicação e dos transportes através da construção de vias férreas criaria uma relação de interdependência entre a cidade e o campo, substituindo o total isolamento antes marcado pela ausência de um mercado interno e do crescimento polarizado e desordenado. Tratando dos ideais da sociedade, Sergio Buarque de Holanda afirma que o modelo ideário arcaico implantado anteriormente, após a independência tentou ser substituído pelo modelo importado em parte das idéias da revolução francesa, o que teria sido problemático mais uma vez, causando apenas uma mudança de aparato, e não de substância.
Os investimentos em cultura feitos por Pedro II proporcionaram uma monumentalização do passado, necessária a construção do conceito de nação e com a ajuda do romantismo foi articulada por literatos, pintores e reforçada pelo caráter pictórico das primeiras fotografias. A literatura romântica indianista, de Gonçalves Dias e José de Alencar participava talvez sem saber do projeto de mitificação da “moderna” sociedade brasileira em construção através de obras como O Guarani, e Iracema. A Academia de Belas Artes trabalhava em função de um academicismo de obras neoclássicas, obras históricas e fundamentais para a consolidação de um passado glorioso. Vítor Meireles e Pedro Américo foram representantes importantes no sentido da construção das novas feições visuais da nação. Obras como A batalha do Avaí, e O grito do Ipiranga, respectivamente de 1877 e 1888 foram feitas por encomenda do Imperador.
Sabemos hoje através dos estudos da historiadora Ana Maria Mauad que Pedro Américo chocou ao retratar com exímia fidelidade os movimentos do cavalgar das figuras eqüestres em suas pintura, revelando ângulos inesperados e realistas e que foram inspirados pelos primeiros estudos de movimentos realizados pelo fotógrafo Edward Muybridge, que Pedro Américo teve contato durante suas pesquisas para realização de suas obras.
Apesar da associação oficial com o índio, teorizada em muito por alguns intelectuais do IHGB, bancados por D. Pedro, não podemos esquecer de forma alguma a contribuição dos africanos para a jovem nação que se formava e é por meio destas festas que esta população dialogará com o Império, influenciando e sendo influenciada por este. Podemos dizer que o próprio D. Pedro II e a monarquia compactuaram com esta cultura, que como diz Schwarcz, “ao mesmo tempo em que se europeizou com sua presença, tornou-se mestiça, negra e indígena no convívio”, tornando-se ele um “monarca com muitas coroas”, pois nestas festas o elemento imaginário de fundo monárquico estava sempre presente, fosse nas cavalhadas ou no mito messiânico do sebastianismo (estes de fundo português), fosse nas congadas, festas do Divino, batuques, etc., onde o monarca brasileiro dialogava constantemente com outras “realezas”, inclusive reis africanos eleitos no Brasil, nas congadas, por exemplo. Mesmo na representação oficial permeada pelo romantismo indigenista, este movimento de influência e re-influência contínua se faz presente, pois se da mesma forma que na literatura e na pintura os índios nunca foram tão brancos, o monarca e a cultura brasileira tornavam-se cada vez mais tropicais, em movimento análogo ao das festas já citados acima.
Inclusive, não podemos deixar de citar apesar da popularidade que a monarquia sempre gozou no Brasil, a figura do imperador começa a perder esta popularidade a partir do momento em que D. Pedro II abandona esta representação de “monarca tropical” e aos poucos vai deixando de lado o caráter “sagrado” e “divino” de sua realeza para assumir a pecha de “monarca cidadão”. Com seu livro sempre a mão e a pose de erudito, mecenas do progresso, que tentava passar principalmente ao olhar estrangeiro que, no entanto, sempre deu mais atenção ao nosso lado exótico e ambíguo.
[1] Eric J.HOBSBAWM, A era do Capital, p.128.

[2] Idem, p.133.

[3] Eric J. HOBSBAWM, A era dos Impérios, p.220.

[4] Sergio Buarque de HOLANDA, Raízes do Brasil, p.180.

Civilização Tropical

Por Jessé A. Chahad
Nos tempos findos dos Impérios, um dos principais objetivos assumidos pela elite era o desafio que representavam a formação da identidade brasileira, ou seja, a construção com pretensões oficiais de um caráter comum ao nível nacional. Ora, pensar no brasileiro de forma homogênea e unificada seria uma enorme tarefa para o recém formado governo, visto o tamanho de nosso território e a sua grande diversidade étnica e cultural, dificuldade esta presente até o inicio do século passado (se não até hoje), exemplificada pela frase de Sérgio Buarque de Holanda: “Somos desterrados em nossa própria terra”.
    O projeto tomaria grande parte da agenda dos primeiros governos, tornando-se uma busca ampla e constante, e se articulando por todo o tecido social. Temos como principal instituição criada nesta época, e que tinha este papel, o de criar uma identidade digna para o Brasil, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Criado em 1838, o Instituto tinha como projeto a produção de uma historia nacional, e como meta “o delineamento de um perfil para a ‘Nação brasileira’, capaz de lhe garantir uma identidade própria no conjunto mais amplo das Nações[1]. Neste esforço, o Estado e a elite intelectual se relacionam intimamente[2], tendo no bojo deste projeto político centralizador, um Estado iluminado, esclarecido e civilizador[3]. Lembremos-nos de D. Pedro II, o monarca esclarecido, como exemplo.
    P orém, era aparente a idéia que através deste novo projeto, o Brasil buscaria um modelo a ser seguido. A recém formada nação brasileira deveria guiar-se pelos mais altos padrões civilizatórios do mundo ocidental e, mais importante ainda, servir de guia para as novas nações nascentes. O centro que forneceria estes paradigmas seria a velha Europa, terra que inspirava os mais grandiosos sonhos para a elite brasileira, elite esta sonhava com a modernidade (quando esta se ‘encaixava’ em seus projetos) e os bons costumes do Velho Continente.
    Como tão amplamente analisado por Norbert Elias [4], o conceito de civilização foi sendo desenvolvido ao longo de centenas de anos, num processo de longa duração, e teve como função demonstrar que a sociedade ocidente era superior a oriental, constituindo-se esta noção como uma visão de si mesma[5]. Percebe-se como esta noção vai ganhar uma conotação diferente com a Revolução Francesa, pois agora, o processo civilizador vai ser considerado como algo concluído nos países mais desenvolvidos economicamente (pelo menos nas classes alta e media), que agora teriam a missão de levar esta civilização a paises menos desenvolvidos[6], ou seja, a estes territórios considerados inferiores, levariam o mais alto padrão civilizador já alcançado. Neste momento, começa-se a idéia de tentar ver o desenvolvimento da humanidade através de estágios, na qual existiriam os povos superiores e os povos inferiores.
    Durante o próprio século XIX, as novas teorias positivistas dariam o suporte científico a esta visão, o evolucionismo de Spencer e o darwinismo social, procuravam comprovar que as sociedades se encontram em diferentes estágios evolutivos, podendo ser um mais ou menos avançado, criando assim a dicotomia bárbaro/civilizado, na qual o homem branco constituir-se-ia como o ser mais avançado, estando no topo da pirâmide racial como o homem civilizado.
Estas novas idéias européias encontrariam grande aceitação entre a elite intelectual brasileira - esta sendo também em sua grande maioria a elite econômica - e explicariam o atraso brasileiro em relação ao mundo desenvolvido. Ora, estas idéias teriam que ser pré-selecionadas e adaptadas ao contexto nacional, as exigências da elite local, até porque, alem das diferenças espaciais, temos também diferenças temporais, uma grande defasagem entre o surgimento destas idéias e a chegada delas ao Brasil[7].
    A elite pensante do Brasil teria que conciliar estas idéias principalmente com dois elementos totalmente contrários a estas: o escravismo e a grande miscigenação no território brasileiro. O primeiro se constituiria como símbolo de um Estado atrasado e anti-moderno, e o segundo como elemento de degradação da sociedade, elemento de degeneração da nação, a miscigenação era o pior pesadelo de qualquer sociedade, como podemos ver, por exemplo, nos relatos dos viajantes estrangeiros Luiz Agassiz e Richard Francis Burton que estiveram no Brasil nos anos de 1860[8].
    Logo percebemos que este Brasil qual almejava se tornar um centro difusor da civilização, que se via como herdeiro do projeto civilizador dos portugueses[9], seria extremamente excludente com elementos considerados degeneradores do processo civilizador, como os negros e os índios, no âmbito interno, e as republicas recém independentes da América Latina no âmbito externo.
No tocante ao escravismo, cada vez mais é atribuído a este o motivo do atraso brasileiro e, como solução a uma abolição da escravatura iminente, mostra-se como grande solução à carência de mão-de-obra livre, a reintegração do indígena (este mais valorizado que o negro) [10] . Mas, no debate - e aí reside mais um paradoxo criado pela importação de idéias estrangeiras- entre o uso da mão-de-obra indígena, representando esta o elemento nacional, e o uso da mão-de-obra branca, imigrante, a escolha evidentemente pendeu para o lado desta ultima.
    A solução de suprir a carência de mão-de-obra livre estimulando a imigração européia viria de encontro com a crença da elite na superioridade da raça branca, em suma, com esta medida, alem de dar solução a falta de mão-de-obra livre, se introduziria na sociedade maior numero de pessoas portadoras da civilidade, maior numero de elemento branco significaria um ‘salto’ para o processo civilizador brasileiro, única medida possível para concluir este projeto, tendo em vista que apenas o branco era portador de tal superioridade. Temos aí a política tão conhecida (e um pouco posterior), do branqueamento, ou seja, usando-se da miscigenação - não se problematizando suas implicações negativas segundo o modelo europeu[11]- como instrumento, chegaríamos ao tipo ideal de ‘gente’ civilizada, o homem branco. “A nação […] deve, portanto, surgir como o desdobramento, nos trópicos, de uma civilização branca e européia” [12], foi este o projeto que deveria tornar o Brasil um modelo, uma ‘civilização dos trópicos’.
[1] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional, p. 6.

[2] Idem p.10.

[3] Ibidem, p.11.

[4] Norbert ELIAS, O Processo Civilizador, passim.

[5] Idem.

[6] Ibidem.

[7] Renato ORTIZ, Cultura brasileira e identidade nacional, passim.

[8] Márcia Regina Capelari NAXARA, Cientificismo e sensibilidade romântica.

[9] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Nação e Civilização nos Trópicos: O Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional, p. 6.

[10] Idem, Ibidem, p. 24.

[11] Lílian Moritz SCHWARCZ, O Espetáculo das Raças, São Paulo, p18.

[12] Manoel Luis Salgado GUIMARÃES, Op. Cit. P.8.