terça-feira, 20 de março de 2007
O País da Cocanha - O reflexo da utopia medieval nos tempos modernos.
domingo, 25 de fevereiro de 2007
História da Revolução Mexicana - Construção da Imagem pelas Fotografias
A fotografia enquanto representação do real, muitas vezes assume caráter de documentação oficial, como no caso da Revolução Mexicana. Esse fato apenas reforça a tese de que a fotografia pode ser utilizada para a construção de um papel interpretativo da realidade e ainda mais: o seu caráter realista, proveniente da relação entre o momento real e o momento retratado, aliado ao caráter de oficialização acaba quase por determinar que contra as fotografias não existam argumentos possíveis de dubiedade.
É neste momento que devemos ser cautelosos e recorrermos aos documentos fotográficos como fontes passíveis de algumas diferentes interpretações, além de ressaltar que toda fotografia enquanto produto cultural é trabalho de um fotógrafo, o qual também está inserido em um contexto particular e serve a um propósito ora pessoal, ora pré-determinado por alguma ideologia, ou motivação profissional.Weinstein & Booth são citados por Boris Kossoy em seu livro Fotografia e História, e aqui retomamos sua premissa para este trabaho: “perceber na imagem o que esta nas entrelinhas, assim como o fazemos em relação aos textos”, “precisamos aprender a esmiuçar as fotografias criticamente, interrogativamente e especulativamente(...).[1]
A partir deste viés, tentaremos demonstrar que a produção das imagens que iremos analisar viria a satisfazer uma pré-disposição a que se legitimava toda a luta revolucionária, e que mesmo com seus períodos de ascensão e queda de poder, a fotografia esteve presente, tentando se manter isenta, através dos Casasola, porém auxiliando a ambos os lados a criar os mitos que iriam transpor os muros cronológicos dos acontecimentos e ecoariam hoje no imaginário da população mexicana.
Sobre a Revolução
A Revolução Mexicana pode ser considerada a primeira a se desenvolver diretamente no contexto das contradições internas do Imperialismo que contou com a decisiva participação das massas trabalhadoras[2], tanto camponesas quanto operárias, unindo o sul rural e o norte semi-industrializado sob a mesma luta. A revolução tem sua cronologia marcada pode se dizer em três fases, a primeira, iniciando-se em 1910 com a derrubada do ditador que iria para o seu sétimo mandato, Porfírio Diaz, e a tentativa de fracassada do levante do líder do partido anti-reeleccionista Francisco Maderos, marca o que se convenciona chamar do inicio da fase política da revolução, a revolução maderista. Após cinco meses de batalhas, Diaz renuncia e nomeia um substituto que viria a convocar novas eleições. Em outubro de 1911, Maderos é eleito com 53% dos votos, agora pelo Partido Progressista Constitucional.
Após duas tentativas de golpes fracassados, os remanescentes do porfiriato chegaram ao poder através do Comandante das tropas federais, Victoriano Huerta, que traindo o país e a pátria, assassinou o presidente Maderos e seu vice, e assumiu o poder, no episodio que ficou conhecido como la decena trágica.( 9 a 18 de fevereiro de 1913)
O governo de Huerta inauguraria uma nova fase revolucionaria que contaria de certa forma com o apoio internacional, dos países que não reconheceriam a oficialidade da tomada de poder. As tropas Zapatistas continuaram a luta, ao lado de Villa e Obregón, e mais uma nova força representada pelo Governador Venustiano Carranza, aliado as forças políticas do estado de Sonora. A partir de 1914, inicia-se a fase mais problemática do processo revolucionário, com a fragmentação das forças antes conjuntas e a radicalidade das facções camponesas que se opunham aos constitucionalistas.
Liderados pela Divisão do Norte, um exército de mais de trinta mil pessoas entre camponeses, mineradores, boiadeiros, ferroviários, bandidos e desocupados era liderado pelo líder popular Pancho Villa. Ao sul, dez mil guerrilheiros todos camponeses exigindo a devolução das terras usurpadas pelos grandes fazendeiros do açúcar. Os conflitos se arrastariam com vitórias e derrotas para todos, levando o Estado Mexicano a exaurir suas economias, e paralisar o crescimento e desenvolvimento do país.
A convocação para a eleição de uma Assembléia Constituinte em 1917 decide dar um rumo à política nacional, e logo em seguida Carranza é eleito Presidente e retoma certo ar de retorno do México do crescimento de sua economia, até nova investida da oposição, dessa vez liderada por Álvares Obregón. A briga pelo poder causou uma onda de violência que durou de 1918 a 1920, e terminou com a posse de Obregón. A partir daí, a revolução seria institucionalizada e o Norte viria a dominar a cena durante um longo período, o que faz com a periodização sobre a revolução mexicana seja motivo de discórdia na historiografia. [3]
Geração Casasola
Augustin Victor Casasola, nasceu em julho de 1874, aos vinte anos de idade já trabalhava como repórter e fotógrafo. Em 1912 ele funda uma agência de fotógrafos, a qual contava com o slogan: “Tengo o hago la foto que usted necesite”. A agência atendia a revistas, jornais, e ao público em geral. Afora Victor, trabalhava na agência também os seus irmãos, Miguel e Ismael. Este era o início de uma família que viria a atravessar as gerações servindo ao oficio da fotografia e da História do México.
Alem de fotógrafo, Augustin Victor era acima de tudo um colecionador apaixonado, sendo este um dos fatores mais problemáticos no tocante à identificação das fotografias e ao ano de produção das mesmas. Existem duvidas em relação à autoria de algumas obras, pois a agência também contava com nomes como o de Francisco Ramirez e Rafael López Ortega. O que sabemos ao certo é que havia uma obsessão de Augustin de formar um arquivo fotográfico a serviço da História do México. Após sua morte prematura em 1936, a família reuniu durante décadas um volume impressionante de imagens. Este belo arquivo que foi inaugurado em 1976, e conta com cerca de 600 mil peças, o chamado Arquivo Casasola está sob a guarda da Fototeca de Pachuca, vinculada ao Instituto Nacional de Antropologia e História do Estado Mexicano, e é considerado por alguns, o acervo fotográfico mais rico para se entender a história e a sociedade da primeira metade do século XX.
Pode parecer pretensioso, mas não seria der todo exagerado dizer que Augustin Victor participou dos primórdios do que conhecemos hoje como foto-jornalismo, devido à presença dos fotógrafos do “clã” diretamente nos eventos decisivos da Revolução, tanto nos momentos gloriosos, quanto no cotidiano de guerrilha, se é que se podemos falar nesses termos, os Casasola arriscaram a vida e se viram obrigados ora a registrar os triunfos dos federalistas no poder e, mais tarde, o relativo sucesso das camadas rebeldes.
A relação prévia de Casasola com a imprensa que se desenvolvia e se modernizava no inicio do século XX, pode ter ajudado na produção de tamanho numero de imagens. A imprensa começava a adotar um caráter capitalista, ao redor de todo o mundo e no México essa tendência não se deu de maneira isolada. As classes mais baixas poderiam ter acesso agora aos periódicos, que tinham sua reprodução em serie cada vez mais com um custo reduzido.
Em 1914, a forte perseguição federal à imprensa fecha os jornais “El Tiempo” e “El Imparcial” e leva Miguel Casasola a abandonar suas atividades profissionais para se juntar à luta. Ele se une às tropas do General Ordoñes, um seguidor de Álvaro Obregón, líder do Exército Constitucionalista.
Podemos acreditar que de fato os Casasola participaram em diversos momentos da revolução, e algumas imagens do cotidiano da guerrilha podem ter surgido neste contexto, (fig.1), porém, para uma maior precisão, seria necessário um estudo mais dedicado sobre o assunto, além de uma visita ao Arquivo Casasola, visto que também a bibliografia disponível em nosso país sobre esse assunto é muito escassa. Nesta imagem, podemos deduzir tratar-se das fileiras do Sul mais rural, menos militarizadas que as do Norte, diferença territorial marcante no México em todos os sentidos de desenvolvimento. As vestimentas podem denunciar a origem, como por exemplo, os chapéus de camponeses, de abas muito largas para proteger do forte sol.
Porém, o Professor Carlos Alberto Sampaio Barbosa, ao estudar mais profundamente o livro fotográfico lança a possibilidade de que as cenas de guerra passariam por uma mudança na sua forma de representação. As batalhas teriam um acréscimo de carga dramática ao serem retratadas mais de perto, e às vezes as cenas precisariam ser “montadas” para que pudessem permitir tal aproximação e dramaticidade. Apesar da dúvida, fica a certeza de que a partir deste momento, as guerras e batalhas passariam a ser retratadas de uma maneira nova, e com o advento próximo da imprensa, as noticias ganhariam uma dinâmica mais concentrada no apelo emocional e menos na função informativa.
Após a vitória da revolução, os Casasola passaram a ocupar cargos públicos; durante os governos de Obregón (1920-1924) e Calles, (1924 a 1928), Augustin é nomeado “Chefe fotográfico” e também cuida da direção de espetáculos. [4] Esse período foi muito importante para a família, pois foi em 1920 que Augustin Victor foi convidado pelo estado a fotografar o “progresso” no México, um vinculo que duraria até 1935 e que faria com que o fotógrafo ostentasse a alcunha de “o fotógrafo da revolução”. Em 1921, já havia material suficiente para que os Casasola publicassem o Álbum Histórico Gráfico, uma narrativa dos principais acontecimentos da Revolução.
Outro fato importante que devemos ressaltar foi a ruptura dos padrões “objetivos” da fotografia. [5] Tipos humanos que antes eram retratados apenas como “curiosidades nacionais”, agora ocupavam a cena principal, tamanha era a sua importância e evidencia no quadro nacional. A realidade da guerra se sobrepôs aos velhos hábitos do registro visual. Cenas de pobreza e miséria criavam uma atmosfera social, que antes só era sentida pelos próprios protagonistas e agora chegavam por meio de publicações em periódicos.
Construção da Imagem da Revolução
Para entender como as fotografias podem ajudar na construção de um imaginário acerca de um assunto, procuraremos através de analise de algumas peças identificar elementos em comum com a bibliografia conhecida sobre a revolução, chamando a atenção para os detalhes enquadrados em cada momento registrado. Para Augustin, no foto-jornalismo, o valor da fotografia consiste na capacidade.
Em foto do arquivo Casasola (fig. 2), tomada no norte agrário do México por volta de 1910, podemos ver uma cena de cotidiano camponês onde é impossível não percebermos a imagem da pobreza, da tristeza da foto, alem do contraste e da fisionomia, tanto da criança, quanto da idosa nos transmitem um ar de pena. O chão de terra traz um ar de precariedade, de falta de recursos, de simplicidade. Fica quase óbvio o significado maior da foto que alem dessa pobreza, mostra a presença da criança e a idosa, tipos que habitavam as cidades em sua maioria, visto que os homens e jovens que já podiam pegar em armas já tinham se juntado para engrossar as fileiras da revolução.
Podemos fazer um paralelo desta imagem com uma passagem da obra do escritor mexicano Juan Rulfo, Chão em chamas, onde os contos narrados têm a Revolução como seu pano de fundo. A imagem ilustra a paisagem de Luvina, cidade fictícia descrita por Rulfo, onde a tristeza impera, a falta de esperança é presente. Diz a narrativa: “Porque em Luvina só moram os velhos muito velhos e os que ainda não nasceram, como se diz (...) E mulheres sem forças, quase travadas de tão magras”. (p.310). A pobreza de Luvina é refletida no imaginário da Revolução, e acaba for fixar a imagem da miséria e da carência, urgente de mudanças.
Nas figuras 3 e 4 ,datadas do mesmo período, fica evidente o que foi citado anteriormente, de que todos aqueles que já tivessem idade ou força suficiente para empenhar uma arma se viam inclinados a defender seu território e exigir a devolução das terras usurpadas junto aos camponeses, tanto do lado dos Zapatistas ao Sul, quando do exercito forte de Villa ao Norte.
Fica também clara a violência da imagem, por se tratar claramente de crianças carregando armas, uma delas leva uma pistola no coldre, a munição cruzando peito e a espingarda empunhada, o que nos mostra além da demonstração de bravura e coragem do povo mexicano, a necessidade de que todos participassem da luta, da forma que pudessem. A figura ficou tradicionalmente conhecida como Adelita, e foi freqüente sua presença nas batalhas. Nos dias de hoje, quase cem anos após esses acontecimentos é normal vermos crianças empunhando armas, tanto nas favelas cariocas quanto nas divisas da faixa de Gaza, porém esse absurdo, com o qual não deveríamos ter nos acostumado, certamente chocou a sociedade da época, e foi uma maneira inclusive de dizer que as mulheres também tiveram sua participação de forma efetiva no processo revolucionário de maneira radical.
Nesta obra a ser analisada (fig. 5), está uma das uma das mais belas fotos de toda a coleção, também de Augustin Victor, e datada indefinidamente dentro do período de 1910-1912, podemos ver a figura heróica de Francisco Villa, o Pancho liderando a temida Divisão do Norte, invicta no campo de batalha até então, era o exército mais bem preparado, em termos de militarização e disponibilidade de equipamentos. A presença dos cavalos e carroças por si só já potencializa o ataque das tropas, devido a sua velocidade e poder de avanço maciço, massacrante. A imagem de Villa, imponente, a frente da cavalaria cria definitivamente o mito heróico que trespassou as gerações ate hoje ecoa não só na construção do imaginário da revolução, mas mesmo na construção da identidade da sociedade mexicana.
Na próxima foto (fig. 6), vemos o exercito Zapatista e logo de cara já percebemos a diferença em relação à cavalaria de Villa. A formação dispersa e os trajes civis, de camponeses, fazem com que o exercito passasse despercebido quando preciso. Era uso comum em situações de vigília, eles enterrarem as armas e voltarem a sua atividade original, de camponeses, para depois fazerem a tocaia às tropas federais. O conhecimento do território e a presença de indígenas garantiam às tropas Zapatistas um caráter sorrateiro no deslocamento e letal com suas táticas de guerrilha.
Para os que olham a foto rapidamente, ou às vezes se a imagem está em más condições, alguns podem chegar a pensar que se trata de um exército muito numeroso, porém se prestarmos atenção de maneira simples, iremos perceber que o exército está presente apenas na frente da imagem, estando ao fundo um imenso milharal. Pode parecer até uma anedota, mas essa mimese não era ocasional. A camuflagem do homem do campo, encoberto pelo seu habitat natural, aliada ao conhecimento do território citado acima conferiam mais uma habilidade que viria complementar as tropas rústicas de Villa, quando da união dos dois exércitos para a tomada da Cidade do México em seis de Dezembro de 1914.
O próprio Zapata, não foi muito retratado no período inicial, sendo a maioria de suas imagens sempre posteriores a 1914. Avesso à exibição, sempre sério, jamais sorrindo, com o olhar apaixonado e perdido que se relata, conquistava o coração das moças da época, Zapata aparece também como símbolo do poder, da vitória camponesa, marcando a transferência de poder que se deu durante a revolução, levando consigo a mudança na liderança nacional, tratando de solidificar uma imagem a ser martirizada logo após sua morte. (fig.7 e 8 )
A figura 9, um momento – chave da revolução: 6 de dezembro de 1914, dois dias depois do pacto estabelecido entre as tropas federais e as revolucionárias, os exércitos Zapatistas e Villista juntos adentram a Cidade do México. No centro da foto, identificamos os dois líderes juntos, e os grupos aparecem totalmente misturados, prova de sua cooperação. Camponeses caracterizados e militares fardados simbolizam a união dos grupos mais significativos da Revolução Mexicana. Impressiona também a quantidade de pessoas que engrossavam as fileiras da luta e que agora chegavam a vitória.
A próxima, uma das fotos mais famosas da Revolução, (fig.10) que tem um simbolismo extremamente evidente, sintetiza o auge da revolução camponesa onde assistimos Villa sentado à cadeira presidencial, em pose de despojo, ritual que seria seguido por Zapata logo em seguida. O riso no rosto de Villa e sisudez de Zapata mostram o quanto abrangente foi a revolução, alem de denotar uma característica do caráter de cada personagem que ficaria marcada de forma nítida em cada fotografia. A presença de populares em um dos momentos de maior importância na História do México também nos traz a imagem da forte participação popular no processo. Podemos ver camponeses, junto a soldados ainda feridos, em igualdade a seus lideres, desfrutando com ironia para não dizer deboche o sucesso de sua vitória militar.
Com tudo isso que foi dito até agora, já não fica mais em segredo o que se conseguiu passar com exibição dessas imagens. Percebermos quanto foi fundamental esse registro fotográfico para a construção da imagem que se tem de Revolução Mexicana, com seus lideres idealizados e suas urgências de melhorias para a população pobre. As fotos retratam alem do heroísmo e astúcia de alguns de seus personagens, também a radicalidade do processo que contou com a participação de mulheres e crianças, além das fracas condições de desenvolvimento dos desertos do planalto mexicano.
Devemos lembrar que tudo isso vem somar ao que Octavio Paz nos lembra sobre a Revolução, quando ele nos diz que todo esse heroísmo, essa urgência pelos oprimidos vêm retomar toda uma temática que já havia se dado na luta pela independência do México frente à Espanha. A retomada desses valores antes empregados reforçava cada vez mais o imaginário da população e com certeza foi fator fundamental para o sucesso relativo do processo revolucionário.
Apesar de a fotografia não ser incontestável, mesmo com toda a sua proximidade da realidade, são evidentes as escolhas que foram feitas pelos Casasola para conseguir transmitir os sentimentos necessários de revolta, de indignação, a fim de justificar a necessidade de uma mudança radical. O resultado é bem sucedido e conhecido pelo mundo todo, e as fotos da revolução existem até hoje gravadas no imaginário da população e na riquíssima cultura mexicana.
A importância então da fotografia é maior muitas vezes do que outros meios artísticos, como a literatura ou a pintura, devido a sua camuflagem de verossimilhança que não esta escondida em metáforas ou estilos, e sim exposta como ferida aberta, a fim de mostrar de maneira mais real possível, fazendo quase que imperceptível a construção por detrás da obra, que é tomada como retrato fiel da realidade. Um instrumento de tamanho poder, concluímos, é essencial para aqueles que desejam justificar os meios de se chegar a um objetivo e conseguir a legalidade perante as massas populares, e a opinião estrangeira.
Bibliografia
BARBOSA, Carlos A.Sampaio; Morte e vida da Revolução Mexicana: “Los de Abajo” de Mariano Azuela, São Paulo, Dissertação de mestrado, PUC-SP, 1996.
BARBOSA, Carlos A. Sampaio; A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da historia visual da Revolução Mexicana (1900-1940), São Paulo, Unesp, 2006.
BARTHES, Roland, A Câmara Clara-Nota sobre a fotografia, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984.
CASASOLA, Augustin V, Augustin Victor Casasola, Paris, Centre National de la Photographie, 1992.
CORRÊA, Ana Maria M. A Revolução Mexicana, 1910-1917, São Paulo, Brasiliense, 1984.
DUBOIS, Philippe; O ato fotográfico e outros ensaios, Campinas, Papirus, 1994.
GILLY, Adolfo, Interpretaciones de la Revolucion Mexicana, México, UNAM, Nueva Imagen, 1979.
HOBSBAWM, Eric J., A era dos Impérios, 1875-1914, São Paulo, Paz e Terra, 1988.
HOBSBAWM, Eric J., A era dos Extremos, O breve século XX-1914-1991, São Paulo, Cia. das Letras, 1995.
KOSSOY, Boris, Realidades e Ficções na trama fotográfica, São Paulo, Ateliê Editorial, 2002.
KOSSOY, Boris, Fotografia e História, São Paulo, Ática, 1989.
KOSSOY, Boris, A fotografia como fonte histórica: introdução à pesquisa e interpretação das imagens do passado. São Paulo, Sec. da industria,Com. e Tecnologia, 1980.
MACHADO, Arlindo, A ilusão especular; introdução à fotografia. São Paulo, Brasiliense/Funarte, 1984.
[1] Boris KOSSOY, Fotografia e Historia p.79.
[2] Eric HOBSBAWM, Rumo à revolução, In: A era dos impérios, p.396.
[3] Ana Maria Martinez CORREA, A Revolução Mexicana, 1910-1917
[4] Carlos A. S. BARBOSA, A fotografia a serviço de Clio: uma interpretação da historia visual da Revolução Mexicana, pp.35.
[5] Ibid, pp.36
quinta-feira, 2 de março de 2006
A Inquisição e o Brasil
O primeiro visitador do Santo Oficio chega à Bahia em junho de 1591, o desembargador Heitor Furtado de Mendonça chegara com a impressão causada pelas leituras dos relatos feitos por Nóbrega sobre o Brasil, onde “não se guarda um só mandamento de Deus e muito menos os da Igreja”. A notícia da presença do Santo Oficio deixou a população em pânico.O Brasil seria uma terra sem leis tanto religiosas, quanto administrativas.
A falta de fé e de obediência certamente representava para o poder papal uma derrota no campo da conscientização e da formação de uma sociedade que deveria ser adepta aos preceitos católicos o que facilitaria a centralização do poder estatal, que estava aliado à Igreja, na reconstrução do modelo de estado português na colônia.Sonia Siqueira afirma que a Igreja tinha interesse em “integrar o Brasil no mundo cristão” e descobrir “onde se calcava a fé de nossos moradores”.
A população colonial era em sua maioria analfabeta, desregrada, sofria com a falta de mulheres brancas e realmente não se tocava às sublimidades dos ensinamentos da Igreja, diversas vezes ridicularizados e raramente seguidos. Podemos citar como exemplo rápido a ocasião em que mesmo antes das visitas, em 1546, Pero do Campo Tourinho, donatário da capitania de Porto Seguro foi denunciado à Inquisição de Lisboa simplesmente por ter dito que em suas terras quem mandava era ele, ele seria o “papa”em sua propriedade, e não deveriam ser respeitados os domingos e dias santos, pois não se poderia perder dia de trabalho.Era comum aos colonos amaldiçoarem santos e maldizerem os sacramentos. Aos jesuítas muitas vezes era necessário afastar os nativos dos colonos, para que esses não assimilassem seus hábitos e vice-versa, dada à visão demoníaca que inicialmente a Igreja fez da poligamia e do antropofagismo dos índios, e do proveito que tiravam os colonos dos nativos, que sofriam com a falta de mulheres brancas.
As práticas desregradas na colônia chegaram a ser tidas como doutrina, o “Ultra equinoxialem non peccatur”, a idéia de que não existia pecado ao sul do equador, onde colonos e degredados viviam às fornicações, sodomia, adultérios e incestos.Esses comportamentos fizeram alguns acreditar que o próprio nome Brasil estaria associado a essa idéia, pois a figura da brasa quente como o inferno, vermelha como a madeira, produto que daria o nome ao país teria substituído o nome inicialmente adotado de “Terra de Santa Cruz”.
Esse tipo de comportamento pode também ser fruto de uma administração mal organizada, ineficiente, a confusão de funções e competências, a complexidade dos órgãos, o excesso de burocracia faziam com que o poder estatal fosse praticamente nulo, não imprimindo à sociedade nenhum tipo de senso moral coletivo.A falência do estado permitia a ingerência da Igreja na formação de uma conduta moral rígida, e a Inquisição entra em cena praticamente quando a situação da moral, ou da falta dela já era consolidada na colônia e a imagem demoníaca da vida cotidiana estava vinculada à idéia de um mundo novo a ser civilizado.
A expansão do poder papal sobre uma colônia em desenvolvimento, e a possibilidade de sua inserção no sistema católico é apontado como um dos fatores que levaram a Inquisição a estender seu braço sobre os domínios tropicais. Isso representaria a reprodução do estado português na colônia, fato que deveria ocorrer em todas as instancias.Para garantir o poder de seu controle de repressão, o Estado e a Igreja dispunham entre outros artifícios dos sermões, onde eram transmitidas as idéias de céu e inferno, que aterrorizava os colonos com a possibilidade da danação eterna
Porém, Anita Novinsky nos mostra outra visão referente ao assunto em detalhado estudo a partir da leitura dos processos que a Inquisição realizou no Brasil nos séc. XVI e XVII. Segundo dados recolhidos pela autora, o principal crime de que foram acusados os brasileiros e portugueses residentes no Brasil pela Inquisição, teria sido o da prática do judaísmo, (dos 1.067 prisioneiros relatados no livro, 46,13% dos homens e 89,92% das mulheres foram acusados de judaísmo o que nos obriga a acrescentar uma idéia à teoria de que o Brasil era uma terra sem leis e de certa forma carente de regras de moralização, era também terra de negócios lucrativos, e com a presença de cristãos novos oriundos da própria península
Analisando os dados sobre as pessoas que foram denunciadas, presas, julgadas e sentenciadas podemos ver uma predominância de mercadores e agricultores (27,76%) sobre as outras ocupações liberais e artesãos (12,86%, o que pode demonstrar uma certa pré - disposição à procura de possíveis hereges nas áreas em que os judeus oriundos da Espanha, expulsos em 1492 pelos reis católicos, estavam mais presentes.Esses boatos de prosperidade colonial também ecoavam na metrópole e isso pode ter aguçado a ganância dos reis Filipes que sabiam da quantidade de comerciantes e senhores de engenhos bem estabelecidos na região, muitos de origem judaica.Os cristãos novos que aqui estavam tinham ligações comerciais com os paises baixos, e os holandeses que estavam em guerra com a Espanha incomodavam a Coroa, que assumia o trono português em 1580.Chegou a ser cogitado em 1621 que se estabelecesse um tribunal da Inquisição no Brasil, assim como havia em Lima (1570), e no México (1571), mas o Brasil ficou livre não só do seu próprio tribunal, mas inclusive do auto da fé, espetáculo de execução e julgamento popular muito apreciado e repetido nos domínios do Santo Oficio.
> Muitas práticas modernas conhecidas na agricultura da cana, por exemplo, não eram aplicadas, o que demonstrava apenas o interesse exploratório comercial da colonização e conseqüentemente seu atraso imposto pela metrópole.Apesar da “brandura” vista na Inquisição no Brasil por alguns historiadores, apenas a sua presença e o interesse despertado pela colônia tem um significado simbólico muito forte e deve ser considerado no contexto da arbitrariedade da Igreja e da incompetência do Estado.
quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006
Miguel de Cervantes
Miguel de Cervantes nasceu em Castilha no ano de 1547, enquanto o mundo vivia um contexto de importantes transformações que efervesciam na Europa, a intensidade de trabalhos no campo intelectual e literário crescia ao passo em que a Igreja sofria com as novas idéias provenientes das religiões surgidas na Reforma Religiosa, e ao mesmo tempo articulava sua Contra-Reforma que procurava adaptar a Igreja aos novos tempos e ao mesmo tempo reafirmava os seus dogmas, ainda que à força.Uma época de aventuras e descobrimentos, de contestações dos preceitos da escolástica através da experiência, “a madre das coisas”, que fundaria as bases de uma nova perspectiva no campo intelectual, e na economia dava-se uma fase de transição importante onde estariam se lançando sobre a Europa as bases da Idade Moderna, e revolucionando a Europa, sendo essa considerada a primeira etapa do capitalismo moderno, fruto da expansão comercial ibérica.
De origem humilde, Cervantes junta-se ao exército espanhol aos 24 anos e combate os turcos na Batalha de Lepanto, na costa oeste da Grécia, onde é seriamente ferido e chega a perder os movimentos da mão esquerda.Ele ainda passa por um período de cinco anos preso em cativeiro em Argel, capturado por corsários em seu regresso à Espanha.Com muitas dificuldades financeiras, e com o fracasso de seu primeiro casamento, Cervantes desenvolve ainda algumas funções burocráticas, a serviço do Rei, sendo novamente preso, desta vez, acusado de desvio de verbas, passou mais um período encarcerado em Sevilha, onde se supõe que começa a escrever a primeira parte de Dom Quixote, o Engenhoso Fidalgo de La Mancha.
O sucesso obtido com a publicação em 1547 lhe trouxe algum prestígio, porém nada de concreto que pudesse ser considerado a solução de seus problemas financeiros, dada sua inabilidade com números e seu estilo de vida acostumado a andanças. Era desprendido das coisas materiais.Aos 68 anos, já velho e doente vê publicada a segunda parte de sua obra, Dom Quixote, publicada em 1615. Além do romance Dom Quixote, escrito em duas partes (1605-1615, a primeira com 52 capítulos e a segunda, com 74), escreveu Calatea (1585), Novelas exemplares (1613), Viagem ao Parnaso (1614) e Os trabalhos de Persiles e Segismunda (1617).
Longe de sucesso, de amigos, e com muitos problemas financeiros, Cervantes já doente recolhe-se a um convento franciscano, o mundo já lhe cansara, e só restava-lhe a morte que chegou para lhe aliviar em 1616.Não só o livro é um clássico, mas como o próprio Cervantes em sua vida e trajetória, são épicos que devem ser percebidos com atenção, pois é subjetiva sua obra e ao mesmo tempo universal e tem se mantido como uma das fontes de inspiração e de referência para escritores e artistas de todas as épocas. A própria figura de Dom Quixote se tornou um símbolo do homem moderno em suas lutas contra as investidas de uma realidade decadente.
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006
Revolução de Avis
O período chamado de interregno é o período em que não há rei ou autoridade governativa no estado, foi o período de incursões de D.João de Castela, o legítimo Rei contra Portugal, e da resistência liderada pelo Mestre de Avis, que a partir de uma série de vitórias, foi fortificando o seu compromisso com o povo português, e ganhando apoio cada vez maior de parte da fidalguia que antes pretendia ao trono o filho de D.Pedro com Inês de Castro, e da burguesia formada por comerciantes, e profissionais liberais que almejavam maior participação política nas administrações locais. O Mestre da Avis, com apoio também dos populares, agora só precisaria de uma eleição nas cortes de Coimbra para assumir o trono português.
A alta nobreza apoiava um sucessor Castelano, pois temia a perda de seus privilégios com a quebra da dinastia e do tratado de Salvaterras e ainda apontava a possível eleição do filho de D.Pedro com Inês de Castro, o infante D.Diniz. A chamada baixa nobreza, abraçada à idéia de possível ascensão nobilitaria e aquisição de terras, defendia seus interesses apoiando o Mestre de Avis, em uma manobra estratégica, pois este já tinha o apoio das camadas populares e da burguesia mercantil que estava muito interessada em alcançar benefícios em forma de cargos políticos, ou leis que pudessem favorecer os seus negócios.Entrava em choque uma política de fixação, contra uma política de transportes.
João das Regras, jurista integrante da baixa nobreza, foi decisivo em seu discurso na corte, ilegitimando os outros possíveis herdeiros do trono, e após trinta dias de debates, o parlamento pressionado pelo povo e pelo herói de guerra, o condestável Nuno Álvares, elege por unanimidade o Mestre de Avis, iniciando assim uma nova dinastia.
Após sua subida ao trono, D.João I, ao lado do condestável Nuno Álvares ainda enfrentariam em uma ultima batalha o Rei de Castela, e a vitória na chamada Batalha de Aljubarrota, ficou marcada como uma das mais importantes na consolidação do que viria a ser um estado português.
A revolução de Avis não pode ser classificada como estritamente popular ou burguesa, e sim como uma mescla de interesses de ambas comunidades com o apoio de uma baixa nobreza sedenta por privilégios, terras e títulos. A revolução pode ter fundamentado as bases de um sentimento patriótico, mas com a presença de três classes distintas, buscando seus interesses, e procurando legitima-los nas cortes.
A burguesia foi quem mais se beneficiou com a revolução, pois agora participava dos conselhos municipais fazia parte do estado e procurava se equiparar aos nobres, política e juridicamente. A nobreza agora ameaçada tentava conter os avanços da burguesia no campo, fato que dirigiu os esforços da burguesia para seus avanços comerciais, que chegaria às navegações continentais em busca de mercados e produtos.
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