terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Utilidade da História: existe?

                                                                                  Por Jessé A. Chahad

Maquiavel certa vez decidira que deveria tecer uma “comparação entre fatos antigos e contemporâneos, de modo a facilitar-lhes (aos homens) a compreensão. Deste modo, meus leitores poderão tirar daqueles livros toda a utilidade que se deve buscar no estudo histórico” [1]. Inicialmente devemos entender que para Maquiavel, conduzido pelas tendências liberais de sua época, produzir uma utilidade para o estudo de História, seria o uso racional do estudo do passado, a fim de que não se cometessem os “mesmos erros” que haviam sido cometidos.
A busca pela melhoria da sociedade através da melhoria dos indivíduos deveria contar com as lições aprendidas sobre fatos históricos, incorporando uma produtividade e uma objetividade necessária a quase todas as questões modernas e contemporâneas. Niestzche afirma que a utilidade, ou valor de uso da história residiria no fato de que “Ele ( o homem) aprende com isso( história) que a grandeza, que existiu uma vez, foi, em todo caso, possível uma vez e, por isso, pode ser que seja possível mais uma vez; segue com ânimo sua marcha, pois agora a dúvida, que o assalta em horas mais fracas, de pensar que talvez queira o impossível é eliminada.[2]
A crítica é direcionada ao culto que os modernos demonstravam para com a Antiguidade Clássica, se referindo as civilizações ocidentais greco-romanas e seus feitos sempre glorificados e louvados de forma a serem tidos como referencial para uma sociedade teoricamente perfeita, que deveria ser tida como exemplo. A Historiografia do início do século XX nos remete ao trecho citado, se lembramos que Fustel de Coulanges em seu esforço de confirmar a existência de uma utilidade para a História, lembra Maquiavel com ressalvas ao afirmar que a “a história não resolve problemas: ela nos ensina a examiná-los (...) como é preciso agir para observar os fatos humanos” [3].
A busca pela verdade era fundamental para a criação de uma utilidade para a História e encontrava barreiras nas narrativas que mitificavam o passado antigo e escondiam seus defeitos e erros, em uma verdadeira operação ideológica que agia em favor da civilização européia ocidental e seus objetivos imperialistas em relação a entre outros feitos, as investidas no ultramar. Este excerto de Marx resume bem a reflexão acerca deste fenômeno: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob as circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e as coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes de empréstimo os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem emprestada[4]
Francisco Murari nos lembra que desde Tucídides e seu relato sobre a Guerra do Peloponeso, a mitificação do passado, ou do indivíduo deve ser evitada, pois desviaria o objetivo maior, o relato da verdade: “Por tais modos narrativos, consagrados por poetas e logógrafos, a narração de histórias sujeitava (e perdia) sua finalidade enquanto memorização de feitos humanos ao sacrificar a expressão da verdade dos acontecimentos em prol da fruição do que era do agrado do público presente a quem fossem contadas. Ordenação da narrativa das ações dos homens pelos efeitos do mito que frustra a valia de suas histórias fazendo desvanecer, pelo deleite fugaz do presente, o alcance perene a que a memória humana almeja por (i)mortalidade.”
Se utilizarmos um anacronismo a nosso favor, poderemos relacionar o modo narrativo mitificante criticado por Tucídides ao modo de narrativa utilizado pelo cinema de Hollywood para agradar seu público e que por diversas vezes se valendo de seu caráter artístico refaz à sua maneira diversas passagens históricas, momentos estes que detém esta alcunha por serem freqüentemente considerados significativos para a mudança da sociedade através dos tempos e que ganham novas leituras, novos significados, e procuram servir a um determinado interesse ideológico e / ou comercial.
Na contramão desta tendência, podemos citar os filmes do diretor americano Clint Eastwood, Letters from Iwo Jima e Flag of our Fathers .O ator que antes era tido como o estereotipo de Dirty Harry deu lugar a um diretor que traz em seus filmes questões dramáticas recheadas de simbolismos e forte apelo emocional, porém sem recorrer ao sensacionalismo. Eastwood parece se utilizar da credibilidade obtida com sua carreira irretocável para atingir o senso comum do público, neste caso com dois filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, especificamente sobre os conflitos travados no Pacífico entre Estados Unidos e Japão. Com um filme falado em inglês e outro em japonês, fica evidente a intenção de situar cada narrativa sob um ponto de vista, ignorando que o fato de que a versão da história contada pelo foco dos japoneses produzida por um americano poderia ser tendenciosa.
Longe de tentar fazer julgamentos, não devemos colocar em dúvida o fato de que o diretor sabia que não era isento ao olhar o passado, e não poderia ter a visão direta do passado, preterida pelos modernos, desejo reforçado mais tarde pelos que buscaram uma verdade histórica e imparcial, praticamente inexistente na realidade. Eastwood mostra que o bem e o mal são duas faces da mesma moeda, ou se quisermos ambos os conceitos existem como trazidos na Ilíada, dentro de um caldeirão onde saem de lá em pares, em outras palavras são inseparáveis, o bem sempre traz consigo algum mal e vice-versa, como também já apontou Maquiavel. Antigos, modernos e contemporâneos se sobrepõem e se confundem na tentativa de explicar dois conceitos aparentemente simples, mas de complexidade histórica.
No final do filme o protagonista já não mais foge do inimigo americano, e sim de seus próprios companheiros. Derrotados, os japoneses acreditam ser heróis ao se suicidar, ou melhor, “morrer lutando”, como traz o filme, e certamente já ouvimos relatos sobre os pilotos kamikaze, sopro divino, que se projetavam contra divisões inteiras do inimigo, se sacrificando pelo bem maior, criando o mito do herói de guerra, por sua vez remetendo a própria antiguidade japonesa.
Ao recusar tal tradição, a personagem se depara com a inversão automática de valores, e a rendição aos americanos, que afinal não podem ser tão ruins assim, parece opção razoável para fugir da ameaça de seus companheiros suicidas. Bem e mal se confundem, e ao conseguir escapar das cavernas e trincheiras onde a morte era certa, a busca pela sobrevivência acima de tudo, o leva a se render aos americanos, agora portadores dos princípios do bem, do novo mundo, da civilização ocidental, gloriosa e portadora da liberdade, inspirada no mundo clássico greco-romano. Ao ser capturado, porém o personagem é executado sumariamente, de maneira usual, é desprezado o seu desejo de rendição; Sua morte traz a idéia novamente de que não existem bem ou mal, e sim os dois juntos, de acordo com o prisma pelo qual procuramos os iluminar.
No outro episódio, Flags of our fathers, Eastwood traz a mitificação do passado histórico através da circulação de uma fotografia produzida durante a guerra. A imagem obtida pelo correspondente de guerra Joe Rosenthal é uma fotografia tida como documental, e figura hoje em diversos volumes sobre a Segunda Guerra, e tem status de representação oficial da conquista de um determinado monte por parte das tropas americanas. Virou um monumento fúnebre, muito visitado por veteranos, em dos cemitérios que mais contem baixas de guerra nos Estados Unidos.
Porém, o filme demonstra que o contexto da imagem foi produzido de maneira diferente do que mais tarde foi circulado de maneira intensiva pela imprensa norte – americana. A construção de imagem heróica daqueles soldados empunhando a fincando no solo a bandeira americana foi utilizada como instrumento para convencer a sociedade de que poderiam vencer a guerra, e serviu como fôlego extra para uma retomada de combates, com mais vigor, pois lutavam do “lado do bem”. A mitificação da conquista americana esconderia as carnificinas executadas pela marinha, e principalmente pelos bombardeios de napalm, responsáveis pela destruição física de mais de 40% do território japonês.
De certa forma, o olhar que Eastwood lança ao criar uma narrativa de cunho histórico, este de acordo com o olhar tucididiano, que “volta a plenificação de sua valia para o futuro, quer imediato quer longínquo, porque os homens desta temporalidade a reconheçam no presente de suas ações”. Mais uma vez voltamos a uma utilidade atribuída ao estudo histórico.
A crítica feita pelo diretor é produzida em um momento em que o seu país, se julga mais do que nunca, o representante do mundo do bem, dos ideais invejáveis e gloriosos, que foram introjetados em diversas culturas mundo afora, sob forma de conquistas bélicas, impondo a democracia e a liberdade, estas forjadas à sua maneira, escondendo interesses comerciais e produzindo anomalias históricas, como a tentativa de destruição do mundo islâmico.
Para estabelecermos uma comparação, um outro filme que vai contra a produção de mitos, é Diário de motocicleta, dirigido pelo brasileiro Walter Salles. O diretor relata um período da vida de Ernesto Guevara, El “Che”. Ao invés de criar um herói de guerra, Salles cria uma narrativa em que o protagonista ainda jovem e antes de se dedicar a luta armada pela revolução, é retratado como um estudante de medicina, caridoso e dedicado, que se mistura aos pobres e leprosos, em busca de curá-los, como Cristo. A desmistificação da imagem que permaneceu após a Revolução Cubana, de um Che Guevara líder heróico que comandou a vitória à custa de métodos violentos, dá lugar à criação de uma outra imagem, que por sua vez reside na característica humana do agente histórico mais influente na visão dos historiadores modernos: o individuo.
Por detrás da sólida carapaça criada pela historiografia que procurou durante muito tempo trabalhar a história através da produção de mitos, a fim de produzir e determinar valores para a sociedade atual, reside a instabilidade e a especificidade inerente a cada ser humano, e sua historicidade não deve ser desprezada, assim como a história das mentalidades deve ser enfatizada na busca de um maior entendimento sobre os fatos ocorridos nas sociedades do passado. Benedetto Croce radicaliza a questão, afirmando que toda história é contemporânea, pois todo o interesse depositado em seu conhecimento é causado por um “interesse da vida do presente”[5].A História Magistra Vitae, conceito difundido e estudado nas academias é presente desde o período clássico até os dias de hoje.
Cinema e História: O Filme e suas possibilidades
No campo do ensino da História, os filmes de cunho histórico são fontes inesgotáveis de possibilidades de propor discussões e provocar a reflexão no estudante.
Se considerarmos que o caráter visual da sociedade atual se sobrepõe aos demais sentidos na percepção e no entendimento da realidade, é razoável a afirmação de que o Cinema é atraente e atinge quase em sua totalidade o dia a dia do estudante, seja do ensino regular ou mesmo superior. A partir da exibição de filmes que trazem em seu conteúdo fatos históricos a serem estudados nos programas tradicionais, o profissional dedicado ao ensino de História consegue ao menos atrair mais atenção para o assunto, o que já é desejável em tempos de tão grande desinteresse pelo estudo por parte dos alunos.
O papel do cinema como formador de opinião, assim como o papel do mercado no sentido de se criar um imaginário e sua mercantilização estarão inseridos no contexto do trabalho, procurando assim encontrar um sentido na produção de obras de acesso ao público em geral que procuram criar um universo mitológico, às vezes maniqueísta e que pode servir aos interesses das grandes empresas, e é de importância do estudo dos historiadores, pois toca na questão da mercantilização do ensino, no sentido de transformar um pedaço da historia em um produto.
A partir deste primeiro momento, a intenção seria realiza debates acerca do assunto trazido pelo filme, e como os fatos foram tratados, a fim de identificar possíveis interpretações e pontos de vista expressos por detrás das imagens, suscitando a curiosidade que levará naturalmente à pesquisa sobre o tema. O filme não seria abordado artisticamente, mas como produto, imagem-objeto que procura compreender não só a obra, mas a realidade que ela representa[6].
A tão criticada indústria cinematográfica hollywoodiana serve de exemplo não apenas por dedicar tantos recursos à produção de filmes “históricos”, que abrangem a sua própria História recente, além de atingir temas Clássicos, como a Guerra de Tróia, ou ainda Rei Arthur, que de longe procuram se inserir no caráter do cinema real, de fidelidade, mas buscam a verossimilhança em suas narrativas, que são sucessos de bilheteria e despertam de alguma forma, por menos louvável que seja, o interesse sobre temas históricos.
Uma questão a ser levantada, por exemplo, pode ser o fato de como algumas lideranças mundiais se apropriam de valores, como a liberdade, igualdade e democracia, e, além disso, constrói uma nova significação destes valores, a fim de justificar um propósito, como no caso da Segunda Guerra, a necessidade da emergência dos Estados Unidos como potência militar e econômica, que deveria liderar o mundo com seus ideais de justiça e libertação.
Sobre a relação entre história e cinema, Marc Ferro nos diz que o cinema tem o poder de se situar a serviço de uma causa, de uma ideologia, explicitamente ou sem colocar abertas as questões, e por isso seria objeto de desejo de controle pelo Estado que procura dominá-lo a seu favor, talvez como elemento formador de opinião. Para o autor, os filmes operam com um modo de ação eficaz e dependem tanto da sociedade que produz o filme, quanto da que o recebe. O autor afirma que tanto as civilizações ocidentais como as orientais tiveram atitudes claras de tentativa de controle do cinema como instrumento de formação de opinião, e cita o exemplo de que em 1975, a exibição de um filme letão na ex-ORTF ( Office de Radiodiffusion-Television Française ) sobre campos de concentração na então União Soviética, o que causou uma intervenção imediata do Partido Comunista Francês. [7]
Ainda hoje podemos identificar essa prática na sociedade norte-americana, altamente militarizada e sempre disposta a endossar um conflito, uma invasão de um país qualquer que não dê liberdade ao seu povo, que não exerça a democracia. Por outro lado, os verdadeiros motivos que deflagram a maioria dos conflitos desde a Primeira Guerra, são quase sempre relacionados às questões de territorialidade, em outras palavras, à conquista e dominação de territórios que dispões de recursos estratégicos, ligados a algum setor da economia.
A produção de filmes de guerra é quase concomitante com a produtividade da indústria bélica estado-unidense, e ambas aumentam seus lucros, e renovam suas tecnologias de maneira impressionante, que nos levam a crer que a relação entre Cinema e História está muito mais presente no dia a dia do que podemos imaginar, e que a construção da memória de um povo, mais ainda, a construção de um senso moral comum de justiça e caráter, passa pelo crivo da indústria cultural e com ela se entrelaça, pois fazem a cultura visual e a sociedade personagens de um mesmo longa metragem.
Sabemos que os filmes não têm a obrigação de serem fiéis à história, porém em um artigo publicado em 1982 na Revista “Médiévales”, François-Jérôme Beaussart faz uma crítica acerca de Excalibur e diz perceber no filme cenas ridículas e fora de época, o que significa uma construção errônea feita sobre o período, o que pode nos ajudar a entender o motivo de sua produção. Diz ele: a reconstituição de dança medieval, que apresenta enormes cavaleiros passando sobre seus ombros largos frágeis senhoritas durante uma espécie de ‘be-bop’ endiabrado. [8] Ou ainda, a ridícula prestação coreográfica que a pobre Igerne, obrigada a executar uma dança provocante e lasciva sob o olhar lúbrico de cavaleiros bêbados, que Beaussart qualifica como um número de music-hall que não teria envergonhado as Salomés dos estúdios da Metro-Goldwin.[9]
Para os historiadores, mais útil do que condenar a presença de duendes e dragões, personagens comuns em filmes que remetem à Idade Média, é explorar a potencialidade deste tipo de documento, e como ele pode ser útil para a produção de conhecimento. Assim considerando, uma utilidade para a História poderia ser produzida a partir da proposta de reflexão acerca dos fatos que mais chamam a atenção da sociedade na longa duração. A indústria cinematográfica enxerga essa utilidade possibilitada pela História, e com diversos interesses traz fatos do passado para serem revistos, e à sua maneira participa ativamente da relação entre o individuo e a história, relação importante para entendermos os humanistas da era moderna.

Humildes conclusões.
A partir do debate aqui suscitado por alguns temas destacados do curso, procurou-se demonstrar que apesar de todas as ressalvas, não podemos atribuir uma utilidade fundamental representada pelo estudo da história. Refletimos sobre algumas questões que procuram definir essa utilidade, ou fazer apologia a ela.
Independente de existir uma utilidade única ou principal para a prática do estudo do passado, será razoável admitir que a utilidade da História não resida em si mesma, nem talvez no fato de podermos aprender com erros do passado a fim de evitá-los no futuro. A utilidade é produzida pelo próprio contexto construído por quem a produz. Em outras palavras, “fazer história é contar uma história” [10]. A superação da história – narrativa pela história-problema não se define por um objeto de estudo, mas sim por um tipo de discurso.
Se quisermos ser audaciosos em nossa analise, poderemos atentar que há milênios o homem vem se perguntando se pode aprender com o passado a ter uma vida melhor no futuro. O tempo passou, e os erros históricos se repetem e se multiplicam pela humanidade, levando a uma instabilidade talvez inédita dentro deste período.Seria inocência de nossa parte acreditar que o homem não consegue aprender com seus erros. A questão pode ser : ele quer parar de cometer esses erros históricos? Ou ainda: serão esses equívocos considerados erros por quem os pratica, ou cabe àqueles que sofrem com as conseqüências de sua prática apontá-los, a fim de que não se repitam?
O que tentou ser demonstrado aqui foi que a busca pela mitificação do passado, através da glorificação de momentos históricos e criação de heróis esteve presente tanto nos antigos quanto nos modernos. No que convencionamos chamar de contemporaneidade, encontramos vestígios que confirmam essa intenção. Os documentos produzidos pela sociedade atual, sejam visuais, ou de outra natureza devem ser problematizados pelo historiador na medida em que não estão livres das ações históricas sofridas pelo homem, o seu agente de modificação mais determinante.
Se a história tem uma utilidade, alguns setores da sociedade já se apoderaram dela, porém cada qual criando a sua própria utilidade para ela. Cabe aos historiadores talvez o papel de identificar esses usos da história, e e estudar como isso influência na formação da sociedade, dentro do seu tempo respectivo, e comparar com ponderação com algum fato do passado histórico. Mas não pela busca da verdade, como preteriam os modernos, pois o conceito de verdade é deveras delicado para ser tido como dogmático. Mas sim , pelo interesse na produção de conhecimento e proposta de reflexão, tentando entender melhor o homem, pois este na condição humana é imperfeito e está distante do mundo idealizado e glorioso idealizado sempre por um passsado inatingível a ser atingido.











Bibliografia
ARENDT, Hannah – Entre o Passado e o Futuro, 2a. edição, tradução de Mauro W. Barbosa de Almeida, 1979.

BEARD, Charles A. That noble dream, The American historical review. New York, 41 (1) :, 1935

CERTEAU, Michel de. A operação historiográfica in: A escrita da História. Tradução de Maria de Lourdes Meneses, Rio de Janeiro, 1982.

CHARNEY, Leo & SCHWARTZ (orgs), Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna, Cosac & Naify, São Paulo, 2001.


COULANGES, Fustel de , Préface. In: Questions historiques: revues et complétées d´aprés lens notes de l´auteur par Camille Julian, Paris, Librarie Hachette, 1923.

FERRO, Marc, Cinema e História, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992


GRUZINSKI , Serge, La Guerra de Las Imagenes. De Cristóvão Colombo a “Blade Runner”(1492-2019), tradução de Juan José Utrilla, México , Fondo de Cultura Econômica, 1990.

MAQUIAVEL – Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, tradução de Sérgio Fernando Guarischi Bath, Brasília, Editora Universidade de Brasília, 1979.

MENESES, Ulpiano Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório”. Revista Brasileira de História, ANPUH, São Paulo, 23, 2003.

NIETZSCHE, Friedrich, ”Da Utilidade e Desvantagem da História para a Vida”. IN Obras Incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun e tradução e notas de Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo, Editora Victor Civita, 1974.
[1] Nicolau MAQUIAVEL – Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio, p.17-18.

[2] Friedrich Nietzche, Da Utilidade e Desvantagem da História para a Vida. p. 66-69.


[4]Karl MARX – O Dezoito Brumário e Cartas a Kugelmann

[5] Benedetto CROCE, História y crônica, p.11-22
[6] Marc FERRO, O filme: uma contra-análise da realidade? In: LE GOFF, J. e NORA, P. (Orgs) “História: novos objetos”, p.203.

[7] FERRO, Marc. Cinema e História, p.15.

[8] Beaussart, F.-J.. “Mass Media et Moyen Âge: à propos du film: ‘Excalibur’”. In: Médiévales, 1, 1982, p. 34.

[9] Idem, p. 35.
[10] François Furet, A oficina da História, p.81

segunda-feira, 11 de julho de 2011

O general em seu labirinto

                                                         Por Jessé A. Chahad

Muito já se discutiu sobre a mitificação da história da independência latino-americana e por conseqüência sobre a mitificação em cima da pessoa de Simón Bolívar. Igualmente, já tentou se combater também esse viés com a temática da humanização. Esta resenha tende a não caracterizar detalhadamente essa dicotomia, porem se colocará o objetivo de encontrar nas paginas do livro elementos que possam ajudar a entender qual foi a escolha do autor em uma versão romantizada dos últimos dias do general Bolívar.
Garcia Márquez vai optar não só pela humanização de Bolívar, mas pela humanização levada ao extremo, fazendo parecer às vezes uma figura extremamente mundana e imperfeita, no sentido máximo que expressa seus defeitos, arrependimentos acerca do processo de independência e de formação da identidade latino-americana com um tom nostálgico, e às vezes trágico, características dita intrínseca dos povos latinos.
Os dias finais de sua vida são marcados pela velhice prematura, fruto da sua história de vida levada intensamente, entre guerras e amores de ocasião, o general aparece no livro como uma pessoa metódica, teimosa, com péssimos hábitos alimentares, porém nunca deixa de ser um romântico, um sonhador que jamais desiste quando enxerga uma nova oportunidade de concretizar o seu ideal da unificação.
Essa linha interpretativa não é muito bem vinda pela historiografia tradicional venezuelana, por exemplo, que procurou fabricar um processo de defesa da sua história mitificando o líder militar e as batalhas vencidas, como por exemplo, a Campanha Admirável. As marcas desse processo que se deu forte na Venezuela são encontradas na própria identidade nacional, decorrente das vitórias bélicas de seu herói libertador, e costuma ser exaltada pela população comum, chegando a ser considerado “inimigo da nação” qualquer um que escreva ou tente dar uma nova interpretação acerca do processo de independência.
Porém, não podemos nos esquecer que ”O General em seu labirinto” se trata de um romance, gênero literário que apesar de transitar entre o ficcional e o real, não deixa de ter passado por um processo de pesquisa para sua produção, e mistura a isso toda sua carga proveniente da forma e do estilo literário e da formação do autor. Também em outras obras de Garcia Márquez encontramos figuras mundanas e humanizadas no sentido do instinto animal combinado com conhecimento e racionalidade. Talvez isso possa explicar sem recorrer a nenhum juízo de valor a construção da figura de Bolívar, mas devemos nos atentar que trabalhamos em cima de uma hipótese.
A idéia de um líder considerado nacionalmente “herói” de guerra ser retratado como uma pessoa decadente que passa seu tempo deitado na rede, quando não, falando seus segredos enquanto dorme e sofre de ataques de flatulência parece querer desconstruir totalmente a imagem idealizada de um Bolívar com o qual seria difícil se orgulhar e se identificar para tenta então formar uma “identidade”, ou uma “história modelo” que pudesse embasar a formação da identidade.
A velha dicotomia entre civilização e barbárie continuaria a expurgar as feridas internas decorrentes do processo de libertação e disputas internas por poder e realizações de interesses pessoais que viriam a transformar o fenômeno da independência em uma espécie de guerra civil. As disputas e traições decorridas no processo provocaram guerras que se estenderam por um período considerável de tempo que podem ter esgotado as possibilidades de uma transição definitiva, e que poderiam contribuir para essa grande duvida quanto à nacionalidade, reforçando novamente a dicotomia entre Europa e América espanhola.
Simón Bolívar com certeza sofria de todos os “males da humanidade”, assim como todos que somos humanos sabemos os sentimentos a que somos submetidos a partir das relações e do mundo em que vivemos. Não podemos ignorar que este homem liderou apaixonadamente vitórias fundamentais no processo de independência seguindo sempre seu instinto humano e conseguindo ainda assim sonhar e tentar pensar um projeto maior de unificação da América Latina. Seus ideais podem ter sido considerados derrotados, porem marcou definitivamente a formação da identidade nacional daqueles países. Apesar de ser um representante das elites, ele procurou de forma quase paternal defender o direito daqueles que compartilhavam de seu sonho.
O problema está então em procurar saber a quem interessa as interpretações e construções acerca dos acontecimentos, e entender que os julgamentos ou juízos de valores são aceitáveis por não se tratarem os romances fontes documentais ou textos teóricos, e sim um gênero literário com suas características tão conhecidas e que foram aproveitadas nas invenções das tradições nacionalistas ao redor do mundo.
Sendo assim, procuramos acreditar que o recorte feito para a produção do romance foi bastante seletiva e que realmente era intencional a sensação causada pelo acompanhamento fúnebre que se dá ao longo do texto, onde o general sempre a espreita da morte, decadente mesclado a lembranças de um passado histórico leva o leitor a tirar conclusões parciais sobre a parte que assim se mostra como a menos gloriosa na vida do Libertador das Américas. O General se perde em seus próprios labirintos em busca de uma saída para a situação da Colômbia e da Venezuela, e as vezes parece que a morte lhe será um grande alivio, pois aparentemente o labirinto não tem saída.Entre delírios descrença, o general se demonstra firme porem sofre por dentro, como no episódio do fuzilamento de seus ex-companheiros.Esse lado sombrio é o que todos estadistas querem esconder, e Gabriel García Márquez expõe até a mais íntima problemática de Bolívar, o questionamento de toda sua vida e deixa no ar um tom de duvida em relação ao sucesso de suas pretensões.
A invenção de tradições é recorrente nas sociedades e parece elemento agregador em seu ultimo fim, parece fortalecer o imaginário do povo, e devemos nos perguntar a real utilidade disso, e quais os interesses de quem luta contra isso, pois uma universalização exarcebada pode por fim as culturas únicas e identidades enraizadas no território em detrimento de um discurso falso globalizador. Se o sonho de Bolívar era uma integração entre os países latinos, certamente era um pensamento estratégico de alianças procurando unidade territorial, enquanto que “o modelo norte americano”,havia conseguido por bem ou por mal instalar uma democracia forte e com a participação de todos os seus estados em seu território.
Isso tudo nos leva a pensar que nos dias de hoje, o mundo “globalizado”, mas divido em blocos teria mais dificuldade em explorar os paises subdesenvolvidos sul-americanos se um dia esses paises tivessem tido sucesso em ter uma liderança única e que representasse os interesses em comum do povo latino americano frente aos interesses europeus e estado-unidenses. Nostalgicamente assistimos a emergência do neo - populismo com a aparição de novos líderes que dizem querer negociar rumo a uma união, não só comercial como a que teoricamente existe, mas com a participação e política unificada. Agora a América corre para tentar realizar o projeto idealizado em sua ultima instancia pela unificação sonhada por Bolívar.
Sendo esse um fator de atraso em relação aos países europeus que apesar da dificuldade da língua consegue se unir em bloco, resta a América latina como sempre um papel de futura potencia futuro esse no sentido literal, futuro que é sempre inatingível, enquanto que no presente ainda encontramos infelizmente muitos dos problemas que atravessaram os séculos e desembocam na situação de hoje, uma América Latina dominada quando não pelos interesses do capital especulativo estrangeiro, ou ainda entregue a indústria do narco - trafico que já é um estado por si só.
Talvez um novo Bolívar possa um dia surgir, porem que esse seja ainda mais humano em suas ações, para que a América Latina consiga impor finalmente o seu tamanho e o respeito que merece por ter financiado o desenvolvimento dos paises centrais e ocupado sempre papel secundário no cenário mundial. Mas esse messianismo não deve ser a única fonte de esperança para a tomada de um novo rumo. Um povo com uma cultura tão rica, uma história tão forte deve ele mesmo ser participativo e exigente para que a mudança possa realmente ocorrer de maneira significativa.
O escritor Eduardo Galeano nos diz em seu célebre As veias abertas da América Latina, que os problemas decorrentes da colonização iriam perpetuar o separatismo e as dificuldades de uma possível estabilidade democrática, pois as oligarquias portuárias teriam consolidado através do “livre comércio” a fragmentação do território, segundo Galeano: aqueles ilustrados traficantes não podiam incubar a unidade nacional que a burguesia encarnou na Europa e nos Estados Unidos. O processo ainda sofreria intervenção britânica no sentido da perpetuação das desigualdades.
Os países auto intitulados centrais têm uma enorme divida com a América Latina e se organizam de maneira exemplar com lideranças coesas e representativas, alem de democráticas, e obviamente imperialista. Seu pensamento civilizatório moldou os sistemas mundiais e ignorou as especificidades de cada local. Não devemos considerar jamais como um retrocesso reclamar a uma identidade comum,e construí-la a partir da nossa própria cultura, riquíssima e única, de um passado milenar e que fundamentalmente deve estar presente no imaginário popular e no pensamento e construções da história e da liberdade da América Latina.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Dom Quixote

Por Jessé A. Chahad

Como todo grande clássico, a obra prima de Miguel de Cervantes, Dom Quixote de la Mancha, está cercado de inúmeras possíveis leituras, que dão luz a campos de estudo na historia, na política, na literatura, na sociologia e na psicologia só como alguns exemplos a serem citados.A cada nova era surgem novas interpretações e novos pensamentos sobre o autor e sua obra, o que faz com que nunca se esgotem as possibilidades de entendimento do contexto e das ironias tão bem feitas por Cervantes a diversos comportamentos e figuras representativas de sua época.Relatos históricos como a guerra da Reconquista travada pela expulsão dos invasores árabes e todas as conseqüências desse feito são assuntos do livro.
A linha tênue que separa a lucidez da loucura do personagem é uma abordagem das mais interessantes, pois sua sensatez dentro de seus disparates em seus discursos remete a uma pesada critica que Cervantes faz da sociedade de sua época, a qual passava por uma decadência proveniente da falta de estrutura para garantir o desenvolvimento econômico que se criara e que agora, não se sustentara.Apesar de viver o momento presente, Cervantes parece já perceber a crise que estaria por vir.
A Espanha encontrava-se em declínio de seu império, talvez por falta de estrutura para sustentar as mudanças causadas pela expansão e desenvolvimento de sua economia, mas também a grande inflação causada pelo fluxo de metais vindos da América e logo depois o declínio pela falta do mesmo (devido talvez ao não investimento do acumulo em infra-estrutura) teria feito a riqueza se espalhar pela Europa ao invés de se concentrar no estado e também esse fato é estudado e como isso pode ter contribuído para a crise que se estabelecera.
Dom Quixote era um fidalgo, filho de pais ricos. No entanto, durante sua vida, ele vai perdendo sua riqueza, pagando dívidas e comprando livros. Por isso, mergulha na literatura em busca da solução desta dificuldade, até demais. Além de perder sua riqueza, Dom Quixote, começa a agir como um cavaleiro em busca de uma mudança, uma nova vida. Ele já tinha uma idade relativamente avançada e vivia muito só. Por isso deixa-se levar por imaginação e passa a viver num mundo ilusório, fantasioso, isso mostra que o próprio personagem é um retrato da época.
A ilusão está presente em Dom Quixote, pois vê o mesmo mundo que todos, mas sob uma perspectiva muito própria e marcada pela medievalidade que se imprime nos contos de cavalaria que de tão lidos, teriam levado nosso herói à loucura (lembremos que seus livros forma queimados pelo padre, com apoio de sua família).Tais contos retratam de forma fantasiosa heróis épicos e míticos medievais, sendo assim, Dom Quixote pode ser considerada uma novela de cavalaria, talvez a ultima que conhecemos, pois esse gênero literário foi mais desenvolvido na Idade Media e não existiam mais na época descrita por Cervantes e vivida por Quixote mas estariam marcadas na subconsciência da sociedade, que não se permitiam avanços no pensamento crítico e atrasavam a mentalidade espanhola.Na verdade Quixote oscila em um movimento pendular entre o delírio e sensatez, e encarna em seus discursos e situações patéticas a voz crítica de Cervantes e sua ironia como por exemplo ao inventar nomes pomposos ridicularizando muitos sobrenomes da fidalguia.
Muito da lucidez fica sob a imagem de seu fiel escudeiro Sancho Pança, um trabalhador honesto, mas com pouca inteligência que faz as vezes de alter ego de seu amo, lhe mostrando as vezes outra visão que não a fantasiada, porem acaba iludido por Quixote e sua promessa de recompensa em forma de governo de uma ilha imaginária. A mentalidade fraca, porém honesta, e o desejo de ascensão social a partir de títulos de nobreza proveniente do governo de terras, assim como a fama trazida por isto também são simbolicamente desejos intrínsecos do inconsciente coletivo do reino, e Cervantes trabalha muito em cima desses aspectos para criticar também os costumes reinóis.
Movido pelo poder e ganância, Sancho é levado a acreditar ser realmente o governador de uma ilha, mas é ridicularizado pela população que o viam e a seu amo como lunáticos, e deram continuidade as suas idéias apenas pelo prazer do escárnio.Revolto com seus sentimentos, Sancho abandona sua suposta posição de poder para retornar a sua vida antiga. O conflito entre o idealismo repleto de delírios e fantasias de Dom Quixote e o realismo prático e objetivo de Sancho Pança comporta um dos mais clássicos dilemas do confronto de valores que acompanhou a emergência do pensamento moderno.
Ducinéia Del Toboso, que nosso cavaleiro acreditava ser uma dama da aristocracia, não passava de uma robusta camponesa que segundo a visão objetiva de Sancho até cheirava mal, e trabalhava praticamente o dia todo. Porém, como em tudo, Quixote tem uma explicação justificativa e fantasiosa para basear seus argumentos apenas pelo filtro que sua visão lunática deixa transpassar, e toma Dulcinéia como musa e dedica-lhe todas as batalhas.De certa forma todos às vezes temos um delírio quixotesco, pois em muitos parâmetros só enxergamos o que queremos e em situações que talvez não queiramos entender, e mesmo inconscientemente selecionamos o nosso modo de ver o mundo e os acontecimentos.Colombo, por exemplo, teve grande êxito em suas navegações no fato de encontrar um novo continente, mesmo que inconscientemente, pois morre sem saber do tamanho de seu achado, e só acreditou que tinha conseguido um novo caminho para as Índias, e quando lá chegou, interpretava à sua maneira todos os costumes e línguas dos indígenas, vendo só o queria ver e escutando apenas o que queria, chegava até a achar que certas palavras que os índios falavam, eram em sua língua.
As aventuras se seguem no livro, ora com o sucesso involuntário das façanhas, ora levando surras homéricas, mas a cada capitulo vem sempre temperado com a pesada critica e ironia sagaz que Cervantes imprime aos contos e encontros que Dom Quixote tem em suas saídas para andanças.No fim, com o corpo desgastado pelas aventuras e fracassos, Dom Quixote recobra sua sanidade, pouco antes de falecer, arrependido de certa forma, mas contente por ter se considerado lúcido antes do fim, o que remete a uma inversão no momento da morte do herói épico , onde geralmente este vive seu ultimo momento dentro de um delírio, e não de lucidez como a que falta em Quixote e só lhe aparece pouco antes da morte.
O fato é que Cervantes e Quixote têm em sua trajetória elementos de comum aparência, que segundo a critica literária, estão certamente impressas nas obras a vida de seus autores, e quanto mais singular e fantástica, paradoxalmente tortuosa, mais será a subjetividade da obra e assim sendo, verdadeiramente a construção de um clássico se dá a partir da verossimilhança do autor e de sua obra e a faz transpirar, transcender os séculos alcançando milhões de leitores.
Essa breve resenha pretendeu contextualizar uma possível leitura do clássico Dom Quixote, uma obra que ainda renderá muitos debates e estudos, pois devida a sua universalidade pode ser tomada como base talvez para a analise histórica e social não só de sua época, mas das conseqüências daquilo em nossa contemporaneidade e deve ser atada a nossa realidade para mais uma possível leitura, talvez anacrônica tentando identificar possíveis frutos daquela época para o estudo da mesma.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Ameaça holandesa

                                                                    
Por Jessé A. Chahad

Enquanto o empreendimento açucareiro na América portuguesa conhecia algo que seria o auge de seu desenvolvimento, as incursões e conquistas no Oriente, podem ter se resumido ao simples estabelecimento de feitorias. A menor distancia das colônias do Atlântico do reino e a menor resistência dos nativos podem ter favorecido uma inserção em maior escala.
O deslocamento da dependência econômica antes gerada pelo comércio no Índico, para o promissor mercado atlântico, que contava com o domínio do tráfico de escravos e o desenvolvimento dos engenhos de açúcar que demandavam mão de obra escrava movimentavam a economia em escala cada vez maior e despertavam o interesse dos holandeses, que em guerra conta Castela teriam conquistado com forte ajuda da WIC, colônias na América e na África, e que após a separação das coroas com a Restauração portuguesa, teriam sido novamente reivindicadas pelo Duque de Bragança D.João IV em 1640.
No Brasil, durante a guerra com Castela, a WIC conquistou o litoral nordeste, na África a costa da Mina. A partir do fim da união ibérica, esse fato viria a questionar o tratado de paz que Portugal assinou com os países baixos após a Restauração, e colocaria em xeque-mate a base de sustentação do império português: o comércio de escravos, de especiarias, e a economia açucareira.
O tratado de paz na metrópole não impediu no ultramar a disputa mercantilista, e o malogro holandês na Bahia incrementava a disputa pelos benefícios conquistados pelos holandeses durante a guerra contra a Espanha em Pernambuco.O pensamento mercantilista de expansão comercial em conjunto com a mentalidade açucareira dos colonos, que não poderiam contar com a derrubada do pilar de sustentação do sistema colonial representado pelo mercado escravista assistia quase impotente ao declínio das exportações de açúcar e das importações de escravos negros.Essa mentalidade açucareira colonial confrontava-se com o forte pensamento acionista metropolitano da WIC, dos investidores e banqueiros holandeses, que visavam somente o lucro, em contrapartida pela busca portuguesa de status social.
Uma sociedade colonial luso-brasileira atolada em dívidas e afetada pela crise iria formar a massa necessária para a legitimação contra o “invasor” holandês, e iniciarão vários protestos e conflitos exigindo a retirada do estrangeiro. As insurreições iniciadas por volta de 1641, feriam a imagem da diplomacia portuguesa em seu tratado de paz com Nassau que renunciou am 1644, e acabavam com projeto português de comprar junto a WIC os territórios perdidos.Os conflitos continuaram, e a WIC foi se enfraquecendo financeiramente, o que atingia também suas frotas. As guerras contra a Inglaterra, e a dependência do sal português acabariam sendo fatores decisivos para o término do conflito com a expulsão dos holandeses e o pagamento da Coroa portuguesa no valor de cerca de quatro milhões de cruzados como indenização pelas perdas por parte da WIC.
Todo esse episódio deixou marcas indeléveis na economia da metrópole e da colônia, levando durante o processo ao endividamento dos colonos, falência de engenhos, e significou um fator importante para entendermos a crise que assolou a Europa e que refletiu no ultramar de maneira negativa.A aproximação da Inglaterra com a Coroa portuguesa viria a gerar uma dependência em termos de proteção contra investidas espanholas e holandesas e desembocará com o tratado anglo-português de 1662.

sábado, 21 de junho de 2008

O luxo e o lixo: desejo, necessidade e vontade

Por Jessé A. Chahad

Em sua tentativa inovadora para a época, de estudar a civilização material, Fernand Braudel se propõe a estudar a produção e o consumo de alimentos que até então eram desprezados, por não serem considerados importantes na historia da humanidade, no que diz respeito a sua essencialidade para a sobrevivência do homem.
Para Braudel, os produtos considerados supérfluos devem ser abordados, pois o conceito de luxo será para ele fundamental no desenvolvimento do capitalismo e da sociedade consequentemente. Mesmo a idéia do luxo estando presente em civilizações imemoriais, Braudel acredita que após a Idade Média o comercio de produtos de luxo se intensifica, sendo apropriado exclusivamente pela camada aristocrática, criando assim mais um fator de diferenciação social.
De certa forma, este pensamento está em concordância com a tese de Henri Pirenne, que defende que mesmo durante o período medieval mais nefasto, ainda existia o comércio de artigos de luxo. Esses artigos seriam ainda mais valorizados com a descoberta de novos mercados fornecedores de especiarias e matérias primas na era moderna. A comédia do luxo praticada pelas classes dominantes seria depois reproduzida pelas massas, visto que os ricos são condenados (...) a preparar a vida futura dos pobres.
Braudel afirma que a propagação do luxo então seria nada mais do que a apropriação de excedente, em outras palavras, para a existência de tal fenômeno, seria preciso todo um arcabouço, solidificado após o feudalismo, que garantiria que a massa deveria trabalhar, ou seja, produzir o necessário, para sustentar a existência da necessidade do supérfluo.
A meu ver, se o homem é realmente filho do desejo e não da necessidade, não seria lógico ele menosprezar a sua sobrevivência em preferência ao supérfluo. Pelo contrario, apenas após a solução do que é vital, e com todas as necessidades biológicas suplantadas é que surge espaço para aquilo que não é necessário, a idéia da obrigatoriedade do conforto e do prazer obtido através da cultura material. A contradição existente entre a miséria e o luxo, estaria então tencionada a coexistir e através da História devemos problematizar essa coexistência.
Ao falar sobre o período de aumento e retração do consumo de carne na Europa, Braudel demonstra que durante a Idade Média se consumira mais carne do que na era Moderna, e que ainda se comparadas à algumas civilizações asiáticas, a Europa do ocidente poderia ser vista como privilegiada no consumo de carne, mas para além dos séculos XV e XVI, o luxo à mesa seria reservado a poucos.
Como tão amplamente analisado por Norbert Elias, o conceito de civilização foi sendo desenvolvido ao longo de centenas de anos, num processo de longa duração, e teve como função demonstrar que a sociedade ocidente era superior a oriental, constituindo-se esta noção como uma visão de si mesma.
Percebe-se como esta noção vai ganhar uma conotação diferente com a Revolução Francesa, pois agora, o processo civilizador vai ser considerado como algo concluído nos países mais desenvolvidos economicamente, que agora teriam a missão de levar esta civilização a paises menos desenvolvidos, ou seja, a estes territórios considerados inferiores, levariam o mais alto padrão civilizador já alcançado.
Neste momento, começa-se a idéia de tentar ver o desenvolvimento da humanidade através de estágios, na qual existiriam os povos superiores e os povos inferiores.
Durante o próprio século XIX, as novas teorias positivistas dariam o suporte científico a esta visão, o evolucionismo de Spencer e o darwinismo social, procuravam comprovar que as sociedades se encontram em diferentes estágios evolutivos, criando assim a dicotomia bárbaro/civilizado, na qual o homem branco constituir-se-ia como superior, estando no topo da pirâmide racial como o homem civilizado.
É importante lembrar que historicamente a humanidade se organiza de maneira desigual e, a partir do inicio do capitalismo e das sociedades de mercado, ela só prospera em alguns países em detrimento de outros. Enquanto alguns desejarem o supérfluo, não haverá como prover o necessário para todos, já afirmava Braudel.Em outras palavras, enquanto para uns o desejo de satisfazer a vontade do supérfluo é de suma importância, para a maioria tal possibilidade só é possível após a superação do que é realmente necessário para sua sobrevivência.

sábado, 10 de maio de 2008

O LSD e a crise da ética protestante: o espírito da (contra) cultura juvenil. EUA. 1960


Da mesma forma que o rock foi a trilha sonora por excelência da revolução (contra) cultural da década de 1960 nos EUA, podemos dizer que uma droga em especial foi o seu tônico: o LSD. Mesmo que a maconha fosse a droga que mais tivesse adeptos, o impacto causado pela novidade e pela potência dos efeitos do LSD confere a esta substância uma muito maior importância simbólica.



Desde que começou a se tornar um fenômeno cultural em 1962, quando a imprensa norte-americana o descobriu e passou a alardear os “perigos” da droga, esta substância, que é administrada em doses microscópicas, passaria a ser um fenômeno social de proporções macroscópicas. Talvez nem tanto pelo número de pessoas que fizessem uso da droga, mas pelo frenesi que ela gerou e mesmo pelo impacto que geraria nos anos subseqüentes na cultura de massas.Pensemos no uso da palavra “psicodelia”.



A série de imagens que nos podem vir a mente quando ouvimos o termo por certo remetem a uma determinada estética visual e sonora que ilustram muito bem a ética de “sexo, drogas e rock and roll”, surgida nessa década. Psicodélico, no entanto, é um termo cunhado em 1957 pelo Dr. Humphry Osmond, psiquiatra de Nova York, e se refere às substâncias expansoras de consciência, tal qual a mescalina, a psilocibina, entre outras.



Do jargão científico o termo passou ao campo da cultura, reproduzindo a trajetória do próprio LSD, que dos laboratórios e consultórios médicos chegou às mãos (e às cabeças) de jovens estudantes universitários, intelectuais, artistas e uma quantidade considerável de hippies e outros elementos da contracultura.



Mesmo que não seja possível investigarmos aqui – talvez nem a neurologia seja plenamente capaz disso – como exatamente o LSD interfere na criatividade dos indivíduos, não há como deixarmos de relacionar como o LSD interferiu na cultura, ou melhor, contra-cultura norte-americana (e por conseqüência do ocidente) a partir da década de 1960.Para começar, mudemos rapidamente de tempo de lugar.



O CRIADOR



Os poderosíssimos efeitos do LSD seriam pela primeira vez experimentados em 1943, pelo químico suíço Albert Hofmann, pesquisador da empresa farmacêutica Sandoz, na Basiléia. Há anos investigando as propriedades do ácido lisérgico, extraído do fungo ergot, conhecido na Europa desde a Idade Média por desenvolver-se no centeio, Hofmann empenhava-se em desenvolver um medicamento para conter hemorragias advindas de complicações no parto. Das várias substâncias isoladas do ácido lisérgico, a vigésima quinta delas, isolada em 1938, a dietilamida do ácido lisérgico (LSD-25) não despertou interesse de nosso cientista no princípio.




Depois de cinco anos sem trabalhar com o LSD-25, Albert Hofmann decidiu preparar um pouco mais da substância para realizar testes com ela. Mas naquela tarde de 16 de abril teve de interromper o trabalho devido a “inquietudes” e “vertigens”, de qualquer forma “não desagradáveis”: “um fluxo ininterrupto de quadros fantásticos, formas extraordinárias com um intenso caleidoscópico jogo de cores”.




Algum traço do LSD-25 foi absorvido provavelmente pelos dedos do Dr. Hofmann, intrigando-o pela potência dos efeitos verificados, já que apenas uma quantidade muitíssimo pequena poderia ter sido ingerida nas condições em que ele trabalhava. Sendo assim, ele resolveu fazer uma auto-experiência controlada.Os relatos são impressionantes. Com uma dose de 250 microgramas, que Hofmann julgou que fosse uma dose bastante pequena, mas suficiente para experimentar os efeitos do LSD-25. Juntamente com seu assistente, voltou para casa de bicicleta, devido às restrições ao uso de automóveis durante a guerra, já tendo consciência de que as sensações experimentadas anteriormente eram de fato devidas ao LSD-25.




O que sentiu em sua casa vai desde a visão semelhante a um espelho torto até a “dissolução” do próprio ego, juntamente com uma sensação de pânico: “Era o demônio que desdenhosamente triunfava sobre minha vontade. Fui tomado pelo terrível medo de ter ficado louco. Eu fui levado para um outro mundo, um outro lugar, um outro tempo.”




Apesar da condição de fraqueza profunda durante a experiência, no dia seguinte Albert Hofmann não carregava qualquer efeito colateral, ressaca ou mesmo indisposição.Uma nova droga, com poderosos e impressionantes efeitos, acabara de ser revelada à ciência. Durante os anos seguintes, permaneceria restrita nos restritos círculos de cientistas e intelectuais, até que durante os anos 1960 um psicólogo de Harvard se empenharia em divulgá-la, fazendo questão de enfatizar suas propriedades “milagrosas”.


O PROFETA


Aldous Huxley, em seu ensaio de 1954, As portas da percepção, relatava sua experiência psicodélica após haver experimentado mescalina. Com essa obra, Huxley se tornaria como que no profeta da contracultura.

O nome da famosa banda de Jim Morrison, famoso por seu gosto por LSD, The Doors (As Portas), foi inspirado na leitura do ensaio de Huxley. Diz um verso de William Blake, em The Marriage of Heaven and Hell: “If the doors of perception were cleansed everything would appear to man as it is, infinite”. É nesse sentido que Huxley desenvolve suas reflexões acerca do uso da mescalina: com as “portas da percepção” abertas, consegue obter uma “visão sacramental da realidade”, onde percebia o mundo “infinito em sua importância”, e põe em paralelo observações puramente estéticas acerca da beleza das flores ou da mobília de seu escritório e pensamentos acerca da Mente e da Divindade: a transfiguração da mente permitiria ao observador perceber o “Tudo em cada isto”.


Em outro ensaio sobre o mesmo tema, Céu e Inferno, Huxley pondera, entretanto, que a abertura dessas portas da percepção não necessariamente levariam o viajante ao paraíso, podendo, ao contrário, arremessá-lo, dependendo de suas condições psicológicas, diretamente ao abismo infernal, semelhante ao experimentado pelo esquizofrênico.


Duas décadas antes, Huxley publicara o livro Admirável mundo novo, no qual previa uma sociedade no futuro onde a racionalidade técnico-científica desenvolvera-se a tal ponto que a estabilidade social era absoluta. A visão era, no entanto, assustadora: os seres humanos eram fabricadas como bens industriais, rigidamente divididos de acordo com sua função social e controlados pela mente pelo soma: uma droga capaz de anestesiar totalmente a dor e as aflições dos indivíduos, onde o sentir-se bem o tempo todo era um princípio “moral”, atingido mantendo-se a população constantemente “chapada”.


Não se pode crer, entretanto, que tenha sido intenção de Huxley se tornar profeta dos hippies ou qualquer coisa do gênero. Definindo-se apenas como um livre-pensador agnóstico, Huxley tinha clareza para notar que, por mais que os meios artificiais de alteração da percepção pudessem ser positivos para a experiência transcendente, poderiam ser ao mesmo tempo um meio de controle social e alienação dos indivíduos.


O APÓSTOLO

Convertido do catolicismo ao hinduísmo em 1965, Timothy Leary, que cinco anos antes havia tido sua primeira experiência psicodélica com cogumelos no México, ficaria conhecido pela sua ativa militância a favor da generalização do uso de drogas expansoras da mente, com fins espirituais, com especial destaque para o LSD.


Seu cargo de professor de psicologia em Harvard foi por água abaixo devido ao seu envolvimento com o LSD e psilocibin, mas Leary não pareceu se preocupar com isso. Desde que começou suas experiências em 1961, envolvendo estudantes não graduados – muitos dos quais eles próprios voluntários nessas experiências – o nome do Dr. Timothy Leary esteve envolvido em vários escândalos.Já no ano de 1961 Timothy Leary e seu parceiro Richard Alpert foram convocados a darem explicações a seus superiores, e como a polêmica não diminuísse e Leary não desistisse de suas experiências, acabou demitido em 1963.


A inabalável fé de Leary no potencial do LSD fica manifesta na sua declaração conjunta com Alpert à Harvard Review, depois de ambos serem demitidos:
“Devemos continuar a prender, executar, exilar nossos visionários em êxtase e depois encerrá-los em santuários, como os heróis de amanhã?... A sociedade precisa de sábios-sacerdotes para fornecer a estrutura – a musculatura intelectual, carne e osso para manter as coisas unidas... O sistema nervoso pode ser mudado, integrado, ter seu circuito refeito, suas funções expandidas. Essas possibilidades naturalmente ameaçam todos os ramos da Ordem Estabelecida... Nossos conceitos favoritos estão parados no caminho da maré enchente que há dois milhões de anos se vem avolumando. O açude verbal está em colapso. Corram às colinas ou então preparem sua habilidade intelectual para fluir com a corrente.”


Mesmo fora da universidade Leary e seus seguidores – que eram cada vez em maior número – continuaram com suas experiências em busca de transcendência espiritual por meios artificiais. Liderou algumas iniciativas, como a International Federation for Internal Freedom e a Castalia Foundation, organizando experiências com LSD e outras drogas psicodélicas nos Estados Unidos e no México. Leary e suas iniciativas foram sistematicamente atacadas pela imprensa e pela polícia. Em abril de 1963, um xerife acompanhado de 22 policiais invadiu a Castalia Foundation, prendendo Leary e vários outros, por ter encontrado maconha e “outros itens de interesse”. Lawrence M. Quinlan, o xerife, afirmou que seus homens haviam visto, momentos antes da invasão, “várias pessoas dançando freneticamente em torno de uma fogueira.


Isso não é normal”. Várias vezes ao longo das décadas de 1960 e 1970 Timothy Leary foi levado à cadeia. Ao mesmo tempo, as autoridades norte-americanas tentaram – e, de um modo geral, fracassaram – apagar a existência do LSD. O apóstolo do LSD acabaria por cair no ostracismo e se dedicar a outras pesquisas. O LSD e seu impacto causado na sociedade já seriam irreversíveis.


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sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Preludio de uma Guerra

Por Jessé A. Chahad

O filme é um documentário que mostra a visão do Governo americano sobre a invasão japonesa na Manchúria, a conquista da Etiópia pelos italianos, e o início da movimentação das tropas nazistas em direção ao Leste Europeu. Em outras palavras, insinuam um movimento de conquista mundial praticado pelos governos fascista.
Os créditos da introdução confirmam o caráter de oficialidade do documento, e reforça a idéia de construção do fato histórico a partir da visão governamental, que procurava justificar a participação dos Estados Unidos no conflito. O filme foi exibido primeiramente apenas para o público militar, e a partir da percepção da eficácia de sua mensagem, foi liberado pelo Governo para o público em geral, desconfiado e temeroso com a globalização do conflito que iniciara na Europa.
A indústria de Hollywood, às vésperas da Segunda Guerra Mundial produzia tantos filmes quanto todas as outras indústrias combinadas, quase dez filmes por semana, e acompanhava o ritmo da corrente Revolução Industrial, que se encontrava em seu auge, e curiosamente após o termino da Guerra havia desmoronado[1]. A propaganda de guerra eficiente escondia as mazelas que acabariam atingindo diversos setores da economia americana, questionando a validade de sua intervenção.
O principal elemento de convencimento trazido pelo filme, é a busca pela Liberdade, conceito que será apropriado pelos Aliados a fim de glorificar a carnificina realizada durante a Guerra. Libertar os povos dominados pelo Nazismo e Fascismo consistia em menor parte conceder a eles autonomia, e sim impor sua política. Sob a bandeira americana se escondiam novos planos de reorganização e dominação mundial.
Na cena em que aparecem dois globos terrestres em rota de colisão, um mais claro, representa os “Aliados da liberdade”, e um outro mais escuro, “o eixo do mal”. A simplificação entre mundo do bem versus mundo do mal, em outras palavras o maniqueísmo propagado pela cena era suficiente e eficiente para a inteligência de uma população com alto índice de analfabetismo[2].
A aprovação popular da participação na Guerra era fundamental, pois propiciava menor crítica à quantidade de dinheiro a ser gasta com tal projeto, e ainda provocava no público o sentimento de responsabilidade perante o conflito, pois se eram tão nobres e justos os ideais libertários e de igualdade, que a população não tinha motivos para não a endossar.
Sabendo que o documentário é o gênero cinematográfico que carrega o estigma compartilhado pela fotografia – de retrato fiel da realidade - devemos entender que o documentário não pode ser considerado um reflexo direto da realidade, mas sim como trabalhos nos quais as imagens dão forma a um discurso narrativo com um significado determinado[3]. Porém, para o público considerado comum, essa especificidade não é levada em consideração, e muitas vezes o Cinema é entendido como capaz de reproduzir fielmente os acontecimentos de um determinado fato histórico, problema que pode ser tratado por aqueles que se dedicam ao ensino da História.

Cinema no ensino de História: O Filme e suas possibilidades
No campo do ensino da História, os filmes de cunho histórico são fontes inesgotáveis de possibilidades de propor discussões e provocar a reflexão no estudante.
Se considerarmos que o caráter visual da sociedade atual se sobrepõe aos demais sentidos na percepção e no entendimento da realidade, é razoável a afirmação de que o Cinema é atraente e atinge quase em sua totalidade o dia a dia do estudante, seja do ensino regular ou mesmo superior. A partir da exibição de filmes que trazem em seu conteúdo fatos históricos a serem estudados nos programas tradicionais, o profissional dedicado ao ensino de História consegue ao menos atrair mais atenção para o assunto, o que já é desejável em tempos de tão grande desinteresse pelo estudo por parte dos alunos.
A partir deste primeiro momento, a intenção seria realiza debates acerca do assunto trazido pelo filme, e como os fatos foram tratados, a fim de identificar possíveis interpretações e pontos de vista expressos por detrás das imagens, suscitando a curiosidade que levará naturalmente à pesquisa sobre o tema.
A tão criticada indústria cinematográfica hollywoodiana serve de exemplo não apenas por dedicar tantos recursos à produção de filmes “históricos”, que abrangem a sua própria História recente, além de atingir temas Clássicos, como a Guerra de Tróia, ou ainda Rei Arthur, que de longe procuram se inserir no caráter do cinema real, de fidelidade, mas buscam a verossimilhança em suas narrativas, que são sucessos de bilheteria e despertam de alguma forma, por menos louvável que seja, o interesse sobre temas históricos.
No Brasil, são pouquíssimos investimentos na produção de filmes, históricos ou não; a indústria e o mercado cinematográfico tentam ressurgir após um longo período lacônico em sua produção, e apenas no início da década de 1990, recomeçaram a surgir com mais força. Evidentemente, uma maior produção de filmes sobre a História do Brasil, produziria também um aumento do público interessado em História, além de possibilitar novas visões e possíveis revisões de alguns momentos cruciais do nosso país, como as discussões proporcionadas pelos diversos filmes feitos sobre a época da Ditadura Militar.

Conclusões
Ao se propor a utilização de filmes, documentários ou mesmo comerciais, no debate e no ensino de História, se propõe acima de tudo a busca de adequação do ensino à demanda da sociedade, a fim de despertar o interesse para a História, e consequentemente propor a reflexão sobre o assunto.
A partir desta proposta, demonstrar ao estudante a potencialidade do Cinema como formador de opinião, e mais, como construtor de memória e idealizador de projetos que contam com uma intencionalidade, e que são produtos de um tempo histórico único, de uma sociedade com características próprias. Despertar essa consciência no estudante por si só já pode ser considerado um resultado positivo.
Para os historiadores, mais importante do que condenar a presença de duendes e dragões, personagens comuns em filmes que remetem à Idade Média, é explorar a potencialidade deste tipo de documento, e como ele pode ser útil para a produção de conhecimento. Cada filme tem suas características próprias de estilo, ação, suspense, comédia, terror, etc.. E o documentário é mais uma forma de expressão cinematográfica, com a especificidade de carregar em si o caráter de oficialidade, de versão “original” da História, que cabe ao historiador problematizar e debater em sala de aula.
Uma questão a ser levantada, por exemplo, pode ser o fato de como algumas lideranças mundiais se apropriam de valores, como a liberdade, igualdade e democracia, e, além disso, constrói uma nova significação destes valores, a fim de justificar um propósito, como no caso da Segunda Guerra, a necessidade da emergência dos Estados Unidos como potência militar e econômica, que deveria liderar o mundo com seus ideais de justiça e libertação.
Ainda hoje podemos identificar essa prática na sociedade americana, altamente militarizada e sempre disposta a endossar um conflito, uma invasão de um país qualquer que não dê liberdade ao seu povo, que não exerça a democracia. Por outro lado, os verdadeiros motivos que deflagram a maioria dos conflitos desde a Primeira Guerra, são quase sempre relacionados às questões de territorialidade, em outras palavras, à conquista e dominação de territórios que dispões de recursos estratégicos, ligados a algum setor da economia.
A produção de filmes de guerra é quase concomitante com a produtividade da indústria bélica estado-unidense, e ambas aumentam seus lucros, e renovam suas tecnologias de maneira impressionante, que nos levam a crer que a relação entre Cinema e História está muito mais presente no dia a dia do que podemos imaginar, e que a construção da memória de um povo, mais ainda, a construção de um senso moral comum de justiça e caráter, passa pelo crivo da indústria cultural e com ela se entrelaça, pois fazem a cultura visual e a sociedade personagens de um mesmo longa metragem.








Bibliografia

CHARNEY, Leo & SCHWARTZ (orgs), Vanessa R. O cinema e a invenção da vida moderna, Cosac & Naify, São Paulo, 2001.

FERRO, Marc, Cinema e História, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992.

GEARY, Patrick J. O mito das nações – A invenção do nacionalismo, Conrad, São Paulo, 2005.

HOBSBAWM, Eric J., A era dos Impérios, 1875-1914, Paz e Terra, São Paulo, 1988.

HOBSBAWM, Eric J., A era dos Extremos, O breve século XX-1914-1991, Cia. das Letras, São Paulo, 1995.

LE GOFF, J. e NORA, P. (Orgs) História: novos objetos, Rio de Janeiro, 1976.

MENESES, Ulpiano Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório”. Revista Brasileira de História, ANPUH, São Paulo, 23, 2003.

ORR, John, Cinema and modernity. Polity Press, Cambridge, 1993.

RAMOS, José Mario Ortiz, Cinema, estado e lutas culturais-anos 50-60-70, Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1983.

ROSENSTONE, Robert, “História e imagens, História em palavras: reflexões sobre as possibilidades de plasmar a História em imagens”. O Olho da História-Revista de História Contemporânea. Salvador, 1 (5): 105/116, set. 1998.

WILLIAMS, Christopher (Org), Realism and Cinema, Routledge and Kegan
Paul, New York, 1980.
[1] Eric HOBSBAWM, As Artes, 1914-1945, in: A Era dos Extremos, p.195.
[2] Idem, p.193.
[3] Robert ROSENSTONE, História em imagens, história em palavras: reflexões sobre as possibilidades de plasmar a história em imagens, p. 08.