Personagem de extrema importância na História da Fotografia, Marc Ferrez, nascido no Rio de Janeiro em 1843 assistiu ao período de afirmação do Brasil como nação no plano internacional e foi testemunha ativa do impulso inicial tecnológico da fabricação de imagens fotográficas[1]. Dedicou-se à obtenção de paisagens, retratos, arquiteturas, entre outras tantas se tornando talvez o mais importante fotógrafo do período. Filho do escultor francês Zépherin Ferrez, que veio ao País para integrar a Missão Artística Francesa - grupo de artistas convidados pela corte portuguesa então instalada no Brasil para criar aqui uma escola de belas artes - Ferrez nasceu no Rio de Janeiro em 1843. Perdeu os pais muito cedo e sua biografia nestes primeiros anos é um tanto nebulosa. Sabe-se, entretanto, que ele passou uma longa temporada em Paris, onde provavelmente aprendeu um pouco sobre uma invenção recente: a máquina fotográfica.
Entre 1863 e1864 decidiu voltar à terra natal e se estabeleceu como fotógrafo por volta desta época. Mas não era um profissional como a maioria. Desde o início, destacava-se pela pesquisa por novas técnicas e equipamentos. Não o agradava também a rotina de um estúdio, que o obrigaria a passar o dia repetindo retratos posados. Funda então um estabelecimento "especialmente destinado a fazer vistas do Brasil". Comercializa também equipamentos fotográficos, o que lhe garante a independência financeira que o livra dos temíveis retratos.
Sua relação com o Império se iniciou quando realizou uma serie de fotos dos festejos públicos promovidos no Rio de Janeiro por ocasião das comemorações pelo fim da guerra do Paraguai em 1870, quando no verso das fotografias assinava como “fotógrafo da Marinha Imperial e das construções navaes do Rio de Janeiro.” A história mostra que houve outros grandes profissionais em sua época, como Militão Augusto de Azevedo (1837-1905) e Guilherme Gaensly (1843-1928). Nenhum deles, porém teve uma produção tão ampla e variada quanto Ferrez. Nenhum registrou como ele, imagens das mais diversas regiões do País ou tampouco enxergou tão de perto as transformações de uma nação que procurava deixar para trás um estilo de vida arcaico, marcado pela escravatura, e tentava "civilizar-se".
O “feliz regresso” ao Brasil, no mês de Março de 1872 da primeira viagem de D. Pedro II ao exterior em companhia da Imperatriz Teresa Cristina foram retratadas em série por Marc Ferrez, quem em 1875 começa a trabalhar como fotógrafo da Comissão Geológica do Império, chefiada pelo cientista norte-americano Charles Frederick Hartt e participa da Exposição de Obras Públicas no edifício sede do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Representando o país em exposições nos Estados Unidos e na França, Ferrez levava aos estrangeiros as imagens que mesclavam a natureza abundante com o progresso tecnológico, representados, por exemplo, pela documentação feita sobre obras de canalização, ou construção de ferrovias. O fotógrafo seria ainda inovador ao utilizar pela primeira vez o flash de magnésio para obter imagens do interior de uma mina em Minas Gerais[2].
O fato de as imagens serem seleções particulares dos fotógrafos pode revelar suas intenções, que nem sempre são meramente documentais ou informativas. A professora Annateresa Fabris pensa que de um primeiro registro prototípico, voltado preferencialmente para os monumentos e paisagem, passa-se a documentação de usos e costumes diferentes dos ocidentais, de territórios, de caminhos, com um intuito francamente propagandista. A fotografia torna-se aliada da expansão imperialista[3] .
O interesse pelo registro fotográfico, por exemplo, dos projetos de engenharia dessa época não tinham como intenção o resgate da memória deste momento particular, representado nas fotografias, mas sim a possibilidade de identificar com este passado através dessa reprodução fotográfica um projeto de memorização daquelas obras e projetos[4]. A professora Maria Inez Turazzi ao investigar o papel da atividade fotográfica registrando os projetos de engenharia do Império procurou analisar até que ponto isso poderia ser parte de um esforço consciente na construção de uma herança as gerações futuras como um patrimônio coletivo e memória do sentido do progresso que queriam demonstrar.
Annateresa ainda demonstra que a fotografia tende a construir imagens dos burgueses idealizadas, com as fotos teatrais (cenário e roupas do estúdio) para disfarçar sua condição social, sendo os retratos distantes do indivíduo e perto das máscaras sociais. No entanto as fotos não perdem o caráter de verdadeiro, infalível e de veracidade, sendo estas utilizadas em fotografias criminalísticas como evidência, fotos de guerra, e também fotos de lugares exóticos afirmando ou confirmando a visão já existente (exemplo antigas civilizações). Este tipo de fotografia (de lugares exóticos e antigos) é importante, pois a massificação ocorre com os cartões postais, que realiza uma viagem imaginária e “democratizada”. Este “conhecimento positivo” é a ultima conseqüência da “missão civilizadora” da fotografia. Desta maneira “A fotografia cria uma visão do mundo a partir do mundo, molda um imaginário novo”.
A partir destes trabalhos, podemos concluir que a fotografia foi importante instrumento de afirmação do projeto civilizatório no Brasil iniciado no Império de D.Pedro II, o qual próprio era um adepto fervoroso da moderna invenção de Daguerre. A propaganda gerada de um país progressista e que tinha rompido seus vínculos coloniais era, porém fonte de um modelo também importado e que por isso foi de difícil difusão em um país tão peculiar quanto o Brasil.
Se nos perguntarmos mesmo nos dias de hoje acerca de um sentimento nacional, esbarraremos em regionalismos e dificuldades que duraram como herança de uma rica miscigenação. Talvez justamente essa mistura possa ser entendida como um fator de unificação em torno das diferenças. Mas na prática não é isso que costuma acontecer.
[1] Françoise REYNAUD, O Brasil de Marc Ferrez. In: O Brasil de Marc Ferrez, p.12.
[2] Maria Inez TURAZZI, Cronologia, in: O Brasil de Marc Ferrez, p.305.
[3] Annateresa FABRIS, A invenção da fotografia: repercussões sociais. In: Fotografia.Usos e funções no século XIX,p.32.
[4] Maria Inez TURAZZI. The photographic documentation of nineteenth century engineering projects,p.100